tag:blogger.com,1999:blog-11632402545857450562024-02-19T02:48:29.689-08:00Obreiros Da Vida Eterna 🌹 Chico Xavier 🌹 AndréLuizUnknownnoreply@blogger.comBlogger20125tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-87369723544841389312017-08-30T15:13:00.002-07:002017-09-03T15:53:51.281-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">1 - Convite Ao Bem</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Antes de iniciar os trabalhos de nossa expedição socorrista, o Assistente Jerônimo conduziu-nos ao Templo da Paz, na zona consagrada ao serviço de auxílio, onde esclarecido instrutor comentaria as necessidades de cooperação junto às entidades infelizes, nos círculos mais baixos da vida espiritual que rodeiam a Crosta da Terra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A maravilhosa noite derramava inspirações Divinas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ao longe, constelações faiscantes semelhavam-se a pérolas caprichosamente dispostas numa colcha de veludo imensamente azul. A paisagem lunar oferecia detalhes encantadores. Picos e crateras salientavam-se à nossa vista, embora a considerável distância, num deslumbramento de filigrana preciosa. Fulgurava o Cruzeiro do Sul como símbolo sublime, desenhado ao fundo azulescuro do firmamento. Canópus, Sírius e Antares brilhavam, infinitamente, figurando-se-nos balizas radiosas e significativas do<br />céu. A Via Láctea, dando-nos a impressão de prodigioso ninho de mundos, parecia um dilúvio de moedas resplandecentes a se derramarem de cornucópia gigantesca e invisível, convidando-nos a<br />meditar nos segredos excelsos da natureza divina. E as suaves virações noturnas, osculando-nos a mente em êxtase, passavam apressadas, sussurrando-nos grandiosos pensamentos, antes de se dirigirem às esferas distantes...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O templo, edificado no sopé de graciosa colina, apresentava aspecto festivo, em virtude da iluminação feérica a projetar singulares efeitos nos caminhos adjacentes.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">As torres, à maneira deagulhas brilhantes, alongavam-se pelo céu, contrastando com o indefinível azul da noite clara e, cá em baixo, as flores de variadas figurações eram taças luminosas, servindo luz e perfume, balouçando, de leve, na folhagem, ao sopro incessante do vento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não éramos os únicos interessados na palestra da noite, porque numerosos grupos de irmãos se dirigiam ao interior, acomodando-se no recinto. Eram entidades de todas as condições, fazendo-nos sentir o geral interesse pelas lições em perspectiva.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Seguíamos, o Assistente Jerônimo, o padre Hipólito, a enfermeira Luciana e eu, constituindo pequena equipe de trabalho, incumbida de operar na Crosta Planetária, durante trinta dias, aproximadamente, em caráter de auxílio e estudo, com vistas ao nosso desenvolvimento espiritual.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo, o orientador de nossas atividades pela nobreza de sua posição, percebendo-me a curiosidade perante as movimentadas conversações em derredor, explicou, gentil:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Muito justa a atenção, em torno do assunto. Admito que a quase totalidade dos interessados e estudiosos que afluem à casa integram comissões e agrupamentos de socorro nas regiões menos evolvidas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E demorando o olhar nas fileiras de jovens e velhos que demandavam o interior, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A palavra do Instrutor Albano Metelo merece a consideração excepcional da noite. Trata-se dum campeão das tarefas de auxílio aos ignorantes e sofredores dos círculos imediatos à Crosta Terrestre. Somos aqui diversos grupos de aprendizes e a experiência dele nos proporcionará infinito bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Breves minutos decorreram e penetramos, por nossa vez, o recinto radioso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vagavam no ar suaves melodias, precedendo a palavra orientadora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Flores perfumosas, ornamentando o ambiente, embalsamavam a nave ampla. Alguns instantes agradabilíssimos de espera e o emissário apareceu na tribuna simples, magnificamente iluminada. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Era um ancião de porte respeitável, cujos cabelos lhe teciam uma coroa de neve luminosa. De seus olhos calmos, esplendidamente lúcidos, irradiavam-se forças simpáticas que de súbito nos dominaram os corações. Depois de estender sobre nós a mão amiga, num gesto de quem abençoa, ouviu-se o coro do templo entoando o hino</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Glória aos Servos Fiéis”:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ó Senhor!<br />Abençoa os teus servos fiéis,<br />Mensageiros de tua paz,<br />Semeadores de tua esperança.<br />Onde haja sombras de dor,<br />Acende-lhes a lâmpada da alegria;<br />Onde domine o mal, ameaçando a obra do bem,<br />Abre-lhes a porta oculta à tua misericórdia;<br />Onde surjam acúleos do ódio,<br />Auxilia-nos a cultivar<br />as flores bem-aventuradas de teu sacrossanto amor!<br />Senhor! são eles<br />Teus heróis anônimos,<br />Que removem pântanos e espinheiros,<br />Cooperando em tua divina semeadura...<br />Concede-lhes os júbilos interiores,<br />Da claridade sagrada em que se banham as almas redimidas.<br />Unge-lhes o coração com a harmonia celeste<br />Que reservas ao ouvido santificado;<br />Descortina-lhes as visões gloriosas<br />Que guardas para os olhos dos justos;</span><br />
<span style="font-size: x-large;">Condecora-lhes o peito com as estrelas da virtude leal...<br />Enche-lhes as mãos de dádivas benditas<br />Para que repartam em teu nome<br />A lei do bem,<br />A lua da perfeição,<br />O alimento do amor,<br />A veste da sabedoria,<br />A alegria da paz,<br />A força da fé,<br />O influxo da coragem,<br />A graça da esperança,<br />O remédio retificador!...<br />Ó Senhor,<br />Inspiração de nossas vidas,<br />Mestre de nossos corações,<br />Refúgio dos séculos terrestres!<br />Faze brilhar teus divinos lauréis<br />E teus eternos dons,<br />Na fronte lúcida dos bons -<br />Os teus servos fiéis!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O instrutor ouviu, em silêncio, de olhos molhados, deixando transparecer íntimo júbilo, enquanto a maioria da assembléia disfarçava discretamente as lágrimas que os acentos harmoniosos do cântico nos arrancavam do coração. Em se perdendo no espaço as derradeiras notas da melodia sublime, Metelo, sem qualquer luzo de gesticulação, saudou-nos com expressiva simplicidade, desejando- nos a paz do Senhor, e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não mereço, amigos, o preito de carinho desta noite. Não tenho servido fielmente Àquele que nos ama desde o princípio e, por isso, vosso hino confunde-me. Mero soldado das lides evangélicas, trabalho ainda no campo da própria redenção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez ligeira pausa, fitou-nos, paternal, e continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mas... a minha personalidade não interessa. Venho falar-vos de nossos trabalhos singelos, nas regiões espirituais ligadas à Crosta da Terra. Ó meus irmãos! é necessário apelar para as nossas energias mais recônditas. As zonas purgatoriais multiplicam-se, assustadoramente, em derredor dos homens encarnados. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A distância dos teatros de angústia, vinculados às realizações edificantes de nossa colônia espiritual, preservando valiosas reservas da vida infinita para essa mesma Humanidade que se debate no sofrimento e nas trevas, nem sempre formulamos uma idéia exata da ignorância e da dor que atormentam a mente humana, quanto aos problemas da morte. A felicidade faz que nasçam aqui as fontes inesgotáveis da esperança. Os que se preparam, ante os vôos maiores da Eternidade, trazem os olhos voltados para a Esfera Superior, na contemplação do ilimitado porvir, e os que se esforçam por merecer a bênção da reencarnação na Crosta Terrestre fixam as suas aspirações mais fortes no soberano propósito de redenção, organizando-se perante o futuro, ousados nas solicitações de trabalho e arrojados no bom ânimo. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Todos os pormenores da vida, nesta cidade, falam alto de nossos objetivos de equilíbrio e elevação. Não longe de nós, começam a brilhar os raios da alvorada radiante dos mundos melhores, convidando-nos à visão beatífica do Universo e à gloriosa união com o Divino. Mas... – o orador fez significativo intervalo, parecendo escutar vozes e chamamentos de paisagens distantes, e prosseguiu: – e os nossos irmãos que ainda ignoram a luz? </span><br />
<span style="font-size: x-large;">subiríamos até Deus, num círculo fechado?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Como operar o insulamento egoístico e partir, a caminho do Pai Amoroso e Leal que acende o Sol para os santos e os criminosos, para os justos e injustos? Metelo mostrou uma chama de zelo sagrado nos olhos percucientes e exclamou, depois de curta reflexão:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nós, que procuramos a santidade e a justiça, alcançaríamos, acaso, semelhante orientação, se outras fossem as circunstâncias que nos regeram até aqui? Construtores de nossos próprios destinos, por delegação natural do Criador, onde permaneceríamos, agora, sem os favores da oportunidade e o obséquio da proteção de benfeitores desvelados? Indubitavelmente, os ensejos de elevação felicitam todas as criaturas; no entanto, é imprescindível ponderar que a bênção da fonte pode converter-se em venenosa água estagnada, se a trancamos num poço incomunicável.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">E as dádivas recebidas por nós são inúmeras e os dons que nos foram distribuídos, imensos... Seria completo o nosso regozijo, havendo lágrimas atrás de nossos passos? Como entoar hinos de hosana à felicidade sobre o coro dos soluços? Nobilíssimo, todo impulso de atingir o cume; entretanto, que veremos após a ascensão? Entre os júbilos de alguns, identificaríamos a ruína e a miséria de multidões incalculáveis!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse momento, envolvido nas vibrações de profundo interesse dos ouvintes, imprimiu novo acento ao verbo luminoso e tornou com indefinível melancolia:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Também eu tive noutro tempo a obcecação de buscar apressado a montanha. A Luz de cima fascinava-me e rompi todos os laços que me retinham em baixo, encetando dificilmente a jornada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A princípio, feri-me nos espinhos pontiagudos da senda, experimentei atrozes desenganos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Consegui, porém, vencer os óbices imediatos e ganhei, jubiloso, pequenina eminência. Em me voltando, todavia, espantou-me a visão terrífica do vale: o sofrimento e a ignorância dominavam em plena treva. Desencarnados e encarnados lutavam uns contra os outros, em combates gigantescos, disputando gratifica ções dos sentidos animalizados. O ódio criava moléstias repugnantes, o egoísmo abafava impulsos nobres, a vaidade operava horrenda cegueira... Cheguei a sentir-me feliz, diante da posição que me distanciava de tamanhas angústias. Contudo, quando mais me vangloriava, dentro de mim mesmo, embalado na expectativa de atravessar mais altos cumes, eis que, certa noite, notei que o vale se represava de fulgente luz. Que sol misericordioso visitava o antro sombrio da dor?</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Seres angélicos desciam, céleres, de radiosos pináculos, acorrendo às zonas mais baixas, obedecendo ao poder de atração da claridade bendita. Que acontecera? – perguntei ousadamente, interpelando um dos áulicos celestiais. – “O Senhor Jesus visita hoje os que erram nas trevas do mundo, libertando consciências escravizadas. Nem mais uma palavra. O mensageiro do Plano Divino não podia conceder-me mais tempo. Urgia descer para colaborar com o Mestre do Amor, diminuindo os desastres das quedas morais, amenizando padecimentos, pensando feridas, secando lágrimas, atenuando o mal e, sobretudo, abrindo horizontes novos à Ciência e à Religião, de modo a desfazer a multimilenária noite da ignorância. Novamente sozinho, na peregrinação para o Alto, reconsiderei a atitude que me fizera impaciente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em verdade, para onde marchava meu Espírito, despreocupado da imensa família humana, junto da qual haurira minhas mais ricas aquisições para a vida imortal? Porque enojar-me, ante o vale, se o próprio Jesus, que me centralizava as aspirações, trabalhava, solícito, para que a Luz de Cima penetrasse as entranhas da Terra? Não praticava eu o crime execrável da usura, olvidando aqueles entre os quais adquirira o roteiro destinado à minha própria ascensão? Como subir sozinho, organizando um céu exclusivo para minh'alma, lastimavelmente abstraído dos valores da cooperação que o mundo me prodigalizava com generosidade e abundância?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mostrava-se o instrutor intensamente comovido. – Detive-me, então – continuou – e voltei.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Efetivamente, o caminho vertical e purificador da superioridade é a sublime destinação de todos. O cume, bafejado de resplendor solar, é sempre um desafio benéfico aos que vagueiam sem rumo, na planície. O alto polariza, naturalmente, as supremas esperanças dos que ainda permanecem em baixo... Todavia, à medida que penetramos o domínio da altura, imprimem-se-nos na mente e no coração as leis sublimes de fraternidade e misericórdia. Os grandes orientadores da Humanidade não mediram a própria grandeza senão pela capacidade de regressar aos círculos da ignorância para exemplificarem o amor e a sabedoria, a renúncia e o perdão aos semelhantes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />É por esse motivo que necessitamos temperar todo impulso de elevação com o sal do entendimento, evitando a precipitação nos despenhadeiros do egoísmo e da vaidade fatais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Metelo silenciou por instantes e, diante da comoção com que lhe acompanhávamos a palestra, retomou o verbo com outra inflexão de voz:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Outrora, quando nos envolvíamos ainda nos fluidos da carne terrestre, supúnhamos com desacerto que a vaidade e o egoísmo somente poderiam vitimar os homens encarnados. A Teologia, não obstante o ministério respeitável que lhe está afeto, enclausurava- nos a mente em fantasiosas concepções do reino da verdade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Esperávamos um paraíso fácil de ser conquistado pela deficiência humana e temíamos um inferno difícil de regenerar-nos. Nossas idéias alusivas à morte confinavam-se a essas ridículas limitações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Hoje, porém, sabemos que, depois do túmulo, há simplesmente continuação da vida. Céu e inferno residem dentro de nós mesmos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A virtude e o defeito, a manifestação sublime e o impulso animal, o equilíbrio e a desarmonia, o esforço de elevação e a probabilidade da queda perseveram aqui, após o trânsito do sepulcro, compelindo-nos à serenidade e à prudência. Não nos encontramos senão em outro campo de matéria variada, noutros domínios vibratórios do próprio planeta em cuja Crosta tivemos experiências quase inumeráveis. Como não equilibrar, portanto, o coração no exercício efetivo da solidariedade? Logicamente não<br />exortamos ninguém a novos mergulhos no lodo antigo, não desejamos que os companheiros previdentes regressem à posição de filhos pródigos, distanciados voluntariamente do Eterno Pai, nem pretendemos interromper a marcha laboriosa dos servidores de boa vontade, a caminho dos Cimos da Vida.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Apelamos tão só no sentido de cooperardes nos trabalhos de socorro às esferas escuras.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sois livres e dispondes de tempo, no desempenho dos deveres nobilitantes a que fostes chamados em nossa colônia espiritual.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nada mais razoável que o proveito da oportunidade no planejamento da ascese. Entretanto, na qualidade de velho cooperador das tarefas de auxílio, ousamos rogar vosso interesse generalizado pelos que erram “no vale da sombra e da morte”, aguardando a esmola possível de vosso tempo, em favor dos nossos semelhantes, defrontados agora por situações menos felizes, não em virtude dos desígnios divinos, mas em razão da imprevidência deles mesmos. Contudo, qual de nós não foi invigilante algum dia?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez o orador uma pausa mais longa e continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– De nossos amigos encarnados não podemos esperar, por enquanto, concurso maior e mais eficiente nesse sentido. Presos nas grades sensoriais, progridem lentamente na aprendizagem das leis que regem a matéria e a energia. Quando convidados a visitar nossos círculos de edificação, fora da instrumentalidade fisiológica, regressam ao corpo assombrados pelas visões rápidas que lhes foi possível arquivar e, em transmitindo suas lembranças aos contemporâneos, operam a coloração da água simples e pura da verdade com os seus “pontos de vista” e predileções pessoais no terreno da Ciência, da Filosofia e da Religião. Bernardin de Saint-Pierre, o romancista trazido por amigos a regiões vizinhas da Crosta Planetária, volta ao seu meio de ação e traça aspectos que asseverou pertencerem ao planeta Vênus. Huyghens, o astrônomo, recebe mentalmente algum noticiário de nossas esferas de luta e ensaia teorias referentes à vida em outros mundos, afirmando que os processos biológicos nos orbes distantes são absolutamente análogos aos da Crosta da Terra. Teresa d’Ávila, a religiosa santificada, transporta-se à paisagem de nosso plano, onde se lamentam almas sofredoras, e torna ao corpo carnal, descrevendo o inferno para os seus ouvintes e leitores. Swedenborg, o grande médium, percorre alguns trechos de nossas zonas de ação e pinta os costumes das “habitações astrais” como melhor lhe parece, imprimindo às narrações os fortes característicos de suas concepções individuais.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Quase todos os que vieram momentaneamente ao nosso campo de trabalho voltam ao esforço humano, exibindo a experiência de que foram objeto, pincelando-a com a tinta de suas inclinações e estados psíquicos. Porque se encontram fundamente arraigados ao “chão inferior” do próprio “eu”, acreditam enxergar outros mundos em situações iguais à da Terra, nosso maravilhoso templo, cujas dependências não se restringem à Esfera da Crosta sobre a qual os homens de carne pousam os pés. A Terra é também nossa grande mãe, cujos braços acolhedores se estendem pelo espaço além, ofertando-nos outros campos de aprimoramento e redenção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Modificando a inflexão de voz, prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– As criaturas, porém, atravessam breve período de existência no mundo carnal. A maioria demora-se nas estações expiatórias do resgate difícil e confunde-se nas vibrações perturbadoras do sofrimento e do medo. Fazem da morte uma deusa sinistra. Apresentam o fenômeno natural da renovação com as mais negras cores. Agarradas às sensações do dia que passa, ignoram como dilatar a esperança e transformam a separação provisória numa terrível noite de amarguroso adeus. Vítimas da ignorância em que se comprazem, internam-se em florestas de sombras, onde perdem toda a paz, convertendo-se em presas delirantes dos infernos de horror, criados por elas mesmas nos desvairamentos passionais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Como esperar delas a colaboração precisa, com a extensão desejável, se, pela indiferença para com os próprios destinos, mergulham- se diariamente nos rios de treva, desencanto e pavor? </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Unamo- nos portanto, auxiliando-as, segundo os preceitos evangélicos, descortinando-lhes novos horizontes e aclarando-lhes os caminhos evolutivos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De olhos fulgurantes e neblinados de lágrimas, pela evocação talvez de quadros das esferas sombrias, que não nos eram dado conhecer, Metelo manteve-se longos instantes em silêncio, voltando a dizer em tom de súplica:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Recordemos o Divino Mestre e não desdenhemos a honra de servir, não de acordo com os nossos caprichos pessoais, porém de conformidade com os seus desígnios e suas leis. Campos imensuráveis de trabalho aguardam-nos a cooperação fraterna e a semeadura do bem produzirá nossa felicidade sem fim!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Falou, comovedoramente, por mais alguns minutos e, em seguida, invocou as forças divinas, arrancando-nos lágrimas de intraduzível<br />alegria.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Raios de claridade azul-brilhante choveram no recinto, proporcionando- nos a resposta do Plano Superior.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Transcorridos alguns momentos de meditação, Metelo fez exibir num grande globo de substância leitosa, situado na parte central do templo, vários quadros vivos do seu campo de ação nas zonas inferiores. Tratava-se da fotografia animada, com apresentação de todos os sons e minúcias anatômicas inerentes às cenas observadas por ele, em seu ministério de bondade Cristã.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Infelizes desencarnados, em despenhadeiros de dor, imploravam piedade. Monstros de variadas espécies, desafiando as antigas descrições mitológicas, compareciam horripilantes, ao pé de vítimas desventuradas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As paisagens, analisadas de tão perto, através do avançado processo de fixação das imagens, não somente emocionavam:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />infundiam terror. Na intimidade da massa leitosa, em que eram lançadas, adquiriam expressões de vivacidade indescritível. Apareciam soturnas procissões de seres humanos despojados do corpo, sob céus nevoentos e ameaçadores, cortados de cataclismos de natureza magnética.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Pela primeira vez, contemplava eu semelhante demonstração, sem disfarçar a emoção. Para onde se dirigiam aquelas fileiras imensas de Espíritos sofredores?</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Como se sustentariam os ajuntamentos de almas desalentadas e semi-inconscientes, que me era dado divisar ali, ante os meus olhos tomados de assombro, atoladas em poços escuros de lama e padecimento?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em dado instante, a voz do instrutor quebrou o silêncio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Diante dum quadro extremamente doloroso, exclamou em voz firme:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Muitos de vós sabeis que tenho nesses centros expiatórios os que me foram pais bem-amados na derradeira experiência vivida na carne, prisioneiros ainda de torturantes recordações; no entanto, crede, não nos move qualquer propósito egoístico nas tarefas de auxílio, porque temos aprendido com o Senhor que a nossa família se encontra em toda parte.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Observei que ninguém ousou voltar-se para Metelo em seu testemunho de humildade. Comovidíssimo, por minha vez, ante a demonstração de entendimento evangélico a que assistia, notei o olhar expressivo que o Assistente Jerônimo me endereçou, ao término do noticiário animado e sonoro, e procurei alijar de mim mesmo a preocupação de algo saber, acerca do drama particular do orientador, anulando meus inferiores impulsos de mera curiosidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Findos os trabalhos, que ocuparam pouco mais de duas horas, inclusive a palestra instrutiva, vários grupos eram apresentados ao instrutor, por um dos dirigentes do templo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tive a impressão de que a assembléia, em sua feição quase integral, era constituída de legítimos interessados nos trabalhos espontâneos de ajuda ao próximo. Pelas saudações e pelas frases de que se faziam acompanhar, percebi que se aglomeravam no recinto grandes e pequenos conjuntos de servidores, em diversas missões, com objetivos múltiplos. Consagravam-se alguns ao amparo de criminosos desencarnados, outros ao socorro de mães aflitas, colhidas inesperadamente pelas renovações da morte, outros, ainda, interessavam-se pelos ateus, pelas consciências encarceradas no remorso, pelos enfermos na carne, pelos agonizantes na Crosta, pelos dementes sem corpo físico, pelas crianças em dificuldade no plano invisível aos homens, pelas almas desanimadas e tristes, pelos desequilibrados de todos os matizes, pelos missionários perdidos ou desviados, pelas entidades jungidas às vísceras cadavéricas, pelos trabalhadores da Natureza, necessitados de inspiração e carinho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Para todos, possuía o mentor uma sentença generosa de estimulo e admiração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Chegada a nossa vez, Jerônimo nos apresentou gentilmente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Metelo, temos aqui três companheiros que me seguirão agora, em missão de socorro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Muito bem! muito bem! – exclamou o interpelado – que o Divino Servidor os inspire.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Abraçou-nos, com simplicidade, e perguntou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Partem com obrigação especializada? – Sim – esclareceu nosso orientador –, devemos atender, nos próximos trinta dias, a cinco dedicados colaboradores nossos, prestes a desencarnarem na Crosta. Trabalharam fiéis à causa do bem e as nossas autoridades encarregaram-nos de atender-lhes aos casos pessoais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Prevejo muito êxito – comentou Albano Metelo, fixando em nós o olhar sereno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Revelando espontânea alegria pelas palavras ouvidas, Jerônimo acrescentou, delicado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Confio na dedicação dos meus companheiros.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Seguem comigo um ex-padre católico, uma enfermeira e um médico.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Seremos quatro servos em ação ativa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Compreendo – aduziu o instrutor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vamos com autorização para efetuar experiências, estudos e auxílios eventuais, de conformidade com as circunstâncias, em vista do caráter de nosso trabalho, que nos prodigalizará ensejo a diferentes observações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enviou-nos Metelo reconfortante sorriso de otimismo e confiança, cumprimentou-nos individualmente e, depois de abraçar o nosso diretor, com intimidade, exclamou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que o Mestre os ilumine e conduza.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Eram as palavras de despedida. Outro grupo socorrista aproximou-se dele e retiramo-nos do Templo da Paz, repletos do pensamento salutar de servir aos semelhantes em nome de Deus.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Lá fora, a noite de maravilhas era bem uma festa silenciosa, em que o aroma das flores convidava para o banquete celeste da luz.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-59200207537050458052017-08-30T14:58:00.002-07:002017-09-03T15:45:39.149-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">2 - No Santuário Da Benção</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<span style="font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Na véspera da partida, o Assistente Jerônimo conduziu-nos ao Santuário da Bênção, situado na zona dedicada aos serviços de<br />auxilio, onde, segundo nos esclareceu, receberíamos a palavra de mentores iluminados, habitantes de regiões mais puras e mais felizes que a nossa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O orientador não desejava partir sem uma oração no santuário, o que fazia habitualmente, antes de entregar-se aos trabalhos de assistência, sob sua direta responsabilidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />À tardinha, pois, em virtude do programa delineado, encontrávamo-nos todos em vastíssimo salão, singularmente disposto, onde grandes aparelhos elétricos se destacavam, ao fundo, atraindo-nos a atenção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A reduzida assembléia era seleta e distinta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A administração da casa não recebia mais de vinte expedicionários de cada vez. Em razão do preceito, apenas três grupos de socorro, prestes a partirem a caminho das regiões inferiores, aproveitavam a oportunidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O conjunto de doze, presidido por uma irmã de porte venerável, de nome Semprônia, que se consagraria ao amparo dos asilos de crianças desprotegidas; o grupo chefiado por Nicanor, um assistente muito culto e digno, que se dedicaria, por algum tempo, à colaboração nas tarefas de assistência aos loucos de antigo hospício, e nós outros, os companheiros encarregados de auxiliar alguns amigos em processo de desencarnação, perfaziam o total de<br />vinte entidades. O Instrutor Cornélio, diretor da instituição, atendido por um assessor, palestrava conosco, demonstrando-nos simplicidade e fidalguia, magnanimidade e entendimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Logo de início, em nossa administração – explicava-nos – procuramos estabelecer o aproveitamento máximo do tempo com o mínimo de oportunidade. Para concretizar a providência, desde muito não recebemos indiscriminadamente os grupos socorristas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reunimos os conjuntos de serviço, de acordo com as situações a que se destinam. Em dia de recepção aos que vão prestar serviços na Crosta, não atendemos a colaboradores incumbidos de operar exclusivamente nas zonas de desencarnados, como sejam as estações purgatoriais e as que se classificam como francamente tenebrosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Há que ordenar as palavras e selecioná-las, criando-se campo favorável aos nossos propósitos de serviço.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A conversação cria o ambiente e coopera em definitivo para o êxito ou para a negação. Além disso, como esta casa é consagrada ao auxílio sublime dos nossos governantes que habitam planos mais altos, não seria justo distrair a atenção e, sim, consolidar bases espirituais, com todas as energias ao nosso alcance, em que possam aqueles governantes lançar os recursos que buscamos. Compreendendo a extensão das tarefas por fazer e o respeito que devemos àqueles que nos ajudam, somos de parecer que precisamos sanar os velhos desequilíbrios das intromissões verbais desnecessárias e, muitas vezes, perturbadoras e dissolventes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enquanto lhe ouvíamos as ponderações, encantados, imprimiu ligeiro intervalo às sentenças esclarecedoras e continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Aliás, o profeta enunciou, há muitos séculos, que a palavra dita a seu tempo é maçã de ouro em cesto de prata.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Se estamos, portanto, verdadeiramente interessados na elevação, constitui-nos inalienável dever o conhecimento exato do valor “tempo”, estimando- lhe a preciosidade e definindo cada coisa e situação em lugar próprio, para que o verbo, potência divina, seja em nossas ações o colaborador do Pai.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorrimos, satisfeitos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nada mais razoável e construtivo – opinou Semprônia, a destacada orientadora que dirigiria pela primeira vez a expedição de socorro aos orfãozinhos encarnados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O dirigente do Santuário, reconhecendo, talvez, como nos sentíamos necessitados de esclarecimento quanto ao uso da palavra, prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É lamentável se dê tão escassa atenção, na Crosta da Terra, ao poder do verbo, atualmente tão desmoralizado entre os homens.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nas mais respeitáveis instituições do mundo carnal, segundo informes fidedignos das autoridades que nos regem, a metade do tempo é despendida inutilmente, através de conversações ociosas e inoportunas. Isso, referindo-nos somente às “mais respeitáveis”.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não se precatam nossos irmãos em Humanidade de que o verbo está criando imagens vivas, que se desenvolvem no terreno mental a que são projetadas, produzindo conseqüências boas ou más, segundo a sua origem. Essas formas naturalmente vivem e proliferam e, considerando-se a inferioridade dos desejos e aspirações das criaturas humanas, semelhantes criações temporárias não se destinam senão a serviços destruidores, através de atritos formidáveis, se bem que invisíveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Notava-se, claramente, o interesse que suas definições despertavam nos ouvintes. Em seguida a uma pausa mais longa, tornou, cuidadoso:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Toda conversação prepara acontecimentos de conformidade com a sua natureza. Dentro das leis vibratórias que nos circundam por todos os lados, é uma força indireta de estranho e vigoroso poder, induzindo sempre aos objetivos velados de quem lhe assume a direção intencional. Encarregados de assumir a chefia desta casa, trouxemos instruções de nossos Maiores para suprimir todos os comentários tendentes à criação de elementos adversos aos júbilos da bênção Divina. É por isso que, graças ao amor providencial de Jesus, temos conseguido a manutenção de um instituto em que os nossos mentores de Mais Alto se fazem sentir. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A ausência de qualquer palavra menos digna e a presença contínua de fatores verbais edificantes facilitam a elaboração de forças sutis,<br />nas quais os orientadores divinos encontram acessórios para se adaptarem, de algum modo, às nossas necessidades na edificação comum.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez um gesto do narrador que se recorda de minudência importante e informou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Encetando nosso trabalho modesto, experimentamos reações apreciáveis. Procurava-se, então, o santuário, sem qualquer preparação íntima. Nossos amigos prosseguiam repetindo o cenário da Crosta, em que os devotos procuram os templos, como os negociantes buscam mercados. Devemos administrar dons espirituais, como quem dirige um armazém de vantagens fáceis ao personalismo inferior. Desde o primeiro dia, porém, amparados na delegação de competência que nos foi concedida, golpeamos, fundo, o velho hábito. Durante alguns dias, gastamos tempo, ensinando a reverência devida ao Senhor, a necessidade da limpeza interna do pensamento e a abolição do feio costume de tentar o suborno da Divindade com falaciosas promessas. E quando sentimos conscienciosamente que as lições estavam findas, iniciamos a aplicação de medidas retificadoras. Registros vibratórios foram instalados, assinalando a natureza das palavras em movimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desde aí foi muito fácil identificar os infratores e barrar-lhes a entrada na câmara de iluminação, onde realizamos nossas preces...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Observando, talvez, que alguns de nós faziam certas considerações mentais, observou, sorridente: – Cremos desnecessária qualquer alusão ao imperativo dos pensamentos limpos. Quem busca uma casa especializada em abençoar, não pode hospedar idéias de ódio ou maldição.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Compreendemos prontamente a finalidade do ensino indireto e delicado e calamo-nos, prevenidos quanto à necessidade de resguardar a mente contra as velhas sugestões do mal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desejando facilitar-nos as expansões de alegria e cordialidade, Cornélio olhou fixamente um grande relógio que apresentava simbolicamente, no mostrador, a caprichosa forma dum olho humano de grandes proporções, em que dois raios luminosos indicavam as horas e os minutos, e falou, em tom fraternal:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Teremos hoje, conforme notificação recebida há vários dias, a visita dum mensageiro de alta expressão hierárquica. Contudo, antes desse acontecimento excepcional, dispomos ainda de algum tempo. Considerando o preito de amor que devemos aos que nos orientam do Plano Superior, não convém emitir a nossa invocação de bênçãos, nem antes, nem depois do horário estabelecido. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Estejam, pois, à vontade, os cooperadores...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, fixando o olhar nos três encarregados de serviço, acrescentou, após as reticências:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Enquanto me entendo particularmente com os chefes das missões, temos quase uma hora para a troca de idéias construtivas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cornélio passou a dirigir-se, de modo confidencial, aos nossos orientadores e, fracionados em grupinhos diversos, entabulamos conversações amigas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atendendo-me os desejos, padre Hipólito, qual o chamávamos na intimidade, apresentou-me o Assistente Barcelos, da turma de servidores que se destinava à assistência aos loucos. Fora ele dedicado professor no círculo carnal e interessava-se carinhosamente pela Psiquiatria sob novo prisma. Acolheu-me com fidalgo tratamento e, após as primeiras saudações, perguntou, bondoso:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />É a primeira vez que integra uma expedição socorrista?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– De fato – esclareci – é a primeira. Tenho acompanhado diversas missões de auxílio na Crosta, mas na condição do estudante, com reduzidas possibilidades de cooperação. Agora, porém, o Assistente Jerônimo aceitou-me o concurso e sigo alegremente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Endereçou-me cativante olhar, no qual transpareciam satisfação e surpresa, e observou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O trabalho beneficia sempre.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interessado em seus informes e esclarecimentos, tornei, humilde:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Seguindo expedições de socorro, como aprendiz, tive ensejo de visitar, por mais de uma vez, dois antigos e grandes sanatórios de alienados do nosso País e vi, de perto, a extensão dos serviços reservados aos servos de boa vontade, nessas casas de purificação e dor. As atividades de enfermagem, aí, são, a meu ver, das mais meritórias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Inegavelmente – concordou ele, prezando-me a atenção – a loucura é um campo doloroso de redenção humana.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Tenho motivos particulares para consagrar-me a esse setor da medicina espiritual e asseguro-lhe que dificilmente encontraríamos noutra parte tantos dramas angustiosos e problemas tão complexos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– E tem colhido muitos frutos novos decorrentes do seu esforço?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– perguntei, curioso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, venho arquivando confortadoras lições nesse sentido, concluindo que, com exceção de raríssimos casos, todas as anomalias de ordem mental se derivam dos desequilíbrios da alma.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estamos longe de contar com o número suficiente de servidores treinados para socorrer eficazmente os encarcerados na cadeia das obsessões terríveis e amargurosas. É tão grande a quantidade de<br />doentes, nesse particular, que não sobra outro recurso além da resignação. Continuamos, desse modo, a atender superficialmente, esperando, acima de tudo, da Providência Divina.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Nos casos de perseguição sistemática das entidades vingativas e cruéis do plano inacessível às percepções do homem vulgar, temos, invariavelmente, uma tragédia iniciada no presente com a imprevidência dos interessados ou que vem do pretérito próximo ou remoto, através de pesados compromissos. Se os psiquiatras modernos penetrassem o segredo de semelhantes fatos, iniciariam a aplicação de nova terapêutica à base dos sentimentos cristãos, antes de qualquer recurso à hormonioterapia e à eletricidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recordei os serviços de assistência a obsidiados, que acompanhara atentamente, e aduzi:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Examinei alguns casos torturantes de obsessão e possessão que me impressionaram, sobremaneira, pela quase completa ligação mental, entre os verdugos e as vítimas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Barcelos esboçou significativo gesto e acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É a terrível história viva dos crimes cometidos, em movimentação permanente. Os cúmplices e personagens desses dramas silenciosos e muita vez ignorados por outros homens, antecedendo os comparsas no caminho da morte, tornam, amedrontados, ao convívio dos seus, em face das sinistras conseqüências com que se defrontam além do túmulo... Agarram-se instintivamente à organização magnética dos companheiros encarnados ainda na Crosta, viciando-lhes os centros de força, relaxando-lhes os nervos e abreviando o processo de extinção do tônus vital, porque têm sede das mesmas companhias junto às quais se lançaram em pleno abismo. Exibem sempre quadros tristes e escuros, onde se destaca a piedade de muitas almas redimidas que tornam do Alto em compassivos gestos de intercessão e socorro urgente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Imprimiu às considerações ligeira pausa e prosseguiu: – Entretanto, observo, na atualidade, especialmente outro campo alusivo ao assunto. Antes de minha volta ao plano espiritual,<br />faminto de novas informações referentes ao psiquismo da personalidade humana, examinei, atento, a doutrina de Freud. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Impressionado com as variações psicológicas dos caracteres juvenis, sob minha observação direta, e apaixonado pela solução dos profundos enigmas que envolvem a criatura terrestre, encontrei na psico-análise um mundo novo. Todavia, por mais que eu estudasse a prodigiosa coleção dos efeitos, jamais alcancei a tranqüilidade completa na investigação das causas, no círculo dos fenômenos em exame. Discípulo espontâneo e distante do eminente professor de Freiberg, somente aqui pude reconhecer os elos que lhe faltam ao sistema de positivação das origens de psicoses e desequilíbrios diversos. Os “complexos de inferioridade”, o “recalque”, a “libido”, as “emersões do subconsciente” não constituem fatores adquiridos no curto espaço de uma existência terrestre e, sim, característicos da personalidade egressa das experiências passadas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"> A subconsciência é, de fato, o porão dilatado de nossas lembranças, o repositório das emoções e desejos, impulsos e tendências que não se projetaram na tela das realizações imediatas; no entanto, estende-se muito além da zona limitada de tempo em que se move um aparelho físico.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;"> Representa a estratificação de todas as lutas com as aquisições mentais e emotivas que lhes foram conseqüentes, depois da utilização de vários corpos. Faltam, pois, às teorias de Segismundo Freud e seus continuadores a noção dos princípios reencarnacionistas e o conhecimento da verdadeira localização dos distúrbios nervosos, cujo início muito raramente se verifica no campo biológico vulgar, mas quase que invariavelmente no corpo perispiritual preexistente, portador de sérias perturbações congênitas, em virtude das deficiências de natureza moral, cultivadas com desvairado apego, pelo reencarnante, nas existências transcorridas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As psicoses do sexo, as tendências inatas à delinqüência, tão bem estudadas por Lombroso, os desejos extravagantes, a excentricidade, muita vez lamentável e perigosa, representam modalidades do patrimônio espiritual dos enfermos, patrimônio que<br />ressurge, de muito longe, em virtude da ignorância ou do relaxamento voluntário da personalidade em círculos desarmônicos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estabelecera-se, entre nós, uma pausa feliz, que aproveitei, atentamente, arregimentando raciocínios quanto ao assunto, considerando os argumentos construtivos que o assistente enunciara, em benefício de minha própria iluminação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recordei meus escassos conhecimentos da doutrina freudiana e voltei mentalmente ao consultório, onde, muitas vezes, fora procurado por amigos atacados de estranhas e desconhecidas enfermidades mentais, a se socorrerem de minhas pobres noções de Medicina, não obstante minha carência de especialização em tal sentido. Eram maníacos. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">histéricos e esquizofrênicos de variados matizes, em cujos cérebros ainda existia luz bastante para a peregrinação através dos livros científicos. Haviam devorado ensinamentos de Freud; entretanto, se as teorias eram valiosas pelos elementos de análise, não ofereciam socorro algum substancial e efetivo ao doente. Descobriam a ferida sem trazer um bálsamo curativo. Indicavam o quisto doloroso, mas subtraíam o bisturi da intervenção benéfica. As explicações de Barcelos, por isso mesmo, se aproveitadas por médicos cristãos na Crosta Planetária, poderiam completar o trabalho de benemerência que a tese freudiana trouxera aos círculos acadêmicos. Antes, porém, que formulasse novas considerações íntimas, tornou ele:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tenho minhas atribuições junto aos desequilibrados mentais; todavia, meu esforço maior, ultimamente, desdobra-se na região inspiracional dos médicos humanitários, para que os candidatos involuntários à perturbação sejam auxiliados a tempo. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Depois de verificada a loucura propriamente dita, na maioria dos casos terminou o processo da desarmonia psíquica.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Muito difícil conduzir a restauração perfeita aos alienados com ficha reconhecida, embora seja incessante a nossa batalha pelo restabelecimento integral da percentagem possível de enfermos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Antes do desequilíbrio completo, houve enorme período em que o socorro do psiquiatra poderia ter sido providencial e eficiente. Não será, portanto, um grande trabalho orientarmos indiretamente o médico bem intencionado, para que ele auxilie o provável alienado, a tempo, empregando a palavra confortadora e o carinho restaurador?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Incalculável número de pessoas permanece no plano carnal, tentando a solução dos profundos problemas relativos ao próprio ser. Relacionando as conclusões dos tratadistas humanos, cujos pontos de vista divergem nos pormenores, temos, na esfera de aperfeiçoamento terrestre, cinco classes de psicoses: as de natureza paranóica, perversa, mitomaníaca, ciclotímica e hiper-emotiva, englobando, respectivamente, a mania das perseguições e o delírio de grandezas, os desequilíbrios e fraquezas de ordem moral, a histeria e a mitomania, os ataques melancólicos e as fobias e crises de angústia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O interlocutor sorriu, fez uma pausa e continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Esta, a definição científica dos nossos amigos que, como nós outros antigamente, só possuem o recurso de diagnosticar e analisar nas minudências anatômicas. Arabescos de ouro sobre a areia do Saara não tornariam o deserto menos árido. Assim, a terminologia brilhante sobre o quadro escuro do sofrimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Precisamos divulgar no mundo o conceito moralizador da personalidade congênita, em processo de melhoria gradativa, espalhando enunciados novos que atravessem a zona de raciocínios falíveis do homem e lhe penetrem o coração, restaurando-lhe a esperança no eterno futuro e revigorando-lhe o ser em suas bases essenciais. As noções reencarnacionistas renovarão a paisagem da vida na Crosta da Terra, conferindo à criatura não somente as armas com que deve guerrear os estados inferiores de si própria, mas também lhe fornecendo o remédio eficiente e salutar. Faz muitos séculos, afirmou Plotino que toda a antigüidade aceitava como certa a doutrina de que, se a alma comete faltas, é compelida a expiá-las, padecendo em regiões tenebrosas, regressando, em seguida, a outros corpos, a fim de reiniciar suas provas. Falta, desse modo, lamentavelmente, aos nossos companheiros de Humanidade o conhecimento da transitoriedade do corpo físico e o da eternidade da vida, do débito contraído e do resgate necessário, em experiências e recapitulações diversas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Barcelos calara-se, por instantes, enquanto eu lhe ponderava a extensão da competência. Com justificada razão possuía ele o título de Assistente, porque não era um simples irmão auxiliador, mas profundo especialista no assunto a que se dedicara, fervoroso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A conversação dele valia por um curso rápido de Psiquiatria sob novo aspecto, que me cabia aproveitar, em benefício próprio, para as tarefas marginais do serviço comum.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desejando traduzir minha admiração e contentamento, observei, reconhecido:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ouvindo-lhe as considerações, reconheço que o missionário do bem, onde se encontre, é sempre um semeador de luz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ele, porém, pareceu não ouvir minha referência elogiosa e prosseguiu noutro tom, após longa pausa:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O meu amigo examinou alguns casos de obsessão entre agentes invisíveis e pacientes encarnados, impressionando-se com a imantação mental entre eles. Pisamos no momento outro solo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Referimo-nos às necessidades de esclarecimento dos homens, perante os seus próprios companheiros de plano evolutivo. No círculo das recordações imprecisas, a se traduzirem por simpatia e antipatia, vemos a paisagem das obsessões transferida ao campo carnal, onde, em obediência às lembranças vagas e inatas, os homens e as mulheres, jungidos uns aos outros pelos laços de consangüinidade ou dos compromissos morais, se transformam em<br />perseguidores e verdugos inconscientes entre si. Os antagonismos domésticos, os temperamentos aparentemente irreconciliáveis entre pais e filhos, esposos e esposas, parentes e irmãos, resultam dos choques sucessivos da subconsciência, conduzida a recapitulações retificadoras do pretérito distante. Congregados, de novo, na luta expiatória ou reparadora, as personagens dos dramas, que se foram, passam a sentir e ver, na tela mental, dentro de si mesmas, ituações complicadas e escabrosas de outra época, malgrado os contornos obscuros da reminiscência, carregando consigo fardos pesados de incompreensão, atualmente definidos por “complexos de inferioridade”.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Identificando em si questões e situações íntimas, inapreensíveis aos demais, o Espírito reencarnado que adquire recordações, não obstante menos precisas, do próprio passado, candidata-se, inelutavelmente, à loucura. E nessa categoria, meu amigo, temos na Crosta Planetária uma percentagem cada vez maior de possíveis alienados, requerendo o concurso de psiquiatras e neurologistas, que, a seu turno, se conservam em posição oposta à verdade, presos à conceituação acadêmica e às rígidas convenções dos preceitos oficiais. Esses, em particular, são os pacientes que interessam, de mais perto, meus estudos pessoais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />São as vítimas anônimas da ignorância do mundo, os infortunados absolutamente desentendidos que, de loucos incipientes, prosseguem, pouco a pouco, a caminho do hospício ou do leito de enfermidades ignoradas, tão só porque lhes faltam a água viva da<br />compreensão e a luz mental que lhes revelem a estrada da paciência e da tolerância, em favor da redenção própria.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– E são muitos, semelhantes casos angustiosos? – indaguei, por falta de argumentação à altura das considerações ouvidas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente sorriu e esclareceu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! meu caro, a extensão do sofrimento humano, nesse sentido, confunde-se também com o infinito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Barcelos ia prosseguir, mas retiniu, sonora, uma campainha singular, convocando-nos aos preparativos da oração. Era preciso atender. </span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-884012086347751102017-08-30T14:45:00.000-07:002017-09-03T15:38:06.643-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">3 - O Sublimação Visitante</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Reunidos em pequeno salão iluminado, observei que a atmosfera permanecia embalsamada de suave perfume.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recomendou-nos Cornélio a oração fervorosa e o pensamento puro. Tomando-nos a dianteira, o instrutor estacou à frente de reduzida câmara estruturada em substância análoga ao vidro puro e transparente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Olhei-a, com atenção. Tratava-se dum gabinete cristalino, em cujo interior poderiam abrigar-se, à vontade, duas a três pessoas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Destacando-se pela túnica muito alva, o diretor da casa estendeu a destra em nossa direção e exclamou com grave entono:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Os emissários da Providência não devem semear a luz sem proveito; constituir-nos-ia falta grave receber, em vão, a Graça Divina. Colocando-se ao nosso encontro, os Mensageiros do Pai exercitam o sacrifício e a abnegação, sofrem os choques vibratórios de nossos planos mais baixos, retomam a forma que abandonaram, desde muito, fazem-se humildes como nós e, para que nos façamos tão elevados quanto eles, dignam-se ignorar-nos as fraquezas, a fim de que nos tornemos partícipes de suas gloriosas experiências...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interrompeu o curso das palavras, fitou-nos em silêncio e prosseguiu noutro tom:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Compreendemos que, lá fora, ante os laços morais que ainda nos prendem às esferas da carne, é quase inevitável a recepção das reminiscências do pretérito, a distância. A lembrança tange as cordas da sensibilidade e sintonizamos com o passado inferior.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aqui, porém, no Santuário da Bênção, é imprescindível observar uma atitude firme de serenidade e respeito. O ambiente oferece bases à emissão de energias puras e, em razão disso, responsabilizaremos os companheiros presentes por qualquer minúcia desarmônica no trabalho a realizar. Formulemos, pois, os mais altos pensamentos ao nosso alcance, relativamente à veneração que devemos ao Pai Altíssimo!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Para outra classe de observadores, o Instrutor Cornélio poderia parecer excessivamente metódico e rigorista; entretanto, não para nós, que lhe sentíamos a sinceridade profunda e o entranhado amor às coisas santas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após longo intervalo, destinado à nossa preparação mental, tornou ele, sem afetação:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Projetemos nossas forças mentais sobre a tela cristalina. O quadro a formar-se constará de paisagem simbólica, em que águas mansas, personificando a paz, alimentem vigorosa árvore, a representar a vida. Assumirei a responsabilidade da criação do tronco, enquanto os chefes das missões entrelaçarão energias criadoras fixando o lago tranqüilo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E dirigindo-se especialmente a nós outros, os colaboradores mais humildes, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Formarão vocês a veste da árvore e a vegetação que contornará as águas serenas, bem como as características do trecho de firmamento que deverá cobrir a pintura mental.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após ligeira pausa, concluía:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Este, o quadro que ofereceremos ao visitante excepcional que nos falará em breves minutos, Atendamos aos sinais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dois auxiliares postaram-se ao lado da pequena câmara, em posição de serviço, e, ao soar de harmonioso aviso, pusemo-nos todos em concentração profunda, emitindo o potencial de nossas forças mais íntimas. Senti, à pressão do próprio esforço, que minha mente se deslocava na direção do gabinete de cristal, onde acreditei penetrar, colocando tufos de grama junto ao desenho do lago que deveria surgir... Utilizando as vigorosas energias da imaginação, recordei a espécie de planta que desejava naquela criação temporária, trazendo- a do passado terrestre para aquela hora sublime. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Estruturei todas as minúcias das raízes, folhas e flores, e trabalhei, intensamente, na intimidade de mim mesmo, revivendo a lembrança e fixando-a no quadro, com a fidelidade possível...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fornecido o sinal de interrupção, retomei a postura natural de quem observa, a fim de examinar os resultados da experiência, e contemplei, oh! maravilha!... Jazia o gabinete fundamente transformado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Águas de indefinível beleza e admirável azul-celeste refletiam uma nesga de firmamento, banhando as raízes de venerável árvore, cujo tronco dizia, em silêncio, da própria grandiosidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Miniaturas prodigiosas de cúmulos e nimbos estacionavam no céu, parecendo pairar muito longe de nós... As bordas do lago, contudo, figuravam-se quase nuas e os galhos do tronco apresentavam- se vestidos escassamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O instrutor, célere, retomou a palavra e dirigiu-se a nós com firmeza:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meus amigos, a vossa obrigação não foi integralmente cumprida. Atentai para os detalhes incompletos e exteriorizai vosso poder dentro da eficiência necessária! Tendes, ainda, quinze minutos para terminar a obra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entendemos, sem maiores explicações, o que desejava ele dizer e concentramo-nos, de novo, para consolidar as minudências de que deveria revestir-se a paisagem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Procurei imprimir mais energia à minha criação mental e, com mais presteza, busquei colocar as flores pequeninas nas ramagens humildes, recordando minhas funções de jardineiro, no amado lar que havia deixado na Terra, Orei, pedi a Jesus me ensinasse a cumprir o dever dos que desejavam a bênção do seu Divino amor naquele santuário e, quando a notificação soou novamente, confesso que chorei.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O desenho vivo da gramínea que minha esposa e os filhinhos tanto haviam estimado, em minha companhia no mundo, adornava as margens, com um verde maravilhoso, e as mimosas flores azuis, semelhando-se a miosótis silvestres, surgiam abundantes...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A árvore cobrira-se de folhagem farta e vegetação de singular formosura completava o quadro, que me pareceu digno de primoroso artista da Terra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cornélio sorriu, evidenciando grande satisfação, e determinou que os dois auxiliares conservassem a destra unida ao gabinete.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desde esse momento, como se uma operação magnética desconhecida fosse posta em ação, nossa pintura coletiva começou a dar sinais de vitalidade temporária. Algo de leve e imponderável,<br />semelhante a caricioso sopro da Natureza, agitou brandamente a árvore respeitável, balouçando-se os arbustos e a minúscula erva, a se refletirem nas águas muito azuis, docemente encrespadas de instante a instante...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Minha gramínea estava, agora, tão viva e tão bela que o pensamento de angustiosa saudade do meu antigo lar ameaçou, de súbito, meu coração ainda frágil. Não eram aquelas as flores miúdas que a esposa colocava, diariamente, no quarto isolado, de estudo?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não eram as mesmas que integravam os delicados ramos que os filhos me ofereciam aos domingos pela manhã? Vigorosas reminiscências absorveram-me o ser, oprimindo-me inesperadamente a alma, e eu perguntava a mim mesmo por que mistério o Espírito enriquecido de observações e valores novos, respirando em campos mais altos da inteligência, tem necessidade de voltar ao pequenino círculo do coração, como a floresta luxuriante e imponente que não prescinde da singela e reduzida gota d'água para dessedentar-lhe as raízes... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Senti o anseio mal disfarçado de arrebatá-los compulsoriamente da Crosta, transportando-os para junto de mim, desejoso de reuni-los, ao meu lado, em novo ninho, sem separação e sem morte, a fazer-lhes experimentar os júbilos da vida eterna... </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Minhas lágrimas estavam prestes a cair. Bastou, no entanto, um olhar de Jerônimo para que eu me reajustasse.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Arremessei para muito longe de mim toda a idéia angustiosa e consegui reaver a posição do cooperador decidido nas edificações do momento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cornélio, de pé, ante a paisagem viva, enquanto nos mantínhamos sentados, estendeu os braços na direção do Alto e suplicou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pai da Criação infinita, permite, ainda uma vez, por misericórdia, que os teus mensageiros excelsos sejam portadores de tua inspiração celeste para esta casa consagrada aos júbilos de tua bênção!...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Senhor, fonte de toda a Sabedoria, dissipa as sombras que ainda persistem em nossos corações, impedindo-nos a gloriosa visão do porvir que nos reservaste; fase vibrar, entre nós, o pensamento augusto e soberano da confiança sem mescla e deixanos perceber a corrente benéfica de tua bondade infinita, que nos lava a mente mal desperta e ainda eivada de escuras recordações do mundo carnal!... Auxilia-nos a receber dignamente teus devotados emissários!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Focalizando a mente em nossos trabalhos, o instrutor prosseguiu, noutra inflexão de voz:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sobretudo, ó Pai, abençoa os teus filhos que partem, a caminho dos círculos inferiores, semeando o bem. Reparte com eles, humildes representantes de tua grandeza, os teus dons de infinito amor e de inesgotável sabedoria, a fim de que se cumpram teus sagrados desígnios... Acima, porém, de todas as concessões, proporciona- lhes algo de tua divina tolerância, de tua complacência sublime, de tua ilimitada compreensão, para que satisfaçam, sem desesperação e sem desânimo, os deveres fraternais que lhes cabem, ante os que ignoram ainda as tuas leis e sofrem as conseqüências dos desvios cruéis....</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Calou-se o orientador do Santuário e, dentro da imponente quietude da câmara, vimos que a paisagem, formada de substância mental, começou a iluminar-se, inexplicavelmente, em seus mínimos contornos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Guardava a idéia de que reduzido sol surgiria à nossa vista sob a nesga de céu, no quadro singular. Raios fulgurantes penetravam o fundo esmeraldino e vinham refletir-se nas águas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cornélio, de mãos erguidas para o alto, mas sem qualquer expressão ritualística, em vista da simplicidade espontânea de seus gestos, exclamou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Bem-vindo seja o portador de Nosso Pai Amantíssimo!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, sob nossos olhos atônitos, alguém apareceu no gabinete, entre a vegetação e o céu. Semelhava-se a um sacerdote de culto desconhecido, trajando túnica lirial.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Fisionomia simpática de ancião, apresentava-se nimbado de luz indescritível e seu olhar nos mantinha extasiados e presos, num misto de veneração e encantamento, sem que nos fosse possível qualquer fuga mental de<br />sua presença sublime.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Via-se-lhe apenas o busto cheio, parecendo-me que os seus membros inferiores se ocultavam naturalmente na folhagem abundante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Seus braços e mãos, todavia, revelavam-se com todas as minudências anatômicas, porque com a destra nos abençoava num gesto amplo, mantendo na outra mão pequeno rolo de pergaminhos brilhantes, deixando-nos perceber dourado cordão atado à cinta.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Visivelmente sensibilizado, o diretor da casa saudou, nominalmente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Venerável Asclépios, sê conosco! O emissário, em voz clara e sedutora, desejou-nos a Paz do Cristo e, em seguida, dirigiu-nos a palavra em tom inexprimível na linguagem humana (abstenho-me aqui de qualquer tradução incompleta e imperfeita, atendendo a imperativos de consciência).</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ouvimo-lo sob infinita emoção, sem que qualquer de nós contivesse as lágrimas. O verbo do admirável mensageiro que chegava de Esferas Superiores, trazendo-nos a bênção Divina, caia-nos n'alma de modo intraduzível e acordava-nos o espírito eterno para a infinita glória de Deus e da vida imortal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não conseguiria descrever o que se passava em mim próprio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jamais escutara alguém com aquele misterioso e fascinante poder magnético de fixação dos ensinamentos de que se fizera emissário.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ao abençoar-nos, ao término da maravilhosa alocução, irradiavam-se de sua destra muito alva pequeninos focos de luz, em forma de minúsculas estrelas que se projetavam sobre nós, invadindo- nos o tórax e a fronte e fazendo-nos experimentar o júbilo inenarrável de quem sorve, feliz, vigorosos e renovadores alentos da vida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quiséramos prolongar, indefinidamente, aqueles minutos Divinos, mas tudo fazia acreditar que o mensageiro estava prestes a despedir-se.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interpretando, contudo, o pensamento da maioria, Cornélio dirigiu-lhe a palavra e indagou, humilde, se os irmãos presentes poderiam endereçar-lhe algumas solicitações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O arauto celeste aquiesceu, sorrindo, num gesto silencioso, colocando-nos à vontade, dando-me a impressão de que aguardava semelhante pedido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A irmã Semprônia, que chefiava pela primeira vez a turma de socorro ao serviço de amparo aos órfãos, foi a primeira a consultá-lo: – Venerável amigo – disse com transparente sinceridade –, temos algumas cooperadoras na Crosta que esperam de nós uma palavra de ordem e reconforto para prosseguirem nos serviços a que se devotaram de coração fiel. Desde muito tempo, experimentam perseguições declaradas e toleram o sarcasmo contínuo de adversários gratuitos que lhes ferem o espírito sensível, atacandolhes os melhores esforços, através de maldades sem conto. inegavelmente, não cedem ante os fantasmas da sombra e mobilizam as energias no trabalho de resistência Cristã...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Exercendo funções de colaboradora, nesta expedição de socorro que agora chefio pela primeira vez, conheço, de perto, a dedicação que nossas amigas testemunham na obra sublime do bem, mas não ignoro que padecem, heróicas e leais, há quase trinta anos sucessivos, ante o assédio de inimigos implacáveis e cruéis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após curto silêncio, que ninguém se atreveu a interromper, a consulente concluiu, perguntando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que devemos dizer a elas, respeitável amigo? Por que palavras esclarecedoras e reconfortantes sustentar-lhes o ânimo em tão longa batalha? De alma voltada para o nosso dever, aguardamos de vossa generosidade o alvitre oportuno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vimos, então, o inesperado. O mensageiro ouviu, paciente e bondoso, revelando grande interesse e carinho na expressão fisionômica e, depois que Semprônia deu por terminada a consulta, retirou uma folha dentre os pergaminhos alvinitentes que trazia, de modo intencional, e abriu-a à nossa vista, lendo todos nós o versículo quarenta e quatro do capítulo cinco do Evangelho do Apóstolo Mateus:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Eu, porém, vos digo – amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem e caluniam.”</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O processo de esclarecimento e informação não podia ser mais direto, nem mais educativo. Decorridos alguns instantes, Semprônia exclamou humildemente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Compreendo, venerável amigo!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O emissário, sem qualquer afetação dos que ensinam por amor- próprio, comentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Os adversários, quando bem compreendidos e recebidos cristâmente, constituem precioso auxílio em nossa jornada para a União Divina.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A síntese verbal condensava explicações, que somente seriam razoáveis em compactos discursos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A meu ver, não obstante a beleza e edificação do ensino recolhido, o método não recomendava extensão de perguntas de nosso lado, mas o irmão Raimundo, do grupo socorrista dedicado à assistência aos loucos, tomou a iniciativa e interrogou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tolerante amigo, que fazer ante as dificuldades que me defrontam nos serviços marginais da tarefa?</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Interessando a órbita de nossos deveres, junto dos desequilibrados mentais da Crosta Terrestre, venho assistindo certo agrupamento de irmãos encarnados que não estão interpretando as obrigações evangélicas como deviam.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em verdade, convocam-nos à colaboração espiritual, pronunciando belas palavras, mas no terreno prático se distanciam de todas as atitudes verbais da crença consoladora. Estimam as discussões injuriosas, fomentam o sectarismo, dão grande apreço ao individualismo inferior que desconsidera o esforço alheio, por mais nobilitante que seja esse. Quase sempre, entregam-se a rixas infindáveis e gastam o tempo estudando meios de fazerem valer as limitações que lhes são próprias. Por mais que lhes ensinemos a humildade, recorrendo, não a nós, mas ao exemplo eterno do Cristo, mais se arvoram em críticos impiedosos, não apenas uns dos outros e, sim, de setores e situações, pessoas e coisas que lhes não dizem respeito, incentivando a malícia e a discórdia, o ciúme e o desleixo espiritual. No entanto, reúnem-se metodicamente e nos chamam à cooperação em seus trabalhos. Que fazer, todavia, respeitável orientador, para que maiores perturbações não se estabeleçam?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O mensageiro esperou que o consulente se desse por satisfeito em suas indagações e, em seguida, muito calmo, repetiu a operação anterior, e tivemos, ante os olhos, outro pergaminho, com a inscrição do versículo onze, do capítulo seis, da primeira epístola do Apóstolo Paulo a Timóteo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas e segue a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão.”</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Permaneceu Raimundo na expectativa, figurando-se-nos não haver interpretado a advertência, quanto devia, mas a explicação sintética do visitante não se fez esperar:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O discípulo que segue as virtudes do Mestre, aplicando-as a si próprio, foge às inutilidades do plano exterior, acolhendo-se ao santuário de si mesmo, e auxilia os nossos irmãos imprevidentes e perturbados, rixosos e ingratos, sem contaminar-se.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Registrando as palavras sábias de Asclépios, Raimundo pareceu acordar para a verdade e murmurou, com algum desapontamento:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Aproveitarei a lição.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Novo silêncio verificou-se entre nós.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A irmã Luciana, porém, que nos integrava o pequeno grupo, tomou a palavra e perguntou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Esclarecido mentor, esta é a primeira vez que vou à Crosta em tarefa definida de socorro. Podereis fornecer-me, porventura, a orientação de que necessito?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O emissário, que parecia trazer respostas bíblicas preparadas de antemão, desdobrou nova folha e lemos, admirados, o versículo nove do capítulo quatro da primeira epístola do Apóstolo da<br />Gentilidade aos tessalonicenses:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Quanto, porém, à caridade fraternal, não necessitais de que vos escreva, visto que vós mesmos estais instruídos por Deus que vos ameis uns aos outros.”</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Algo confundida, Luciana observou, reverente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Compreendo, compreendo...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O Evangelho aplicado – comentou o mensageiro, delicadamente – ensina-nos a improvisar os recursos do bem, nas situações mais difíceis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez-se, de novo, extrema quietude na câmara.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Talvez pelo nosso péssimo hábito de longas conversações sem proveito, adquirido na Crosta Planetária, não encontrávamos grande encanto<br />naquelas respostas francas e diretas, sem qualquer lisonja ao nosso personalismo dominante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Rolavam instantes pesados, quando observamos a gentileza e a sensibilidade do diretor do Santuário da Bênção. Notando que Semprônia, Raimundo e Luciana eram alvos de nossa indiscreta curiosidade, Cornélio inquiriu de Asclépios, como se fora mero aprendiz:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que fazer para conservar alegria no trabalho, perseverança no bem, devotamento à verdade?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O mensageiro contemplou-o, num sorriso de aprovação e simpatia, identificando-lhe o ato de amor fraternal, e descerrou novo pergaminho, em que se lia o versículo dezesseis do capítulo cinco da primeira carta de Paulo aos tessalonicenses:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Regozijai-vos sempre.” Em seguida, falou, jovial:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A confiança no Poder Divino é a base do júbilo cristão, que jamais deveremos perder. O Instrutor Cornélio meditou alguns momentos e rogou, humilde:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ensina-nos sempre, venerável irmão!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Decorreram minutos sem que os demais utilizassem a palavra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fazendo menção de despedir-se, o sublime visitante comentou, afável:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– À medida que nos integramos nas próprias responsabilidades, compreendemos que a sugestão direta nas dificuldades e realizações do caminho deve ser procurada com o Supremo Orientador da Terra. Cada Espírito, herdeiro e filho do Pai Altíssimo, é um mundo por si, com as suas leis e características próprias. Apenas o Mestre tem bastante poder para traçar diretrizes individuais aos discípulos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, abençoou-nos, carinhoso, desejando-nos bom ânimo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reconfortados e felizes, vimos o mensageiro afastar-se, deixando-nos envoltos numa onda de olente e inexplicável perfume.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ambos os auxiliares, que se mantinham a postos, retiraram as mãos do gabinete e, depois de várias operações magnéticas efetuadas por eles, desapareceu a pintura mental, voltando a peça de cristal ao aspecto primitivo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tornando à conversação livre, indagações enormes oprimiam-me o cérebro. Não me contive. Com a permissão de Jerônimo e liderando companheiros tão curiosos e pesquisadores quanto eu mesmo, acerquei-me de Cornélio e despejei-lhe aos ouvidos grande cópia de interrogações. Acolheu-me, benévolo, e informou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pertence Asclépios a comunidades redimidas do Plano dos imortais, nas regiões mais elevadas da zona espiritual da Terra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vive muito acima de nossas noções de forma, em condições inapreciáveis à nossa atual conceituação da vida. Já perdeu todo contacto direto com a Crosta Terrestre e só poderia fazer-se sentir, por lá, através de enviados e missionários de grande poder. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Apreciável é o sacrifício dele, vindo até nós, embora a melhoria de nossa posição, em relação aos homens encarnados. Vem aqui raramente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não obstante, algumas vezes, outros mentores da mesma categoria visitam-nos por piedade fraternal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não poderíamos, por nossa vez, demandar o plano de Asclépios, a fim de conhecer-lhe a grandeza e sublimidade? – perguntei.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Muitos companheiros nossos – assegurou-nos o instrutor –, por merecimentos naturais no trabalho, alcançam admiráveis prêmios de viagens, não só às esferas superiores do Planeta que nos<br />serve de moradia, mas também aos círculos de outros mundos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorriu e acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não devemos esquecer, porém, que a maioria efetua semelhantes excursões somente na qualidade de viajores, em processo estimulante do esforço pessoal, à maneira de jovens estudantes de passagem rápida pelos institutos técnicos e administrativos das grandes nações.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Raros são ainda os filhos do Planeta em condições de representá-lo dignamente noutros orbes e círculos de vida do nosso sistema.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não me deixei impressionar e prossegui perguntando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Asclépios, todavia, não mais reencarnará na Crosta?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O instrutor gesticulou, significativamente, e esclareceu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Poderá reencarnar em missão de grande benemerência, se quiser, mas a intervalos de cinco a oito séculos entre as reencarnações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! Deus – exclamei – como é grandioso semelhante estado de elevação!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Constitui sagrado estímulo para todos nós – ajuntou o mentor atenciosamente. – Devemos acreditar – interroguei, admirado – seja esse o mais alto grau de desenvolvimento espiritual no Universo?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O diretor da casa sorriu, compassivo, em face de minha ingenuidade<br />e considerou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– De modo algum. Asclépios relaciona-se entre abnegados mentores da Humanidade Terrestre, partilha da soberana elevação da coletividade a que pertence, mas, efetivamente, é ainda entidade do nosso Planeta, funcionando, embora, em círculos mais altos de vida. Compete-nos peregrinar muito tempo, no campo evolutivo, para lhe atingirmos as pegadas; no entanto, acreditamos que o nosso visitante sublime suspira por integrar-se no quadro de representantes do nosso orbe, junto às gloriosas comunidades que habitam, por exemplo, Júpiter e Saturno. Os componentes dessas, por sua vez, esperam, ansiosos, o instante de serem convocados às Divinas assembléias que regem o nosso sistema solar. Entre essas últimas, estão os que aguardam, cuidadosos e vigilantes, o minuto em que serão chamados a colaborar com os que sustentam a constelação de Hércules, a cuja família pertencemos. Os que orientam nosso grupo de estrelas aspiram, naturalmente, a formar, um dia, na coroa de gênios celestiais que amparam a vida e dirigem-na, no sistema galáctico em que nos movimentamos. E sabe meu amigo que a nossa Via-Láctea, viveiro e fonte de milhões de mundos, é somente um detalhe da Criação Divina, uma nesga do Universo!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As noções de infinito encerraram a reunião encantadora no Santuário da Bênção. Cornélio estendeu-nos a mão, almejandonos felicidade e paz, e despedimo-nos, sob enorme impressão, entre a saudade e o reconhecimento.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-31340121694159181952017-08-30T13:59:00.001-07:002017-09-03T15:27:36.252-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">4 - A Casa Transitória</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Depois de viagem normal, através dos caminhos comuns, alcançamos<br />nevoenta região, onde asfixiante tristeza parecia imperar incessantemente. De outras vezes, eu já atravessara sítios semelhantes,<br />gastando apenas alguns minutos. Agora, porém, era compelido a longa marcha em sentido horizontal. Atendendo a imperativos da missão, o Assistente Jerônimo procurava certa localidade, sob a denominação expressiva de “Casa Transitória de Fabiano”.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tratava-se de grande instituição piedosa, no campo de sofrimentos mais duros em que se reúnem almas recém-desencarnadas, nas cercanias da Crosta Terrestre, a qual, segundo nos informou o chefe da expedição, fora fundada por Fabiano de Cristo, devotado servo da caridade entre antigos religiosos do Rio de Janeiro, desencarnado há muitos anos. Organizada por ele, era confiada, periodicamente, a outros benfeitores de elevada condição, em tarefa de assistência evangélica, junto aos Espíritos recém-desligados do plano carnal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Na Casa Transitória – prosseguia Jerônimo, explicando-nos – prestaremos o auxílio que nos seja possível à organização e asilaremos, em seguida, os irmãos que nos cabe socorrer. Não fossem esses pousos de amor, tornar-se-ia muito difícil nosso trabalho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Raramente encontramos companheiros carnais em condições de atravessarem semelhante zona, imediatamente após a morte física. Quase todos permanecem estonteados, nos primeiros dias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Se entregues à própria sorte, seriam fatalmente agredidos pelas entidades perversas, ou habilmente desviados por elas do bom caminho de restauração gradual das energias interiores. Daí a necessidade desses abrigos fraternais, em que almas heróicas e dedicadas ao sumo bem se consagram a santificadas tarefas de amparo e vigilância.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após breve pausa, concluiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Além disso, teremos aí todo o equipamento necessário aos trabalhos que nos cumpre realizar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Curioso, guardei silêncio e esperei.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não se passou muito tempo, defrontava-nos casarão enorme em plena sombra. Nada que evidenciasse preocupação artística e bom gosto na construção. Nem árvores, nem jardins em torno. A edificação baixa e simples mal se destacava no nevoeiro denso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Certo, percebendo-me a estranheza, Jerônimo esclareceu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O nome do instituto, André, fala por si mesmo.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Temos, à frente, acolhedora casa de transição, destinada a socorros urgentes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Embora seu assombro natural, é asilo móvel, que atende segundo as circunstâncias do ambiente. Sofre permanente cerco de Espíritos desesperados e sofredores, condenados pela própria consciência à revolta e à dor. Suas defesas magnéticas exigem considerável número de servidores e os amigos da piedade e da renunciação, que aí atendem, passam dia e noite ao lado do sofrimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todavia, o trabalho desta Casa é dos mais dignos e edificantes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Neste edifício de benemerência cristã, centralizam-se numerosas expedições de irmãos leais ao bem, que se dirigem à Crosta Planetária ou às esferas escuras, onde se debatem na dor seres angustiados e ignorantes, em trânsito prolongado nos abismos tenebrosos. Além disso, a Casa Transitória de Fabiano, à maneira de outras instituições salvadoras que representam verdadeiros templos de socorro nestas regiões, é também precioso ponto de ligação com as nossas cidades espirituais em zonas superiores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, antes que Jerônimo pudesse prosseguir nos esclarecimentos, atingimos as barreiras magnéticas, a distância de alguns metros do portão de acesso ao interior. Atendidos por trabalhadores vigilantes, que sem hesitação nos ofereceram passagem, acionamos pequeno aparelho que nos ligou, de pronto, ao porteiro prestativo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não decorreram muitos minutos e achamo-nos diante de figura respeitável. Não supunha que a instituição estivesse administrada por mãos sensíveis de mulher. A irmã Zenóbia, aparentando idade madura e aureolada de cabelos negros, proporcionava-nos informações vivas de sua energia e admirável capacidade de trabalho, através dos olhos transbordantes de luz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Saudou-nos, cortês, sem despender muitas palavras, passando imediatamente ao assunto que a nossa presença sugeria:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Fui avisada ontem – disse, bondosa – de que a missão chegaria hoje e rejubilamos com isso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ao seu dispor – explicou-se Jerônimo, com gentileza. – Este abrigo de amor e paz cooperará conosco, asilando-nos alguns tutelados convalescentes, e, por nossa vez, desejamos ser úteis à casa, de algum modo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Zenóbia envolveu-nos num sorriso de simpatia acolhedora e, após rápidos minutos de silêncio, considerou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Aceitamos o concurso. Reconheço a presença dum grupo harmonioso e, desde a semana finda, aguardava ensejo, não só para beneficiar a coletividade sofredora de abismo próximo, senão também a fim de socorrer certo irmão nosso, muito infeliz. Trata-se de pessoa que me foi particularmente querida e que apenas agora foi encontrada em remota região de seres decaídos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Vencendo obstáculos, trouxemo-la para a vizinhança da Casa; porém, o perigoso estado em que se encontra não nos autoriza a fornecer-lhe abrigo e, sim, proteção indireta. Já estabelecemos medidas em favor da remoção desse infortunado amigo para a zona da Crosta, onde será brevemente internado em reencarnação expiatória, com auxílio divino. Entretanto, precisarei pessoalmente da colaboração fraternal dos companheiros, em benefício do transviado...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sem dúvida – atalhou Jerônimo, desvanecido –, teremos prazer.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Designando a devotada enfermeira que nos acompanhava, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Em nossa companhia, permanece a irmã Luciana, que nos pode ser extremamente útil nesse caso particular, em virtude das suas adiantadas faculdades de clarividência.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A diretora da Casa Transitória fixou o olhar sereno em nossa colaboradora, sorriu, amável, e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Bem lembrado. Alguns irmãos, qual ocorre a esse a que me refiro, descem a tamanho embrutecimento moral que somente conseguem ouvir-nos a voz de modo imperfeito e, não lhes sendo possível identificar-nos pela visão, em face dos impedimentos vibratórios criados por eles mesmos, duvidam de nossa amizade e de nossos propósitos elevados de cooperação. No fato presente, o concurso de Luciana ser-me-á precioso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não podia disfarçar o meu constrangimento ante aquele pormenor da conversação. Por que motivo a irmã Zenóbia, orientando instituição como aquela, necessitaria de nossa colaboração, mormente no capítulo da clarividência mencionada? Porventura, não poderia também esquadrinhar os problemas de almas sofredoras e decaídas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Incapaz de sopitar a interrogação, observei, admirado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! quer dizer que os benfeitores daqui não podem ver quanto desejam?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Foi o Assistente Jerônimo quem veio ao meu encontro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Antes de tudo, André – falou, compassivo –, faz-se necessário considerar que a irmã Zenóbia, não obstante a sua extensa visão espiritual, terá razões íntimas para invocar a providência.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quanto ao mais, não devemos esquecer os imperativos da especialização.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A resposta tivera efeito de ducha gelada. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Arrependera-me de haver formulado a interrogação indiscreta. Completando, porém, o ensinamento, Jerônimo continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Senão, vejamos: o padre Hipólito consagra-se, atualmente, à interpretação das leis divinas, no serviço educativo àqueles que as desconhecem, enquanto a irmã Zenóbia atende a sofredores, em massa, nesta casa de amor Cristão. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Claro que poderiam exercitar a clarividência, com benefícios generalizados para o próximo, mas com prejuízo manifesto dos deveres imediatos. Isso não ocorre com Luciana que, pelo contacto individual e intenso com os enfermos, durante muitos anos consecutivos, especializou-se em penetrar-lhes o mundo mental, trazendo à tona suas idéias, ações passadas e projetos íntimos, em atividade beneficente. Se entrássemos nós outros, de improviso, em relação com a sua clientela, veríamos “alguma coisa”, embora, não tanto e tão bem quanto pode ser observado por ela, em vista de suas dilatadas experiências.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A seu turno, Luciana poderia, de imediato, interpretar os ensinamentos Divinos e orientar esta casa, “de algum modo”, mas não tanto e tão bem quanto o padre Hipólito e a irmã Zenóbia, considerando-lhes os vastos conhecimentos nesse sentido. Todas as aquisições espirituais exigem perseverança no estudo, na observação e no serviço aplicado. E devemos considerar que isso não infirma a necessidade de aprender sempre. O músico exímio poderá ser aprendiz incipiente da Química, destacando-se, mais tarde, nesse campo científico, como se verifica na arte dos sons.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não alcançará, todavia, a realização, sem gastar tempo, esforço e boa vontade. Aliás, o próprio Mestre assegurou que o homem encontrará aquilo que procurar. Sorrindo de minha interrogação, que provocara ensinamentos tão rudimentares, concluiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A busca de dons espirituais para a vida eterna não representa serviço igual à cata de objetos perdidos na Crosta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interveio a irmã Zenóbia, acrescentando fraternalmente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, não podemos edificar todas as qualidades nobres de uma só vez. Cada trabalhador fiel ao seu dever possui valor específico, incontestável. A Obra Divina é infinita.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tornando ao primitivo rumo da conversação, prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quando dispomos de clarividentes nos serviços de socorro ao abismo, em circunstâncias favoráveis, conseguimos resultados de preciosa eficiência. Os servidores dessa natureza, porém, são poucos, em vista da multiplicidade das tarefas, e raros se dispõem a servir nas paisagens escuras da angústia infernal. Luciana, chamada nominalmente à palestra, esclareceu que teria satisfação em cooperar e contou-nos que buscara desenvolver as faculdades de que era portadora, a fim de socorrer, noutro tempo, o Espírito de seu pai, desencarnado numa guerra civil. Tivera ele preponderância no movimento de insurreição pública e permanecia nas esferas inferiores, alucinado pelas paixões políticas. Depois de paciente auxílio, reajustara emoções, obtendo possibilidades de reencarnar em grande cidade brasileira, para onde ela mesma, Luciana, seguiria também logo pudesse o genitor do pretérito organizar novo lar, restabelecendo-se a aliança de carinho e de amor, segundo o projeto por ambos estabelecido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Zenóbia ouvia com atenção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Percebendo talvez que a palestra tendia para o campo do personalismo direto, em minutos para os quais provavelmente a diretora da casa teria outros compromissos, Jerônimo interferiu na<br />conversação e dirigiu-se a ela, atencioso: – Estamos satisfeitos, irmã, pela perspectiva de algum concurso amigo, ao seu lado. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Compreendemos a grandeza de sua missão nobilitante e, se vamos depender tanto de seu generoso amparo, nesta casa, constitui-nos obrigação cooperar com a irmã nos trabalhos em que nossa humilde colaboração possa ser útil. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Seguiremos, amanhã, para a zona carnal. Entretanto, logo que nos seja possível trazer para sua companhia o primeiro irmão libertado,<br />André e eu permaneceremos em trânsito, entre a Crosta e este abençoado asilo, enquanto Hipólito e Luciana se demorarão aqui, velando pelos convalescentes e colaborando, junto da irmã, nas tarefas imediatas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Alegra-me sobremaneira a expectativa! – falou a diretora, evidentemente satisfeita.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, invisível campainha ressoou, estridente, com estranha entonação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não decorreram cinco segundos e alguém penetrou a sala, rumorosamente. Era determinado servo da vigilância, que anunciou, precipite:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmã Zenóbia, aproximam-se entidades cruéis. A agulha de aviso indicou a direção norte. Devem estar a três quilômetros, aproximadamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A orientadora empalideceu ligeiramente, mas não traiu a emoção com qualquer gesto que denunciasse fraqueza.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Acendam as luzes exteriores! – ordenou – todas as luzes! E liguem as forças da defesa elétrica, reforçando a zona de repulsão para o norte. Os invasores desviar-se-ão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Retirou-se apressadamente o emissário, enquanto pesado silêncio abatia-se sobre nós. Luciana fizera-se lívida. Jerônimo e Zenóbia demonstravam, através do olhar, asfixiante preocupação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Registrar-se-iam fatos que eu ignorava? Será que Espíritos reconhecidamente maus também organizavam expedições semelhantes às que realizávamos para o bem? Que espécie de entidades seriam aquelas, para infundirem tamanha preocupação nos dirigentes esclarecidos e virtuosos de nossos trabalhos e tão grande terror nos subordinados daquela casa de amor Cristão? </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Impressionara-me a expressão facial de dor e incerteza do servidor que trouxera a notícia. Seriam tantos os malfeitores das sombras para justificar semelhante pavor? Sentia o raciocínio extremamente reduzido para comportar a imensidade das interrogações que me afloravam à mente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Através de minúscula abertura, notei que enormes holofotes se acendiam de súbito, no exterior, como as luzes de grande navio assaltado por nevoeiro denso em zona perigosa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ruídos característicos faziam-se sentir à nossa audição, informando- nos que aparelhos elétricos haviam sido postos em funcionamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É lamentável – exclamou Zenóbia, com a manifesta intenção de restaurar-nos a tranqüilidade – que tantas inteligências humanas, desviadas do bem e votadas ao crime, se consagrem aqui ao prosseguimento de atividades ruinosas e destruidoras.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nenhum de nós ousou dizer qualquer palavra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A diretora, porém, esforçando-se por sorrir, continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A tragédia bíblica da queda dos anjos luminosos, em abismos de trevas, repete-se todos os dias, sem que o percebamos em sentido direto. Quantos gênios da Filosofia e da Ciência dedicados à opressão e à tirania! quantas almas de profundo valor intelectual se precipitam no despenhadeiro de forças cegas e fatais! Lançados ao precipício pelo desvio voluntário, esses infelizes raramente se penitenciam e tentam recuo benéfico... Na maioria das vezes, dentro da terrível insatisfação do egoísmo e da vaidade, insurgem-se contra o próprio Criador, aviltando-se na guerra prolongada às suas Divinas obras. Agrupam-se em sombrias e devastadoras legiões, operando movimentos perturbadores que desafiam a mais astuta imaginação humana e confirmam as velhas descrições mitológicas do inferno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Observando-me, possivelmente, a angústia íntima, em face de suas considerações, irmã Zenóbia acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Chegará, porém, o dia da transformação dos gênios perversos, desencarnados, em Espíritos lucificados pelo bem Divino.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todo mal, ainda que perdure milênios, é transitório.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Achamo-nos apenas em luta pela vitória imortal de Deus, contra a inferioridade do “eu” em nossas vidas. Toda expressão de ignorância é fictícia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Somente a sabedoria é eterna.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Por minha vez, gostaria de formular várias indagações, porém a expectativa fizera-se mais pesada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Alguns séculos – prosseguiu a diretora – de reencarnações terrestres constituem tempo escasso para reeducar inteligências pervertidas no crime. É por isso que os trabalhos retificadores continuam vivos, além da morte do corpo físico, obrigando os servos da verdade e do bem a suportar os irmãos menos felizes, até que se arrependam e se convertam...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Indefiníveis ruídos alcançaram-nos o ouvido, e Zenóbia, pálida, calou-se igualmente. Em poucos segundos, tornaram-se mais nítidos. Eram gritos aterradores, como se a curta distância devêssemos afrontar hordas de enraivecidos animais ferozes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entre nós, Luciana parecia a mais atemorizada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Torcia nervosamente as mãos, até que, não lhe sendo possível suportar por mais tempo a inquietação, dirigiu-se à diretora da casa, suplicando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmã, não será conveniente endereçarmos fervorosa rogativa a Deus? conheço os monstros. Tentaram, muita vez, arrebatar meu pai do sitio a que se recolhera!... Zenóbia sorriu com benevolência e respondeu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já fiz meus atos devocionais de hoje, preparando-me para as ações eventuais do trabalho no decurso do dia.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Aliás, minha amiga, nossa ansiosa expectativa, em si mesma, vale por súplica ardente. Decidamos, pois, qualquer problema a sobrevir, com resolução e confiança em Nosso Pai e em nós próprios.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A esse tempo, tornara-se enorme o vozerio. Pus-me, assombrado, a identificar rugidos estridentes de leões e panteras, casados a uivos de cães, silvos de serpentes e guinchos de macacos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em dado momento, ouvimos explosões ensurdecedoras. Quase no mesmo instante, certo auxiliar penetrou o recinto e comunicou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Atacam-nos com petardos magnéticos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A diretora resoluta ouviu, serena, e determinou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Emitam raios de choque fulminante, assestando baterias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As farpas elétricas deviam ser atiradas em silêncio, porque as explosões diminuíram até à extinção total, percebendo-se que a horda invasora se desviara noutro rumo, pelo ruído a perder-se distante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Respiramos aliviados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estampou-se confortadora expressão na fisionomia de Zenóbia, que falou, satisfeita:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Agora, peçamos ao Mestre conceda aos infelizes o caminho adequado às suas necessidades.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Escoaram alguns minutos, nos quais elevamos pensamentos de gratidão e júbilo ao Cristo Salvador.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tornando à palavra livre, considerei: – Que impressionantes rugidos ouvimos! não se figuravam lamentos de corações sofredores, mas algazarra de feras soltas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Terrível novidade!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Esses bandos, porém – observou a diretora. sensatamente –, são antigos. Entre as narrações evangélicas, ao tempo da passagem de Nosso Senhor pelas estradas humanas, lemos o noticiário alusivo às legiões dos gênios diabólicos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enquanto concordávamos, em silêncio, prosseguiu, compungida:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Enraízam-se os pobrezinhos tão intensamente nas idéias e propósitos do mal e criam tantas máscaras animalescas para si mesmos, em virtude da revolta e da desesperação a lhes consumirem a alma, que adquirem, de fato, a semelhança de horrendos monstros, entre a humanidade e a irracionalidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Antes que pudesse continuar nas observações tristes, penetrou um assessor no salão e dirigiu-se à orientadora do instituto:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmã Zenóbia, ambos os desequilibrados que deram entrada, anteontem, romperam as celas e tentam fugir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A orientadora atalhou a notificação, expedindo ordem:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Prendam-nos, imediatamente, com a colaboração dos vigilantes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Temos responsabilidade. A expedição que no-los confiou regressará amanhã, nas primeiras horas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Encontrava-se o cooperador junto à porta de saída, quando outro auxiliar apareceu, atento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmã – disse, respeitoso –, as notas da Crosta chegaram agora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O chefe da missão Figueira, em atividade desde a semana finda, pede sejam preparadas acomodações para três recém desencarnados, depois de amanhã.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tomarei providências – informou a diretora sem se alterar. Íamos reiniciar a palestra, mas aproximou-se uma jovem serviçal, fazendo também sua participação:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmã Zenóbia, a turma de vigilância, que descansou há três dias, voltou a postos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mande-a retomar os lugares – recomendou ela – e que os irmãos exaustos repousem convenientemente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Afastou-se a ativa emissária e, quando eu pretendia, por minha vez, comentar a movimentação de trabalho da casa, outro colaborador assomou à porta e avisou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmã, a expedição Fabrino pede auxílio da Crosta para os serviços das reencarnações expiatórias de que se encontra encarregada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A mensagem assinala serviço urgente para noite próxima.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Que devo responder?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A orientadora refletiu um pouco e ordenou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Transmita o comunicado aos irmãos Gotuzo e Hermes. Estarão talvez disponíveis. Mais tarde, expediremos resposta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Pretendíamos retomar a instrutiva conversação, mas, em se fazendo novo silêncio, outro ajudante, de fisionomia visivelmente alterada, surgiu à porta para informar:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmã Zenóbia, a Nota do Dia, vinda do Plano Superior, manda comunicar-lhe que os desintegradores etéricos passarão por aqui amanhã.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! o fogo?!... – replicou a diretora, patenteando agora inexcedível emoção. – Bem o suspeitei – ponderou, acrescentando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– o nosso ambiente está conturbado. A passagem dos monstros é sinal de que a limpeza será urgente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, fixando os olhos penetrantes no colaborador, prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Solicitemos a cooperação das congêneres mais próximas.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Precisamos apelar para o Oratório de Anatilde e para a Fundação Cristo. Tente a ligação. Irei, eu mesma, fazer o pedido. Afastando-se o assessor, Zenóbia voltou-se para nós, cheia de<br />bondade:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Segundo observam, meus amigos, desta vez devo levantar-me e agir. Quando o fogo etérico vem queimar os resíduos da região, somos obrigados a transportar-nos com a instituição, a caminho de outra zona. Necessito movimentar providências, relativas à nova localização, e rogar o socorro de outras casas especializadas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dirigindo-se, particularmente, a Jerônimo, acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meu irmão, já que o inesperado me surpreende, estimaria visitar o abismo, ainda hoje, em companhia dos amigos. Além do serviço à coletividade sofredora, conforme notifiquei a princípio, interesso-me por irmão nosso, em doloroso estado de cegueira espiritual, a favor de quem estou autorizada a fazer serviços intercessórios.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– De perfeito acordo – respondeu nosso chefe, atenciosamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Depois de levar a efeito alguns sinais de chamada, a diretora da Casa Transitória de Fabiano confiou-nos ao cuidado de Heráclio, abnegado cooperador da instituição, e se afastou.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fomos, então, convidados pelo novo amigo a visitar o interior e, em breve, apresentava-nos extensos dormitórios e estreitos cubículos, em que se localizavam doentes e necessitados de vários matizes. Atravessamos, igualmente, compridas salas de estudo e complicados laboratórios, notando-se que ali todo o espaço era rigorosamente aproveitado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em certo ponto da conversação, o delicado companheiro que nos acolhia, percebendo a curiosidade com que examinávamos a parte interna do edifício, erguido à base de substância singularmente leve, esclareceu: – É tipo de construção para movimento aéreo. Muda-se, sem maiores dificuldades, de uma região para outra, atendendo às circunstâncias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, sorrindo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Por isso, é denominada “Casa Transitória”.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em breves minutos, o Assistente Jerônimo era chamado nominalmente pela irmã Zenóbia, para entendimento particular.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Hipólito e Luciana solicitaram ingresso na Sala Consagrada, onde, conforme explicações de Heráclio, administradores, auxiliares e asilados daquele pouso de amor se reuniam habitualmente para os serviços divinos da prece. Interessado, por minha vez, nos trabalhos médicos do instituto, indaguei quanto à possibilidade de encontrar algum colega que me fornecesse novos elementos educativos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Expondo ao prestativo assessor meus desejos, respondeu-me sem hesitar:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já sei o que pretende. No momento, temos em casa o irmão Gotuzo, cujas informações talvez lhe satisfaçam a curiosidade.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-28608413906668416892017-08-30T13:46:00.003-07:002017-09-03T15:17:52.579-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">5 - Irmão Gotuzo</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0EBtZxyMMGQri1qSX_GJxfwuFXvCygBpHj1HRq38B2mtgbTFscD0KpEzwXSPkKoQVOvrW7bKe3x0S3askkYWYkM5_rfVrzLeQmDOFlL98m3u53Bb57BGzg02bCYmJuntHJLT6i2miRA0/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Apresentado ao irmão Gotuzo, espontânea satisfação felicitou- me o espírito. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Imediatamente, reconheci que vigorosos laços de simpatia nos arrastavam um para o outro. Nele, as afinidades com os serviços da esfera carnal eram ainda, sobremaneira, fortes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A conversação, gestos e pareceres denunciavam-lhe a condição.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Impregnado de intensas lembranças da vida física, a que se sentia imantado por incoercível atração, não subira, por enquanto, nos nossos círculos de trabalho mais elevado, contando apenas alguns poucos anos de consciência desperta, após acordar na existência real.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De início, ofereceu-me elementos para sumariar-lhe a posição.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desencarnara antes de mim, peregrinara muito tempo, através de sendas purgatoriais, e embora houvesse demorado vários anos semi-inconsciente, entre sombras e luzes, apresentava-se em dia com todos os conhecimentos de Medicina, propriamente humanos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sempre supus – confiou-me, bem humorado, quando nos vimos a sós – que após a morte do corpo nada mais teríamos a fazer, além de cantar beatificamente no céu ou ranger dentes no inferno, mas a situação é extremamente diversa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez significativo parênteses e continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Refiro-me à velha definição teológica, porque nunca pude aceitar a tese negativista, em caráter absoluto.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Impossível que a vida estivesse circunscrita ao palco de carne, onde o homem desempenha os mais extravagantes papéis, em múltiplas atitudes cênicas, desde a infância até a velhice. Algo deveria existir, sempre acreditei, além do necrotério e do túmulo. Admitia, porém, que a morte fosse maravilhoso passe de magia, orientando as almas a caminho do paraíso de paz imorredoura ou da região escura de castigos eternos. Nada disso, contudo. Encontrei a vida, em si mesma, com o mesmo sabor de beleza, intensificação e mistério Divino. Transferimo-nos de residência, pura e simplesmente, e tanto trazemos para cá indisposições e doenças, como as investigações e processos de curar. Os enfermos e os médicos são aqui em maior número. O corpo astral é organização viva, tão viva<br />quanto o aparelho fisiológico em que vivíamos no plano carnal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Porque percebesse, talvez, em meus olhos, a silenciosa notícia de que, em círculos mais altos, haveria novidades referentes ao assunto, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pelo menos, em nosso plano, a situação é análoga.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E continuou, sorridente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ensinavam-nos, na Crosta Planetária, que o homem é simples gênero da ordem dos primatas, com estrutura anatômica dos mamíferos superiores, com postura vertical, dimensões consideráveis de crânio e linguagem articulada. Referiam-se os catedráticos aos homens fósseis e pré-históricos, colando afirmativas dogmáticas da ciência oficial em nossa cabeça, como se dependuram cartazes no teto dos bondes.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Explicava-nos a Religião, por sua vez, que o ser humano é alma criada por Deus, no instante da concepção materna, e que, com a morte, regressa ao seio divino para definitivo julgamento, em toda a eternidade, na hipótese de o paciente não ser obrigado a determinadas demoras nas estações desagradáveis do purgatório.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Imprimiu novo acento à conversação e considerou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– De fato, suponho devam existir lugares mais deliciosos que o éden imaginado pelos sacerdotes humanos e, com meus olhos, tenho visto flagelações e sofrimentos que ultrapassam todas as imagens infernais ideadas pelos inquisidores. Entretanto, e é lamentável reconhecê-lo, nem a Ciência, nem a Religião nos prepararam, convenientemente, para enfrentar os problemas do homem desencarnado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fizera-se, entre nós, intervalo mais longo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Relanceando o olhar pelo gabinete amplo, reparei o cuidado de Gotuzo, na zona de sua especialidade. Mapas variados do corpo humano desdobravam-se nas paredes, como se fossem preciosos adornos. Pequenas esculturas de órgãos diversos assomavam, aqui e ali. O que mais feria a atenção, porém, era determinada imagem do sistema nervoso, estruturada em substância delicadíssima e algo luminosa, em posição vertical, com a altura aproximada dum homem, na qual se destacavam, com extraordinária perfeição, o cérebro, o cerebelo, a medula espinhal, os nervos do tronco, o mediano, o radial, o plexo sagrado, o cubital e o grande ciático.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Acariciando, enlevado, a obra prima, observei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tem você muita razão, meu caro Gotuzo. Se os homens encarnados compreendessem a importância do estudo alusivo ao corpo perispiritual !...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim – confirmou com graça espontânea, atalhando-me as considerações –, a ignorância que nos segue até aqui é simplesmente deplorável! A personalidade humana, entre as criaturas terrestres, é mais desconhecida que o Oceano Pacifico. Eu por mim, católico militante que fui, sempre aguardei o sossego beatífico depois da morte.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fixou expressão quase cômica e acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vim com todos os sacramentos e passaportes da política religiosa, passados em solenes exéquias. Creio, todavia, que o serviço diplomático de minha igreja não está bem atendido no céu.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não trouxe bastante documentação que me garantisse paz na transferência. Em vão, reclamei direitos que ninguém conhecia e supliquei bênçãos indébitas. Em face do desconhecimento aqui predominante a meu respeito, regressei ao meu velho templo, onde ninguém me identificou. Desesperado, então, mergulhei-me por longos anos em dolorosa cegueira espiritual. E, francamente, rememorando fatos, rio-me, ainda hoje, da confiança ingênua com que cerrei os olhos no lar, pela última vez, O padre Gustavo prometia- me a convivência dos anjos – veja bem! – e asseverava-me que eu seria levado em triunfo aos pés do Senhor, e isso apenas porque legara cinco contos de réis à nossa antiga paróquia. Meus familiares acompanhavam, em pranto, nosso diálogo final, em que minha palavra sufocada comparecia, em monossílabos, de longe em longe, na extrema hora do corpo. No entanto, se era quase impossível para mim o comentário inteligente da situação, o pároco falava por nós ambos, explanando a felicidade que me caberia no Reino de Deus. Médico de curta jornada, mas de intensa observação, a moléstia não me enganou, mas, inexperiente nos assuntos da alma, confundiram-me plenamente as promessas religiosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Penetrando o portão do sepulcro e não me sentindo na corte dos santos, voltei, copiando perigosas atitudes dos sonâmbulos, para interpelar o sacerdote que me encomendara o cadáver às estações celestes. Incompreendido e cego, peregrinei por muito tempo, entre a aflição e a demência, nas criações mentais enganadoras que trouxera do mundo físico.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Certamente, porém – observei, em face da parada mais longa que se fizera –, não lhe faltaram bons amigos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– De fato – concordou –. Entretanto, gastei anos para tornar ao equilíbrio indispensável, condição única em que podemos compreender-lhes o auxílio e recebê-lo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Deve, pois, sentir-se feliz, agora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sem dúvida! – comentou Gotuzo, humorístico – reajusto-me com a tranqüilidade possível. A maior surpresa para mim, presentemente, é a paisagem de serviço que a vida espiritual nos descortina.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tenho hoje profundíssima compaixão de todos os homens e mulheres encarnados, que desejam insistentemente a morte física e procuram-na, através de vários modos, utilizando recursos indiretos e imperceptíveis aos demais, quando lhes faltam disposições para o ato espetacular do suicídio. Aguardam-nos atividades e problemas tão complexos de trabalho, que mais venturosa lhes seria a existência totalmente desprovida de encanto, com pesadas disciplinas a lhes inibirem as divagações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recordando a posição laboriosa da dirigente da casa, em virtude das observações ouvidas, considerei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O volume de nossas tarefas assombraria qualquer homem comum e cumpre-nos reconhecer que a necessidade de sacrifício nos serviços desta instituição é enorme. Inda agora, espantou-me a cota de deveres atribuídos à Diretora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Inegável! – anuiu, modificando o tom de voz – a irmã Zenóbia, devotada orientadora, de sublime coração e pulso forte, nos oferece, invariavelmente, magníficas demonstrações de renúncia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E tão grande é o serviço neste asilo, consagrado a socorros diversos, que a chefia se reveza em períodos anuais. Neste ano, a administração compete a ela; no vindouro, teremos as diretrizes do irmão Galba.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Cada administrador recebe descanso de um ano? – indaguei, admirado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, aproveitando-se o período de repouso, em esferas mais altas, ao contacto de experiências e estudos que enriqueçam o espírito do missionário e beneficiem as obras gerais da instituição, com vistas ao futuro. Estou informado de que Zenóbia e Galba dirigem esta casa, há precisamente vinte anos consecutivos, ora um, ora outro. Administradores diversos, no entanto, têm passado por aqui, demandando outros rumos, no plano de elevação... De quando em quando, voltam a visitar-nos, ministrando sagrados incentivos à comunidade de trabalhadores do bem.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">– E você? – interroguei, talvez indiscreto – onde passa os recreios e entretenimentos?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– De conformidade com os estatutos que nos regem, possuo também minhas horas de repouso. Todavia – e a sua voz tocou-se de velada tristeza – ainda não posso fruí-las em esfera mais alta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desfruto-as nos campos da Crosta, respirando o ar puro e tonificante dos pomares e jardins silvestres. O oxigênio, por lá, é mais leve que o absorvido por nós, nestes círculos abafados de transição, onde há que lidar com os resíduos do pensamento humano.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As árvores e as águas, as flores e os frutos da Natureza terrestre, indenes das emanações empestadas de multidões ignorantes e caprichosas, permanecem repletos de substâncias divinas para quantos de nós que começam a viver efetivamente em espírito. As cidades humanas são imensos e benditos cadinhos de purificação das almas encarnadas, onde se forja o progresso real da Humanidade, mas o campo simples e acolhedor é sempre a estação direta das bênçãos de Deus, garantindo as bases da manutenção coletiva.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não é estranhável, portanto, que aí recolhamos grandes colheitas de energias de paz restauradora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Conhecia, de sobra, a propriedade de seus argumentos, rememorando experiências anteriores que me diziam respeito; contudo, objetei, com sinceridade:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Lastimo, porém, que você ainda não tenha podido visitar regiões mais elevadas. Descobriria continentes de radiosas surpresas, revigorando, com eficiência, o estímulo e a esperança.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Prometem-me, para breve, semelhante júbilo – acentuou resignadamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ouça, meu amigo – perguntei com afetuoso interesse –, qual a razão do adiamento? Poderia, por minha vez, interpor minha influência humilde no assunto? O companheiro, que se caracterizara por sadio otimismo desde a primeira palavra, deixou transparecer inquietante emoção. Fisionomia transtornada, seus olhos móveis e brilhantes nevoaram-se de pranto, dificilmente contido, e, fixando-os talvez no quadro interior das próprias reminiscências, Gotuzo explicou-se, com inflexão de amargura:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Trago, ainda, a mente e o coração presos ao ninho doméstico que perdi com o corpo carnal. Readaptei-me ao trabalho e, por isso, venho sendo aproveitado, de algum modo, em atividades úteis; entretanto, ainda não me habituei com a morte e sofro naturalmente os resultados dessa desarmonia. Encontro-me num curso adiantado de preparação interior, no qual progrido lentamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Esforçando-se por assumir, diante de mim, atitude tranqüilizadora, prosseguiu, depois de ligeira pausa:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Retomando a mim mesmo, após longos anos de semiinconsciência, voltaram-me a reflexão, o juízo, o equilíbrio. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Oh! meu amigo, que saudades torturantes de minha casa feliz! Marília e os dois filhos, então rapazes de curso ginasial, eram os únicos habitantes de meu pequeno paraíso doméstico. A Medicina, exercida desde cedo, entre clientela abastada, conferira-me extensos recursos financeiros. Vivíamos plenamente despreocupados, entre as paredes acolhedoras e quentes de nosso ninho. Nenhum dissabor, nem a mais leve nuvem. Surgiu-nos a primeira dor com a positivação da pneumonia que me separou da esfera física. À primeira nota de sofrimento, mobilizamos o dinheiro e as relações afetivas, inutilmente. Todas as circunstâncias favoráveis de ordem material quebraram-se, frágeis, perante a morte. Marília, porém, prometeu-me fidelidade constante até ao fim, selando o juramento com amargurosas e inesquecíveis lágrimas. Aproximava-me dos cinqüenta anos, enquanto a querida esposa não ultrapassava os trinta e seis. Doía-me n'alma deixá-la quase só no mundo, sem o braço do companheiro; todavia, confiando nas promessas religiosas, acreditei que pudesse velar por ela e pelos filhos, da região celestial. A realidade, porém, foi muito diversa e, depois das lutas purgatoriais, voltando ansioso à casa, não encontrei rastro dos entes amados que aí deixara. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Enquanto perseverava em doloroso sonambulismo, buscando socorro junto à religião, nunca pude voltar ao campo da família, porquanto, antes do tentâmen, fui arrebatado em violento e escuro torvelinho que me situou em terrível paisagem de trevas e sofrimento indescritíveis. No primeiro instante de libertação, todavia, fui surdo a toda espécie de ponderação, rompi todos os obstáculos e, sequioso de afeto, encontreios, enfim... A situação, no entanto, desconcertou-me.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"> Primo Carlos, que sempre me invejara a abastança, insinuara-se em casa, a título de proteger-me os interesses, e desposou-me a companheira, perturbou o futuro de meus filhos e dissipou-me os bens, entregando- se, em seguida, a criminosas aventuras comerciais. Quase voltei ao primitivo estado de desequilíbrio mental, ajuizando os acontecimentos imprevistos. Após prantear a posição dos meus rapazes, convertidos em agenciadores de maus negócios, encontrei Marília, justamente no dia imediato ao nascimento do segundo filhinho do casal. Ajoelhei-me, em soluços, ao pé do leito humilde em que repousava e perguntei-lhe pelo patrimônio de paz que, ao partir, lhe depositara, confiante, nas mãos. A infeliz, fundamente desfigurada, não me identificou a presença, nem me ouviu a voz, mas lembrou-se intensamente de mim, contemplou o pequenino que dormia calmo e caiu em pranto convulsivo, provocando a presença de Carlos, declarando-se angustiada, nervosa... quando vi chegar o invasor, irascível e detestado, recuei, tomado de infinito horror. Não tive forças. Era isso o que me aguardava, após tamanha luta? Deveria conformar-me e abençoar os que me feriam? O quadro era excessivamente negro para mim. Em prejuízo de meu espírito, desfrutara uma existência regular, com todos os desejos atendidos. Não me iniciara no mistério da tolerância, da paciência, da dor. E, por esse motivo, meus sofrimentos assumiram assustadoras proporções.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Gotuzo enxugou as lágrimas que lhe correram abundantemente dos olhos e, em vista da impressão forte que o seu pranto me causava, terminou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quase dez anos são decorridos e minha mágoa continua tão viva, como na primeira hora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Deixando-o entregue ao desabafo, alguns minutos pesados rolaram entre nós.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Gotuzo, escute-me – disse-lhe, por fim – não guarde semelhantes algemas de sombra no coração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, descrevi-lhe, sumariamente, meu caso pessoal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ouviu-me atento, confortado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Finalizando, considerei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Por que razão condenar a companheira de luta? E se fôssemos nós os viúvos? Quem poderia afiançar que não teríamos sido pais novamente? Não se prenda por mais tempo. O velho egoísmo humano é criador de cárceres tenebrosos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Percebeu-me a sinceridade e calou-se, humilde. E porque o ambiente se fazia menos agradável, em face da exposição dos íntimos aborrecimentos dele, perguntei, para modificar-lhe o impulso mental:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Circunscreve-se o trabalho à assistência aos enfermos, no setor de tarefas que lhe são atribuídas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tenho outros campos de atividade – informou.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fitando-me, algo modificado na expressão fisionômica, interrogou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já cooperou em tarefas reencarnacionistas? Recordei a experiência que acompanhara, de perto, em outra ocasião1, e narrei o que sabia. Olhando-me significativamente, tornou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, você conhece um caso de reencarnação, de natureza superior, um caso em que o interessado se fizera credor da gentileza de vários amigos que o auxiliaram, desveladamente.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Aqui, todavia, acompanhamos situações dolorosas, através de incidentes desagradabilíssimos para a sensibilidade. São trabalhos reencarnacionistas de ordem inferior, mais difíceis e complexos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"> Não calcula o que sejam. Há verdadeira mobilização de inúmeros benfeitores sábios e piedosos, dos planos mais altos, que nos traçam<br />as necessárias diretrizes. Por vezes surgem problemas torturantes no esforço de aproximação e ligação dos interessados ao ambiente em que serão recebidos, de tal modo deploráveis, que muito angustiosas para nós se fazem as situações, sendo imprescindível o concurso de elevado número de obreiros. Segue-se a reencarnação expiatória de inenarráveis padecimentos, pelas vibrações contundentes do ódio e das humilhações punitivas. Na esfera venturosa em que você habita, há institutos para considerar as sugestões da escolha pessoal. O livre arbítrio, garantidor de créditos naturais, pode solicitar modificações e apresentar exigências justas, mas, aqui, as condições são diferentes... Almas grosseiras e endividadas não podem ser atendidas em suas preferências acerca do próprio futuro, em virtude da ignorância deliberada em que se comprazem, indefinidamente, e, de acordo com aqueles que as tutelam da região superior, são compelidas a aceitar os roteiros estabelecidos pelas autoridades competentes para os seus casos individuais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Por nossa vez, somos executores das providências respectivas e constitui-nos obrigação vencer os mais extensos e escuros obstáculos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesses quadros de dor, vemos pais e mães que, instintivamente, repelem a influenciação dos filhinhos, antes do berço, dando pasto a discórdias sem nome, a antagonismos aparentemente injustificáveis, a moléstias indefiníveis, a abortos criminosos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enquanto isso ocorre, os adversários que reencarnam, em obediência ao trabalho redentor, programado pelos mentores abnegados dessas personagens de dramas sombrios, com longa representação no cenário da existência humana, penetram o campo psíquico dos ex-inimigos e futuros progenitores, impondo-lhes sacrifícios intensos e quase insuportáveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interrompeu as considerações, fez curta pausa, para acrescentar em seguida:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Repare que a diversidade entre as suas informações e as minhas é efetivamente considerável. Os Espíritos que se esforçam nas aquisições da luz divina, através do serviço persistente na própria iluminação, conquistam o intercâmbio direto com instrutores mais sábios, aprimoram-se, conseqüentemente, e, pelos atos meritórios a que se consagram, podem escolher seus elementos de vida nova na Crosta Terrestre, como o trabalhador digno que, pelos créditos morais conquistados, pode exigir as próprias ferramentas destinadas ao seu trabalho. Os servos do ódio e do desequilíbrio, da intemperança e das paixões, contudo, que se preparem para as exigências da vida. Aos primeiros, a reencarnação será verdadeira bênção em aprendizado feliz; todavia, aos segundos constituirá necessária e legítima imposição do destino criado por eles mesmos, com o menosprezo a que votaram as dádivas de Nosso Pai, no espaço e no tempo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Escutando-lhe as observações, sob inexcedível impressão de alegria e encantamento, não pude sopitar a conclusão que me saiu<br />otimista e espontânea da boca:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Gotuzo, mas é você, experiente desse modo quanto aos problemas do resgate espiritual, quem guarda mágoa do lar que se foi? Como pode encarcerar-se no desalento, a deter tamanha possibilidade de libertação? O companheiro fixou em mim os olhos inteligentes e lúcidos, como a dizer em silêncio que sabia de tudo isso, esforçou-se por parecer jovial e respondeu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não se preocupe. Em vista das extremas dificuldades para dominar-me, estudo, atualmente, a probabilidade de reincorporação no ambiente doméstico, enfrentando a situação difícil com a devida bênção do esquecimento provisório na carne, a fim de reconstruir o amor em bases mais sólidas, junto àqueles que não tenho compreendido tanto quanto deveria.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, certa enfermeira assomou à porta de entrada, pedindo licença para interromper-nos e notificou que a turma de sentinelas, em tratamento mental, esperava no salão contíguo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Esclareceu Gotuzo que seguiria imediatamente. Novamente a sós, explicou-me, sorrindo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Na esfera carnal, na qualidade de médicos, nossas obrigações resumiam-se ao exame detido das enfermidades, com indicação clínica ou intervenção cirúrgica, e ao fornecimento de diagnósticos técnicos que outros colegas confirmavam, quase sempre por espírito de solidariedade, dentro da classe; mas, aqui, a paisagem modifica-se. Cabe-me usar a língua como estilete criador de vida nova. A casa está repleta de cooperadores que trabalham,<br />servindo-lhe ao programa de socorro, e se submetem aos nossos cuidados de orientação médica, simultaneamente. Não basta, porém, que eu lhes diga o que sofrem, como fazia antigamente. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Devo funcionar, acima de tudo, como professor de higiene mental, auxiliando-os na germinação e desenvolvimento de idéias reformadoras e construtivas, que lhes elevem o padrão de vida íntima.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Distribuímos recursos magnéticos de restauração, com todos os necessitados, reanimando-lhes a organização geral, com os elementos de cura ao nosso alcance; não sem ensinar, entretanto, a cada enfermo, algo de novo que lhe reajuste a alma. Noutro tempo, tínhamos o campo de ação na célula física. Presentemente, todavia, essa zona de atuação é a célula mental.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Observando a disposição ativa do companheiro, meditei no tempo que despendera, antes de participar dos serviços médicos da região superior a que fora conduzido, e perguntava a mim mesmo a razão pela qual fora Gotuzo tão depressa utilizado, ali, na esfera de socorro aos aflitos. Reparei, todavia, que o novo amigo não me recebia os pensamentos, nem mesmo de maneira parcial, demonstrando-se menos exercitado nas faculdades de penetração e, acompanhando-o ao recinto, onde o aguardava extensa clientela, notei que a assistência ali era ministrada a doentes em massa, dentro de vibrações mais grosseiras e lentas, exigindo a colaboração especializada de médicos desencarnados que, como acontecia a Gotuzo, ainda conservavam regular sintonia com os interesses imediatos da Crosta Terrestre. </span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-66528152072088094442017-08-30T13:31:00.001-07:002017-09-03T15:11:01.957-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">6 - Dentro Da Noite</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi96PfsQaykfXUym07iUlQN35T1znnAd2JLdL-sUi-NGy1gfUNQ4mUsT4WKr6oLmICBK4ydGQlrgIEEcxJayJz7T7ZXbKozDRZfIFS88q6b6Q81o1C9hyphenhyphen90QTxxhIZfpTygQFKX2fco8oc/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi96PfsQaykfXUym07iUlQN35T1znnAd2JLdL-sUi-NGy1gfUNQ4mUsT4WKr6oLmICBK4ydGQlrgIEEcxJayJz7T7ZXbKozDRZfIFS88q6b6Q81o1C9hyphenhyphen90QTxxhIZfpTygQFKX2fco8oc/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">A diferença de atmosfera entre o dia e a noite, na Casa Transitória de Fabiano, era quase imperceptível. Não conseguiria estabelecer comparações apreciáveis, mesmo porque, durante todo o tempo de nossa permanência no instituto, estiveram acesas as luzes artificiais. Denso nevoeiro abafava a paisagem, sob o céu de chumbo e, ao que fui informado, grandes aparelhos destinados à fabricação de ar puro funcionavam incessantemente, na casa, renovando o ambiente geral. Víamos o Sol, fundamente diferençado, em pleno crepúsculo. Semelhava-se a um disco de ouro velho, sem qualquer irradiação, a perder-se num oceano de fumo indefinível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cotejando a situação com os quadros primaveris da Crosta Planetária, os ocasos da esfera carnal parecem verdadeiras decorações do paraíso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Permanecíamos em região onde a matéria obedecia a outras leis, interpenetrada de princípios mentais extremamente viciados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Congregavam-se aí longos precipícios infernais e vastíssimas zonas de purgatório das almas culpadas e arrependidas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Na verdade, muita vez viajara entre a nossa colônia feliz e o plano crostal do planeta, atravessando lugares semelhantes, mas nunca me demorara tanto em círculo desagradável e escuro como esse. A ausência de vegetação, aliada à neblina pesada e sufocante, infundia profunda sensação de deserto e tristeza.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os amigos, porém, com a irmã Zenóbia à frente, faziam quanto possível por converter o pouso socorrista num oásis confortador.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Alguém chegou à gentileza de lembrar a oportunidade do quadro externo para que nos voltássemos para dentro de nós, com o proveito necessário. – Sim – assentiu o Assistente Jerônimo –, num abrigo de pronto socorro espiritual, é conveniente que não haja facilidade para distrações prejudiciais aos nossos deveres.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estampou riso franco nos lábios e acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Por isso mesmo, quando na Crosta da Terra, nunca tivemos descrições de infernos floridos ou de purgatórios sob árvores acolhedoras.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse ponto, os escritores teológicos foram exatos e<br />coerentes. Aos culpados e renitentes confessos não convém a fuga mental. Em favor deles próprios, é mais razoável sejam mantidos em regiões desprovidas de encanto, a fim de permanecerem a sós com as criações mentais inferiores a que se ligaram intensivamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A conversação, rica de particularidades interessantes, compensava a aspereza exterior, valorizando o tempo, acerca do qual não se conseguia fazer nenhum cálculo, a não ser pela observação dos cronômetros que eram, aí, aparelhos preciosos e indispensáveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ao soar das dezenove horas, orientados pela administradora da casa, preparamo-nos para pequena jornada ao abismo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Convocou Zenóbia vinte cooperadores para as tarefas de colaboração eventual e imediata, três mulheres e dezessete homens, que, à primeira vista, não pareciam pessoas de cultura e sensibilidade extremamente apuradas, mas que mostravam, no olhar sereno e firme, boa vontade, dedicação leal e caráter resoluto no espírito de serviço. Mais tarde, vim a saber que o instituto asila constantemente variados grupos de entidades, repletas de característicos humanos primitivistas, mas portadoras de virtudes e valores apreciáveis, que colaboram na execução das tarefas gerais e se educam ao mesmo tempo, preparando-se para reencarnações e experiências de mais elevada expressão. Dirigindo-se ao subalterno que recebera atribuições de subchefia, indagou Zenóbia, serena:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ananias, temos o material de serviço devidamente arregimentado?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não devemos esquecer, principalmente, as faixas de<br />socorro, as redes de defesa e os lança-choques.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tudo pronto – respondeu, satisfeito, o colaborador.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Voltou-se, em seguida, para o nosso orientador e disse, bemhumorada:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmão Jerônimo, convirá, desse modo, iniciar a marcha.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E detendo-se, ao nosso lado, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– De antemão, rogo desculpas a todos se lhes tomar tempo para atendermos ao desventurado irmão a que me referi, satisfazendo a interesse que me é particular. A clarividência de Luciana e a oração de todos os amigos, porém, constituirão fatores decisivos em beneficio da renovação dele, a fim de que aceite as providências redentoras do futuro. É serviço que prestarão a mim própria, pelo qual serei devedora reconhecida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ligeiro véu de melancolia inexplicável toldou-lhe repentinamente o olhar, mas, cobrando ânimo novo, considerou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Além disso, o padre Hipólito endereçará apelos cristãos aos infelizes que choram na zona abismal.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">O fogo purificador passará amanhã e poderemos ministrar-lhes aviso edificante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O ex-sacerdote comentou, confortado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A cooperação será para nós um prazer.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dirigindo-se, então, a grande número de companheiros e subordinados de serviço, a irmã Zenóbia consolidou a atenção de todos para o desempenho do mapa de trabalhos que havia planejado para tão significativa noite. A casa deveria permanecer atenta à contribuição que receberia dos institutos congêneres, no dia imediato, pela manhã; alguns servidores seguiram para a Crosta, prestando apoio à expedição Fabrino, nalguns casos difíceis de reencarnação compulsória; certos departamentos abrir-se-iam à visitação dos encarnados parcialmente libertos da Crosta, em momentos de sono físico, para receberem benefícios magnéticos, de conformidade com as solicitações autorizadas; determinadas dependências seriam preparadas devidamente para a eventual recepção de missionários do bem, procedentes das esferas elevadas; organizar-se-iam leitos para alguns desencarnados prestes a serem trazidos, segundo notificação anteriormente recebida; duas enfermeiras, orientadoras de colônias espirituais para regeneração, trariam vinte crianças recém-libertas dos laços carnais, no sentido de se avistarem com as mães que viriam da Crosta, amparadas por amigos para reencontro confortador, em caráter temporário; variadas delegações de trabalho espiritual, junto a instituições piedosas, encontrar-se-iam no abrigo para combinar providências; duas novas missões de socorro alcançariam o asilo, dentro de breves horas, e demorar-se-iam até pela manhã, conforme aviso prévio; todos os trabalhos preparatórios da mudança assinalada para o dia seguinte deveriam ser levados a efeito; medidas outras de menor significação foram recomendadas e, por fim, a diretora notificou que o recinto de orações deveria aguardá-la, em posição de iniciar a prece de reconhecimento da noite, sem nenhuma delonga.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Eu não conseguia disfarçar a surpresa, examinando semelhante quadro de obrigações, porque, segundo cálculo efetuado momentos antes, a irmã Zenóbia estaria ausente apenas quatro horas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ultimando providências, acenou para nós, convidando-nos a acompanhá-la. Ao transpormos o limiar, explicou-nos, cuidadosa:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Convém manter apagado, no trajeto, todo o material luminoso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E fitando-nos, resoluta, informou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quanto a nós, sigamos silenciosos, a pé. Não será razoável utilizar a volitação em distância tão curta.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Mais justo assemelhar mo-nos aos pobres que habitam estes sítios, perante os quais, enquanto perdure a pequena caminhada, deveremos guardar a maior quietude. Qualquer desatenção prejudicar-nos-á o objetivo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Decorridos alguns instantes, atravessávamos as barreiras magnéticas de defesa e púnhamo-nos a caminho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Noutras circunstâncias e noutro tempo, não conseguiria eu dominar o pavor que nos infundia a paisagem escura e misteriosa à nossa frente. Vagavam no espaço estranhos sons. Ouvia perfeitamente gritos de seres selvagens e, em meio deles, dolorosos gemidos humanos, emitidos, talvez, a imensa distância... Aves de monstruosa configuração, mais negras do que a noite, de longe em longe se afastavam de nosso caminho, assustadiças.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">E embora a sombra espessa, observava alguma coisa da infinita desolação ambiente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após alguns minutos de marcha, surgiu-nos a Lua, como bola sangrenta, através do nevoeiro, espalhando escassos raios de luz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Poderíamos identificar, agora, certas particularidades do terreno<br />áspero.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A irmã Zenóbia colocara, diante de nós, adestrado auxiliar especialista na travessia daquelas sendas estreitas e, conforme recomendação inicial, guardávamos rigoroso silêncio, em fila móvel, ganhando a estrada hostil.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atingimos zona pantanosa, em que sobressaía rasteira vegetação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ervas mirradas e arbustos tristes assomavam indistintamente do solo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fundamente espantado, porém, ao ladear imenso charco, ouvi soluços próximos. Guardava a nítida impressão de que as vozes procediam de pessoas atoladas em repelentes substâncias, tais as emanações desagradáveis que pairavam no ar. Oh! que forças nos defrontavam, ali! A treva difusa não deixava perceber minudências; todavia, convencera-me da existência de vítimas vizinhas de nós, esperando-nos amparo providencial. Estaríamos ante o abismo<br />a que se referia a administradora da Casa Transitória? Optei pela negativa, porque a expedição não se deteve em tão angustioso lugar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo seguia rente aos meus passos e não contive a indagação que me escapou, célere:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Jazem aqui almas humanas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O interpelado, em atitude discreta, somente respondeu num gesto mudo, em que me pedia calar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Bastaram, no entanto, minhas quatro palavras curtas para que os lamentos indiscriminados se transformassem, de súbito, em rogativas tocantes e estertorosas:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ajude-nos, quem passa, por amor de Deus!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Salvai-nos, por caridade!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Socorro, viandantes! socorro! socorro!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Verificou-se, então, o imprevisto. Certamente, as entidades em súplica permaneciam jungidas ao mesmo lugar, mas figuras animalescas e rastejantes, lembrando sáurios de descomunais proporções, avançaram para a nossa caravana, ausentando-se da zona mais funda dos charcos. Eram em grande número e davam para estarrecer o ânimo mais intrépido. Experimentei o instinto de utilizar a volitação e fugir depressa. Entretanto, a serenidade dos companheiros contagiava e esperei firme. Quase imperceptível estalido partiu da destra da irmã Zenóbia, e dez auxiliares, aproximadamente, utilizaram minúsculos aparelhos, emitindo raios elétricos de choque, através de insignificantes explosões. Não obstante ser fraca a detonação, a descarga de energia revelava vigoroso poder, tanto que os atacantes monstruosos recuavam, precipitados, recolhendo-se ao pântano, em queda espetacular sobre a lama grossa. Multiplicavam-se as lamentações dos prisioneiros invisíveis da substância viscosa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Libertai-nos! libertai-nos!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Socorro! socorro!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cortavam-me a sensibilidade aquelas imprecações pungentes e dolorosas, mas ninguém parou.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Seguia a expedição, diligente e muda.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Compreendi que estavam em jogo maiores interesses de trabalho e não insisti. Minha posição era a do subalterno chamado a cooperar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mais alguns minutos e havíamos varado a região dos charcos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Penetrando terreno de configuração diferente, aliviou-se-me, de algum modo, o coração condoído. Entretanto, agora, vultos negros de entidades humanas esgueiravam-se junto de nós.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Aproximavam-se com a visível disposição de atacar, recuando, porém, inesperadamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Supus, por minha vez, que o movimento de recuo<br />ocorria logo que eles observavam a extensão do nosso grupo de vinte e cinco pessoas. Temiam-nos a expressão numérica e fugiam, pressurosos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Prosseguindo a marcha, penetramos escarpada região e, atendendo ao sinal da irmã Zenóbia, os vinte auxiliares que nos seguiam postaram-se em determinado ponto, com a recomendação de nos aguardarem a volta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A diretora da Casa Transitória, então, conduziu-nos os quatro, caminho a dentro, acentuando que encetaríamos isoladamente a primeira parte do programa de serviço. Em semelhante paragem, a atmosfera rarefazia-se de maneira sensível. A Lua pareceu menos rubra, a relva mais doce, o ar mais tranqüilo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Estamos em reduzido oásis de paz, em meio de extenso deserto de sofrimentos – esclareceu Zenóbia, quebrando o longo silêncio –. Agora podemos falar e atender aos objetivos de nossa<br />vinda.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, evidenciando preocupação em sossegar-nos o íntimo, referentemente aos sofredores anônimos que encontráramos no caminho, explicou-nos delicadamente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não somos impermeáveis às rogativas dos nossos irmãos que ainda gemem no charco de dor a que se atiraram voluntariamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dilaceram-nos o espírito as imprecações dos infelizes. No entanto, a Casa Transitória de Fabiano tem-lhes prestado o socorro possível, ajuda essa que, até hoje, vem sendo repelida pelos nossos irmãos infortunados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Debalde libertamo-los, periodicamente, dos monstros que os escravizam, organizando-lhes refúgio salutar. Fogem de nossa influenciação retificadora e tornam espontaneamente ao charco. É<br />imprescindível que o sofrimento lhes solidifique a vontade, para as abençoadas lutas do porvir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estabelecida a ressalva, que percebi especialmente formulada de modo indireto para mim, Zenóbia continuou, bastante emocionada:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Compete-me, agora, alguns esclarecimentos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Neste instante, deve esperar-nos, na orla do abismo, o irmão a que aludi, devotado amigo para mim, noutro tempo, e pelo qual devo trabalhar, na atualidade, através de todos os recursos legítimos, ao meu alcance.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Infelizmente, o pobrezinho mantém-se em padrão vibratório dos mais inferiores. Creio precisas estas explicações preliminares, facilitando-lhes a obsequiosa colaboração desta noite. Muitas vezes, a surpresa dolorosa compele-nos à solução de continuidade no serviço a fazer. Daí minha preocupação justa em prestar-lhes os informes devidos. Trata-se do padre Domênico, entidade a quem muito devo. Foi ele clérigo menos feliz, incapaz de manter-se fiel ao Senhor até ao fim de seus dias. Iniciou-se nas lutas humanas, tocado de sublimes esperanças, na primeira mocidade; entretanto, porque os desígnios do Pai eram diversos dos caprichos que alimentava no coração de homem apaixonado e voluntarioso, em breve caía em despenhadeiros que lhe valem os amargosos padecimentos, depois do túmulo. Aproveitou-se das casas consagradas à fé viva para concretizar propósitos menos dignos, conspurcando a paz de corações sensíveis e amorosos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Recebeu todas as advertências e avisos salutares tendentes a modificar-lhe a conduta criminosa e desvairada. Todavia, internou-se fundamente no lamaçal escuro dos erros voluntários, desprezando toda espécie de assistência salvadora. Colaborei durante anos consecutivos nos serviços de orientação que lhe eram ministrados, mas, pela expressão intensa de fragilidade humana que ainda conservava em minha alma, abandonei-o, também, à própria sorte, absorvida por sentimentos de horror. Minha deliberação estabeleceu comprida pausa de tempo em nossas relações diretas. Mais de quarenta anos rolaram, entre nós. De tempos a esta parte, porém, seus sofrimentos acentuaram-se de maneira terrível, obrigando-me a mobilizar minhas humildes possibilidades em seu favor. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Desencarnado, desde muito, voltou da Crosta em angustiosas circunstâncias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ocasionou desastres morais de reparação muito difícil. E ainda permanece insensível às nossas exortações de amor e paz, conservando-se em posição psíquica negativa.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Precipitou-se em temível aridez do coração, envolvendo-se em forças que o aniquilam e entorpecem cada vez mais. Para que males maiores não lhe ocorram, fui, a meu pedido, autorizada a incluí-lo entre os tutelados externos de nossa instituição. Consegui, desse modo, que alguns de nossos cooperadores lhe atenuassem o movimento fácil, sem que pudesse ele dar conta de nossas operações fluídico magnéticas, nesse sentido. Tem sofrido muito. No entanto, apesar da prostração, ainda não modificou a mente, mantendo-se em pesadas trevas interiores e subtraindo-se, sistematicamente, a qualquer esforço de auto-exame, que lhe facilitaria, sem dúvida, algum repouso espiritual. Além desse alivio, que lhe é sumamente indispensável, o padre Domênico necessita regressar à experiência construtiva na Crosta Planetária, recapitulando o pretérito em serviço expiatório. Entretanto, a situação mental em que se demora cria-lhe empecilhos de vulto, dificultando-nos a ação intercessória.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Urge, porém, que regresse a reencarnação. Amigos nossos, devotados e solícitos, amparam-me o pedido em benefício dele e Domênico voltará a unir-se, como filho sofredor de uma das suas vítimas de outro tempo, vítima e verdugo, porque, num gesto de vingança cruel, o ofendido eliminou o ofensor com a morte. Para reintegrar-se nas correntes carnais, preciosas e purificadoras, deve o infortunado adquirir, pelo menos, a virtude da resignação, de modo a não aniquilar o organismo daquela que, desempenhando sublime tarefa de mãe, lhe conferirá, carinhosamente, a nova personalidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Para a obtenção desse resultado, é imprescindível que melhore interiormente. Se conseguirmos que um raio de luz lhe penetre o íntimo, se possibilitarmos a eclosão de algumas lágrimas que lhe desabafem o coração, dilatando-lhe o entendimento, experimentará novas percepções visuais e, provavelmente, conseguirá enxergar aquela que lhe foi desvelada genitora, na derradeira romagem dos círculos carnais. Conseguida essa providência, creio será ele conduzido facilmente à indispensável conformação e às medidas iniciais da recapitulação terrestre.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estabeleceu-se natural intervalo nas considerações de Zenóbia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nenhum de nós ousou formular qualquer interrogativa. Ela, porém, prosseguiu, humilde:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Desde alguns dias, ouve-nos Domênico a voz, tal como o cego que não consegue ver. Não posso identificar-me perante ele, a fim de não lhe prejudicar o trabalho de redenção, mas espero que, nesta noite, muito possamos fazer em seu favor, com os valores da prece, aguardando, ainda, que os informes, detalhados e instrutivos, a serem prestados pela clarividência de Luciana, lhe possam elevar o tônus vibratório e, ocorrendo isso, como espero em Nosso Senhor, chamarei mentalmente a nossa irmã Ernestina, que lhe foi mãe dedicada e compassiva, com o fim de o recolher e conduzir à Crosta para as providências cabíveis. Estou convencida de que, podendo ver a genitora, Domênico se transformará em breves dias, preparando-se para a reencarnação próxima, com o valor desejado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Indicando determinado ponto da paisagem, informou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Em vista do serviço a realizar, recomendei que dois auxiliares o trouxessem a local adequado, onde possamos orar livremente e auxiliá-lo com as nossas palavras, sem interferências estranhas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, rogou, comovidamente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– E agora que iniciaremos o trabalho de tanta significação para minh'alma, insisto para que me perdoem o caráter pessoal da tarefa. É que a oportunidade de nos reunirmos, cinco irmãos tão bem sintonizados, não é bastante comum e, em vista da providência assinalada para amanhã, sinto que não devo adiá-la, porquanto a desintegração de resíduos inferiores pelo fogo etérico se faz acompanhar de muita renovação nestes sítios. Poderíamos, desse modo, Ernestina, Domênico e eu perder sagrado ensejo, de repetição problemática.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Calou-se, de súbito, a orientadora, conservando-se na atitude de quem medita, em silêncio, de coração voltado para o Todo-Poderoso. Decorridos alguns momentos, prosseguiu, acentuando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Estejam certos de que serão meus credores para sempre.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tendo-se em conta a elevada posição da diretora da Casa Planetária, comovia-nos semelhante demonstração de humildade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Constrangidos quase, diante de seu exemplo Cristão, seguimola a pequena eminência do solo, vagamente iluminada, onde dois companheiros velavam diante de alguém estendido em decúbito dorsal. A mentora benevolente dispensou ambos os auxiliares, recomendando-lhes integrar a comissão de serviço, que se postara distante. Em seguida, Zenóbia aproximou-se, maternalmente, e, deixando-nos surpresos, sentou-se na erva rasteira, colocando a cabeça do infeliz no regaço carinhoso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aquele homem, trajando burel esfarrapado e negro, exibia horripilante fácies. Não obstante a sombra, viam-se-lhe os traços fisionômicos, que inspiravam compaixão. Cabelos em desalinho, olhos fundos na caverna das órbitas, boca e nariz tumefactos em horrível máscara de ódio e indiferença, dava ele a impressão de celerado comum, que só a enfermidade conseguira imobilizar para a prestação de contas com a justiça. Não acusou emoção alguma ao contacto daquele colo amoroso e nem se apercebeu de nossa presença amiga. De olhar parado no espaço, num misto de desespero e zombaria, semelhava-se a uma estátua de insensibilidade, vestida de farrapos hediondos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Domênico! Domênico! – clamou a irmã Zenóbia, com ternura fraternal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Deveria o interpelado experimentar extrema dificuldade na audição, porque só depois de pronunciado o seu nome, diversas vezes, foi que, como alguém que registrasse sons de muito longe, exclamou irritadiço:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quem me chama? Quem me chama? Ó poderes orgulhosos que desconheço, deixai-me no inferno!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não atenderei a ninguém, não desejo o céu reservado a prediletos... Pertenço aos demônios do abismo! Não me perturbem!... Odeio, odiarei para sempre!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quem te chama?! – considerou a diretora, delicada e afetuosamente – somos nós que te desejamos o bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O infeliz, entretanto, ao que observei, não se apercebeu da frase confortadora, porque continuou praguejando, insensível:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Malvados! Gozam no paraíso, enquanto sofremos dores atrozes!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Hão de pagar-nos! Deram-me direitos no mundo, promete ram-me a paz celestial, conferiram-me privilégios sacerdotais e precipitaram-me nas trevas! Desalmados! Satã é mais benigno!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nossa venerável irmã, no entanto, longe de irritar-se, falou pacientemente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pediremos a Jesus te restitua, ainda que por alguns momentos, o dom de ouvir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Solicitando-nos acompanhar-lhe a rogativa, invocou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Senhor, dá que possamos amparar teu infeliz tutelado! Tens o pão que extingue a fome de justiça, a água eterna que sacia a sede de paz, o remédio que cura, o bálsamo que alivia, o verbo que esclarece, o amor que santifica, o recurso que salva, a luz que revela o bem, a providência que retifica, o manto acolhedor que envolve a esperança em tua misericórdia!...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Mestre, tu, que fazes descer a bendita luz de teu reino aos que ainda choram no vale das sombras, concede que o teu discípulo transviado possa ouvir aqueles que o amam!...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Pastor Divino, compadece-te da ovelha desgarrada do aprisco de teu coração! Permite que aos seus ouvidos tenham acesso os ecos suaves de teu infinito amor!... Concede-nos semelhante alegria, não por méritos que não possuímos, mas por acréscimo de tua inesgotável bondade!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Oh! mais uma vez, reconheci que a prece é talvez o poder máximo conferido pelo Criador à criatura!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida à súplica, sensibilizado, observei que de todos nós se irradiavam forças brilhantes que alcançavam o tórax de Zenóbia, como a reforçar-lhe as energias, e de suas mãos carinhosas e beneméritas, então iluminadas de claridade doce e branda, emanavam raios diamantinos. A amorável amiga colocou-as sobre a fronte do desventurado, oferecendo-nos a certeza de que maravilhosas energias se haviam improvisado em benefício dele.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Chamou-o, novamente, grave e terna. O interpelado, agora, revelando capacidade auditiva diferente, fez imenso esforço por levantar-se. tateou em torno de si, e bradou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quem está aqui?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Somos nós – respondeu Zenóbia –, desvelada que trabalhamos em teu favor, a fim de que obtenhas paz e luz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quimeras! – gritou o infortunado, acusando alguma transformação íntima – Fui traído em meu ministério sacerdotal, negaram- me os direitos prometidos, fui espezinhado e ferido! Que desejais de mim? Lastimar-me? Não necessito da compaixão alheia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aconselhar-me? Impossível. Estou cego e atormentado no inferno por deliberado menosprezo das forças divinas que me desampararam totalmente!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Domênico – falou-lhe, então, Hipólito, a pedido da orientadora, que lhe fez silencioso gesto de solicitação, nesse sentido, dando-nos a idéia de que não desejava empregar a própria voz, na conversação que se iniciava –, não te rebeles contra a determinação da Justiça Divina.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Justiça? – replicou ele, vibrando de emotividade – E não tenho fome do direito? Não possuía eu prerrogativas no apostolado?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não fui sacerdote fiel à crença? Há muitos anos padeço nas trevas e ninguém se lembrou de fazer-me justiça.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Acalma-te! – disse o nosso companheiro com voz firme – A consciência é juiz de cada um de nós.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Possivelmente envergaste a batina fiel à crença, mas desleal ao dever. Temos conosco alguém com bastante poder de penetração nos escaninhos de tua vida mental. Espera! Vamos orar em silêncio para que a bênção do Senhor se faça sentir em teu coração e, em seguida, passaremos a auxiliar-te para que releias, com a serenidade precisa, o livro de tuas próprias ações, compreendendo a longa permanência nos despenhadeiros fatais. O infeliz emudeceu por momentos e, tomados do forte desejo de auxílio, endereçamos fervorosa súplica à Esfera Superior, rogando lenitivo para o sofredor e bastante luz para a nossa irmã Luciana, a fim de que pudesse ver aquela consciência culpada com a eficiência precisa.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-9048290392995563052017-08-30T10:09:00.002-07:002017-09-03T15:00:38.316-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">7 - Leitura Mental</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4tO4UEn9H30z9yv9P1ZUMXZKnmtQlFcNjoBGh9Q1N4-Gz982dL3pyz2w4Melq3SKVK79QdC_LLIUYaxgE5Aker2XsEpEPTfM1FcFFaQ_YC0o3MfIkZeu0xK9PWsLF-uQn2120MOrWUEQ/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4tO4UEn9H30z9yv9P1ZUMXZKnmtQlFcNjoBGh9Q1N4-Gz982dL3pyz2w4Melq3SKVK79QdC_LLIUYaxgE5Aker2XsEpEPTfM1FcFFaQ_YC0o3MfIkZeu0xK9PWsLF-uQn2120MOrWUEQ/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Após a oração silenciosa, Jerônimo fez Luciana compreender que atingíramos o momento de ação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A enfermeira clarividente, evidenciando carinho fraterno, aproximou- se do infeliz e, depois de fitar-lhe a fronte demoradamente, começou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Padre Domênico, vossa mente revela o passado distante e esse pretérito fala muito alto diante de Deus e dos irmãos em humanidade!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Duvidais da Providência Divina, alegais que o vosso ministério não foi devidamente remunerado com a salvação e imprecais contra o Pai de misericórdia infinita... Vossa dor permanece repleta de blasfêmia e desespero, proclamais que as Forças Celestes vos abandonaram ao tenebroso fundo do abismo!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– E, porventura, não é assim? – gritou o desventurado, interrompendo- a – Compelido pelas circunstâncias da vida humana a servir numa igreja que me enganou, negam-me o direito de reclamar?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Evangelho não tem palavras de mel para o ato de Judas. </span><br />
<span style="font-size: x-large;">Deverei, por minha vez, louvar os que me traíram?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não, Domênico. Vossos amigos não cogitam de criticar instituições.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desejam tão somente amparar-vos. Não concordais no vosso desvio da conduta cristã? Teríeis, de fato, agido como sacerdote fiel aos sagrados princípios esposados? Esperaríeis um paraíso de vantagens imediatas, para cá dos túmulos, tão só pelas insígnias exteriores que vos diferençaram dos outros homens?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não ponderastes a extensão das responsabilidades desassumidas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! que perguntas! – exclamou o interpelado, com indisfarçável azedume – A organização religiosa a que servi prometeu-me honras definitivas. Não era eu diretor de grande coletividade social?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"> Não ministrava o Santíssimo Sacramento? Não fui recomendado ao Céu?...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Apesar de tais protestos, o padre Domênico já acusava sinais de transformação íntima. Fizera-se-lhe a voz mais triste, denunciando capitulação próxima. O fato de ele nos sentir de mais perto, através da audição, facilitava-nos a atuação magnética de auxílio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ao término de suas interrogações reticenciosas, Luciana observou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– As igrejas, meu amigo, são sempre elevadas e belas. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Consubstanciam, invariavelmente. o roteiro de nosso encontro Divino com o Pai de infinito amor. Ensinam a bondade universal, o perdão das faltas, a solidariedade comum. Mas, e os nossos crimes,<br />fraquezas e defecções? Em geral, todos nós, filiados a correntes várias do pensamento religioso na Terra, exigimos que se nos faça justiça, esquecidos, contudo, de que as noções de justiça envolvem a existência da Lei. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">E como ludibriar a Lei, soberana e inalterável, embora compassiva em suas manifestações? Não concordais que é absurdo reclamar determinado procedimento dos outros, esperando para o nosso “eu” tirânico e desequilibrado as compensações somente devidas aos observadores das regras de purificação, das quais não passamos de meros expositores no campo do ensinamento?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! oh! e a confissão? – tornou Domênico, visivelmente impressionado com as palavras ouvidas – Monsenhor Pardini ouviu-me, antes da morte, e absolveu-me...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– E confiastes em semelhante medida? Vosso colega de sacerdócio poderia induzir-vos ao bom ânimo e à coragem necessária ao serviço de reparação futura, mas não conseguiria subtrairvos à consciência os negros resultados mentais dos atos praticados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vosso coração, padre, é um livro aberto aos nossos olhos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Envolvido nas trevas, injuriais o nome de Deus e sua justiça; no entanto, a viva descrição de vossas reminiscências são bastante expressivas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Porque Domênico se calasse humilhado, sob a vigorosa influenciação magnética de Zenóbia, que o mantinha nos braços, a clarividente prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vejo-vos a derradeira noite na existência carnal. Acompanho-vos em noite fria, sob fortes rajadas do vento de céu sem lua.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desviastes o passo de centro populoso e enveredais por estrada sombria de recanto suburbano. Não somente vos observo a forma física. Sinto-vos igualmente o estado emocional.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Empolgado pela visão embriagante dos sentidos, penetram um lar honesto, cego por sentimento menos respeitoso para com alguém que vos ouviu, inadvertidamente, as palavras finas de sedução e malícia. Alijastes<br />a batina escura, como quem despe incômoda capa.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Envergais agora, na intimidade de pequeno salão verde, perfumado costume de casimira cinza-claro. Absorvida por vossas referências gentis, que apenas traduzem propósitos de sensação, distantes de qualquer sentimento edificante, certa mulher cede às vossas promessas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"><br />Alguém, todavia, demora-se espreitando-vos. É um homem que se certifica da ocorrência e afasta-se, alucinado, sem que lhe identificásseis a presença. Trata-se do esposo ofendido, em dolorosa crise passional.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Distancia-se, a caminho da pequena cidade próxima, tomado de dor selvagem. Penetra grande empório de bebidas e adquire um litro de vinho antigo, por alto preço. Afasta-se, angustiado, e, oculto à sombra de árvores acolhedoras, adiciona<br />ao conteúdo do frasco pequena porção de substância venenosa, fulminante. Em seguida, espera-vos, de longe, acariciando a idéia do assassínio. Noite alta, regressais ao presbitério; e o adversário, como quem volta de ligeira viagem, saúda-vos, agradavelmente, com dissimuladas demonstrações de estima e confiança. Paira o convite ao vinho reconfortante na madrugada gélida e abris a porta da residência paroquial. Entrais calmo. Na tepidez do interior doméstico, à frente de vasta mesa bem servida, experimentais, honrado, o vinho velho misturado a veneno destruidor. Não tivestes tempo para explicações. Ante vossos gemidos furiosos e roucos, entre esgares de sofrimento, o assassino ri-se e pronuncia aos vossos ouvidos feias palavras de maldição. Quando a respiração se fez mais opressa, o homicida pediu socorro às dependências da casa, depois de inutilizar a prova do crime, ante vossos olhos assombrados. Precipitam-se, em vão, os servidores. Velho eclesiástico aproxima-se, no intuito de ouvir-vos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Deve ser o Monsenhor Pardini, de vossas referências. Compreendendo-vos a dificuldade para manter qualquer conversação, interroga o criminoso, que se declara vosso amigo íntimo e esclarece, fingidamente, que regressava em vossa companhia do próprio lar, onde havíeis entretido confortadora e longa palestra, junto a ele e à esposa, demorando-se aí por insistência dos dois. O criminoso, revelando piedade irônica, assegura que vos acompanhara à casa paroquial, em vista da noite alta e que demandara o interior a vosso convite, para reconfortar- se e que, em plena palestra amistosa, caístes fulminado por síncope singular. Debalde, intentais esclarecimento. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Vossa destra levanta-se e o indicador aponta o criminoso. Monsenhor Pardini aproxima-se. O homicida toma-vos a mão quase inerte e exclama: – “É preciso salvar o padre Domênico! Minha esposa e eu não nos conformaríamos com semelhante perda!” O eclesiástico que vos assiste permanece sob forte emoção. Supõe ser o vingador o companheiro desvelado da vítima e inicia o serviço dos moribundos. Endereçais supremo olhar de impassível desespero ao adversário e compreendeis o próximo fim do corpo. Esfriamse-vos os membros. Viscoso suor vos corre, abundante, do rosto, e, num esforço tremendo, pronunciais, de maneira quase ininteligível, uma frase: – “Eu, pecador, me... confesso. . .” O religioso que vos acompanha, porém, fecha-vos os lábios, no intuito de poupar-vos e assevera: – “Domênico, descansa em paz! Ao sacerdote reto, não se faz necessária a confissão, no alento derradeiro; ainda hoje, ministraste a sagrada partícula! pede a Deus por nós, no Céu!” Em seguida, concede-vos plena absolvição de todos os pecados da existência humana, tratando-vos a personalidade espiritual cheio de santa confiança. A palavra do colega, porém, perturba- vos a consciência. No fundo, sabeis que a morte vos surpreende em doloroso abismo. Em vão, tentais receber a paz que Monsenhor Pardini vos deseja; debalde procurais desviar o olhar do envenenador que vos segue, mordaz. Vossas mãos tombam inertes. O religioso amigo segura o crucifixo que não sentis. Vossos olhos param na contemplação da última cena. Abre-se a porta da alcova espaçosa e alguns servos ajoelham-se, em pranto. Não distante, um sino toca fúnebre aviso. Amanhece.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"> Entretanto, semiinconsciente, fustigado pela dor e pela desesperação, não vos vejo desfrutando as claridades do novo dia que surge. Cá fora, há círios acesos e atitudes respeitosas dos paroquianos que se multiplicam, Visitando-vos os despojos, após o laudo médico de bondoso facultativo que, intimamente, vos crê suicida, fornecendo, porém, explicações da “causa mortis”, como sendo fulminante ataque de angina, a fim de evitar escândalos e perturbações no círculo sempre venerável da religião. Há pessoas que choram sinceramente e ouço comentários elogiosos ao vosso pastorejo sacerdotal. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Dentro de vós, todavia, prevalece imensa noite. Gritais como o cego, ao abandono, no primeiro instante de cegueira inesperada. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Porém, ninguém vos ouve. Relacionais o crime de que fostes vítima, rogais providências contra o matador, mas os ouvidos humanos, agora, permanecem noutras dimensões. Buscais o recurso de fugir, mas invencíveis grilhões vos ligam ao cadáver. Ao crepúsculo, processa-se o enterramento. Abre-se o templo suntuosamente ornamentado com flores roxas. Cânticos tristes evolam-se do coro e toda a nave cheira a incenso. Com grande pompa em todas as minudências das exéquias, vosso corpo desce ao último abrigo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entretanto, permaneceis ligado às vísceras decompostas... A descrição da enfermeira impressionava-me, profundamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A entidade infeliz parecia tocada nas mais recônditas fibras do ser. Após breve espaço, Luciana prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Com o sepultamento do corpo, começaram para vossa alma infinitos padecimentos. Permaneceis atormentado pela ansiedade, pela fome, pela sede, pela dor...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não posso precisar quanto tempo gastais em semelhante angústia. Sinto, porém, que a entidade sofredora de certa mulher vos visita o sepulcro. Estende-vos braços horrendos e, sob impressão de pavor, conseguistes desatar o laço ainda restante que vos prende ao corpo disforme, fugindo a praguejar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vosso quadro consciencial modifica-se. Recordais o drama da infortunada que vos apareceu, suplicante. Oh! foi também vítima de vosso poder fascinador...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A leitura mental de vossas lembranças revela as particularidades da experiência final da tresloucada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Pobre mulher crédula e confiante! Vejo-a chegando ao presbitério em tempestuosa noite. Experimentais a emoção inferior do homem menos digno que sente o império absoluto sobre a presa... A pobrezinha, todavia, chora e roga-vos auxílio. Pronuncia palavras de comover corações de pedra, mostrando indefinível desalento. Percebo o que diz... Confiou excessivamente em vossas promessas e cedeu aos vossos caprichos de homem vulgar. A princípio, acreditou que não adviriam desagradáveis conseqüências, certa da possibilidade de fugir a quaisquer observações. Sabíeis engodar-lhe a inexperiência em assuntos afetivos e proclamáveis a inocência de semelhantes relações. Contudo, agora, anunciava- se um filhinho, preocupando-lhe o coração. Quem a socorreria? Quem lhe restauraria a paz familiar?</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não seria melhor a legalização dos laços existentes? Não deveriam esperar, honrados, a dádiva de um filho abençoado por Deus? </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Escutastes as rogativas sem abalo moral. Com a frieza dos homens de fraseologia brilhante, invocastes o dever sacerdotal como justificativa da impossibilidade, comentastes as convenções humanas e, por fim, propusestes a conciliação do problema, com um casamento apressado e indigno entre a vítima e o último de vossos servos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A jovem soluça convulsivamente, afirmando justa repulsa. Continuais na argumentação prudente e preciosa, mas, com evidentes sinais de loucura, a infeliz abandona-vos, precipitada, ganhando a via pública, sob a chuva torrencial... Acompanho-a. Regressa ao lar paterno, fundamente desequilibrada pelo vosso golpe impiedoso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ah! que horror! Vale-se a desventurada da noite solitária e bulhenta e ingere grande dose de formicida, tentando o ato final da tragédia interior. Ninguém lhe escuta os rugidos de sofrimento selvagem, porque os trovões ribombam no céu. Ao amanhecer, todavia, um pai aflito corre ao vosso retiro repousante e coloca-vos ao corrente do fato. Morrera-lhe a filha, misteriosamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Como aclarar a situação? Não procedia com acerto, buscando o conselho sacerdotal? Recebeis a notícia disfarçando dificilmente a emoção, repetindo textos evangélicos para consolar o amigo confiante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Preocupado, ponde-vos a caminho da residência enlutada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No entanto, sinto-vos perfeitamente o estado mental. Não vos aflige a perda de alguém que vos poderia estorvar a tranqüilidade, preocupa-vos a descoberta de algum recurso, aparentemente digno, que vos conserve a cavaleiro da situação imprevista. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Pronunciando palavras confortadoras, montastes guarda ao cadáver e chamastes médico amigo. Ei-lo que chega! Oh! é o mesmo que vos examinou, no último dia, acreditando-vos suicida! Depois de longa conversação confidencial convosco, o clínico assevera que houve morte natural, com a ruptura de vasos do coração. Recuperam o bem-estar que transparece, de novo, em vossa expressão fisionômica. Vossas referências de consolação tornam-se mais vivas e inteligentes e seguis os funerais, calmo e contrito, embora os olhos esgazeados e terríveis da suicida vos contemplem do féretro, enquanto outros vultos negros, do plano invisível aos homens comuns, vos acompanham no préstito! </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">São almas vingadoras que vos seguem, tenazes!...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Interrompeu-se Luciana, visivelmente comovida, e, dando-nos a entender que a paisagem mental de Domênico se modificara ao influxo de outras lembranças que a narração evocava, transferiu o curso das observações no tempo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ah! sim, vejo bem – continuou, alarmada –, destaca-se infeliz entidade que, certamente, vos consagrou funda afeição. Contempla- vos com desespero e enternecimento simultâneos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Parece-se extremamente convosco. Agora, compreendo. Não foi apenas vosso amigo, foi vosso pai. Reclama, insistente, determinada escritura que não apresentastes. Que vejo? Em torno dele há imagens vivas de recordações angustiosas. Contemplo-lhe a derradeira noite ao vosso lado. Fixa-vos, carinhoso e confiante. A dispnéia concede-lhe trégua mais longa e o moribundo entrega-vos grande testamento, em que relaciona suas últimas vontades. Fala-vos, afetuoso e humilde, de seu passado oculto. Não foi simplesmente o genitor feliz dum sacerdote e de filhos outros que lhe honram o nome, declara. Foi moço arrojado, a comprometer-se em aventuras diferentes. Possuía alguns filhos, a distância do lar, e não desejava partir sem legitimá-los devidamente. Além disso, pretendia garantir-lhes futuro próspero. Escutais com indisfarçável interesse.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, a pedido do genitor, ledes a discriminação de pequenos legados a pupilos dele. O agonizante acompanha-vos, atento, com o olhar. Tendes agora belas palavras nos lábios, justificando-lhe os erros do passado. Sabeis consolar com primores verbalísticos que lhe provocam admiração. Por fim, prometeis ao coração paterno exato cumprimento de seus derradeiros desígnios.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Edificado, confessa-vos ele os deslizes que omitira, declara-vos seu arrependimento “in extremis” e diz de sua esperança no céu, onde Jesus lhe receberá os sinceros desejos de reparação. Palavras entrecortadas por suprema aflição, reitera-vos a súplica de amparo constante a certa mulher, cercada de filhinhos, que esperam dele o sustento necessário... Ajudado por vós, abraça-se ao crucifixo, que contempla de olhos nevoados. Recitais longa e comovente oração, acariciando-lhe a cabeça grisalha. Mais alguns momentos, esforçando-se por ver-vos pela última vez, o moribundo corre os olhos no ato final do corpo. Estais sozinho com o cadáver. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Conservais o polegar e o indicador da mão direita sobre os olhos do morto, a fim de imprimir-lhe boa postura fisionômica. Antes, porém, de qualquer comunicado ao interior doméstico, sepultais o documento em móvel pesado, com intenções francamente hostis aos retos propósitos do desencarnado. Desde esse instante, parece-me que ele vos seguiu, sempre de perto, reclamando, reclamando...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Permanece, angustiado, na tela mental de vossas lembranças vivas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A clarividente pára, de novo, fixando particularidades diversas, enquanto o infeliz Domênico entremostra insopitável comoção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! agora – prosseguiu Luciana, dando conta da tarefa que lhe fora cometida – é outro perseguidor severo!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Salienta-se à minha visão. É um velho eclesiástico, que deixou o aparelho físico endereçando-vos intensas vibrações de ódio. Vossas reminiscências esclarecem o fato. Desejáveis, a qualquer preço, o curato que lhe pertencia. Variados interesses pessoais prendiam-vos o pensamento à pequena cidade sob a orientação do antigo pároco.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Intentais a realização do desejo por métodos suasórios. Em longo diálogo, propondes a compra da paróquia, em caráter particular.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Alegais dispor de bastante influência política para efetuar a transferência, sem abalos, remunerando-lhe a adesão incondicional ao projeto. O velhinho, porém, recusa e justifica-se. Permanece junto àquele rebanho, desde muitos anos. Além disso, está velho, doente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Servira à Igreja com as melhores forças de seus bons tempos de saúde física e espera a possibilidade de morrer ali, respirando o ar amigo do seu pequeno pomar. Reconhece vossa superioridade na questão, considerando-vos as relações prestigiosas no seio do clero e da administração pública e assegura que, se outras fossem as condições, cederia o lugar sem qualquer remuneração ou relutância.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os médicos, entretanto, recomendam-lhe a residência no litoral, para que a atmosfera marinha lhe facilite o esforço do coração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A rogativa comoveria a qualquer. Ouvistes, concordastes e apresentais despedidas arquitetando novo plano. Dali mesmo, sem qualquer escrúpulo, partis em visita pessoal ao bispo da diocese, a quem expondes, com fingida humildade, a solicitação que vos preocupa. Enganado, o dignitário da Igreja ouve, atenciosamente, e aceita o que propondes, recomendando, porém, prévia audiência de seus assessores diretos. Não tendes dúvidas ou ponderações de qualquer natureza. Gratificando companheiros altamente colocados, conseguistes que o antigo sacerdote fosse removido, compulsoriamente, para longínqua paróquia de montanha, onde o ancião morreu, sem delongas, odiando-vos de morte. Intoxicado pela cólera e pelos reiterados desejos de vingança, está cego às manifestações da espiritualidade superior, cercando-vos com ira implacável...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Novo intervalo da clarividente. Luciana, porém, recomeça a exposição, mais alarmada:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Agora, surge determinada mulher. Parece-me que desencarnou depois de melindrosa operação nos olhos. Sim, a vossa tela de reminiscências fala bem alto. Foi vítima do vosso poder fascinante de homem dominador. Ei-la ao vosso lado no último encontro, ainda na esfera carnal. Acabastes a refeição lauta da manhã, quando alguém bate à porta paroquial. Trata-se de pobre mulher, envelhecida prematuramente e quase cega, conduzida por anêmico menino de nove a dez anos, que vos suplica auxílio.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ante a frieza de vossa recepção, a infortunada, em palavras sentidas, invoca o passado de leviandades e pergunta se esquecestes o filho que lhe colocastes nos braços. Chora, gesticula e explica-se. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Trabalhara sinceramente pela própria reabilitação, mas, em toda parte, acusavam-na de prostituição e ociosidade. Lutara heroicamente por manter o filhinho, à custa do serviço honesto, mas adoecera, sem qualquer proteção, e ali estava quase cega, implorando socorro...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Se pudesse, pouparia ao filho ainda criança a humilhação de conhecer o pai desalmado; entretanto, o pequenino abeirava-se da morte.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Surpreendera-o a tuberculose devoradora e suplicava-lhe auxílio financeiro para o tratamento indispensável. A criança contempla- vos, triste e confiada. Ouvistes, indiferente, e ensaiastes resposta estranha. Ao vosso toque particular de campainha, determinado servidor aparece conduzindo cães bravos que ameaçam os pobres pedintes, forçando-os a fugir, espavoridos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A criança, no último degrau da anemia, morre sem recursos e a mãe infeliz desencarna em pavilhão da indigência, com o sinistro desejo de vingar-se de vós, de qualquer modo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interrompera-se Luciana, novamente, como para fixar minúcias apenas visíveis ao seu olhar. De súbito, exclama:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! que horror! Vejo mais!... Diferente mulher de olheiras fundas e negras vestes...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não terminou a observação, todavia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, o desventurado proferiu um grito terrível, desfez-se em lágrimas e exclamou, alucinado de sofrimento moral:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Basta! Basta!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Soluços atrozes lhe rebentaram do peito opresso, sem solução de continuidade. Zenóbia, que lhe mantinha a cabeça no regaço amoroso, tranqüilizou-nos em tom discreto:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Domênico melhora, graças ao nosso Divino Médico. Para o Espírito culpado e sofredor, as lágrimas são também uma chuva benéfica que refrigera o coração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, permaneceu silenciosa, enquanto a seguíamos, enternecidos, de mente voltada para a prece. Depois da longa crise de pranto de Domênico, a diretora da Casa Transitória solicitou ao padre Hipólito que semeasse novas idéias no terreno consciencial arado pela dor, notificando-nos que tomaria alguns minutos para convocar, mentalmente, a exgenitora do antigo pároco desencarnado, para que o mísero fosse reconduzido à Esfera da Crosta, no processo inicial da reencarnação futura.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A orientadora entrou em funda meditação, ao passo que Hipólito ergueu a voz, dirigindo-se ao mendigo de luz:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmão Domênico, o Senhor Misericordioso ouviu-nos a rogativa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desejas, efetivamente, a redenção?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O interpelado, ao que deduzi, despreocupou-se inteiramente da pergunta e, mantendo forte impressão, relativamente às afirmações que ouvira, indagou a seu turno:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ah! Existe então a Justiça Divina, anotando-nos as faltas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Há cadastros tão minuciosos para os mais secretos feitos do Espírito?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Trazemos na própria consciência o arquivo indelével dos nossos erros – comentou Hipólito, com inflexão de piedade –, como os justos são portadores das notas íntimas que os glorificam diante do Pai Altíssimo. Cerra, para sempre, meu amigo, a porta do “ego inferior”! Cala a vaidade, o orgulho, a impenitência! Não maldigas. A Igreja que nos reunia, no círculo carnal, é santa em seus fundamentos. Nós é que fomos maus servos, desviando-lhe os princípios básicos para a satisfação de instintos dominadores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Procurávamos o reino transitório do poder temporal, através de puras manifestações do culto externo aliado à política corruptora, olvidando, deliberadamente, o Reino de Deus e Sua Justiça. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Poderemos culpar, porventura, as mães devotadas pelos crimes voluntários dos filhos? A igreja universal de Jesus-Cristo, que congrega todos os seus apóstolos, servidores, discípulos e aprendizes, é mãe amorosa e fiel. De novo, soluçante, o Espírito infortunado revelava-se ferido nas fibras mais íntimas, provocando-nos comoção e lágrimas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não condenes – prosseguiu o companheiro –. Quantos antigos superiores nossos expiam nas regiões tenebrosas!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Quantos se enganaram, honrando no mundo a si mesmos, esquecendo o Senhor que “passou fazendo o bem”! Muitos dos dignitários orgulhosos que nos dirigiam as atividades, com o cálculo a presidir-lhes as deliberações, baixaram ao sepulcro, em solenes exéquias, através de fanfarras e esplendores, para comparecerem aqui em dolorosas necessidades do coração, quais miseráveis mendigos!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Muitos aguardam dias melhores, no fundo de viscosos pântanos do ódio destruidor; outros imploram socorro, ansiosos de paz e renovação. Por que motivo não nos restaurarmos também, a fim de movimentarmos o necessário serviço do amor que redime sempre?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Levantemo-nos, meu irmão, para sermos úteis aos companheiros de outro tempo, reconduzindo-os ao porto de salvação!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recordemos Aquele, em cujo nome augusto juramos fidelidade ao Céu, na Terra. Dói-te a penitência, fere-te a humilhação? E Ele?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Porventura não percorreu a via dolorosa, como vulgar malfeitor?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não aceitou a cruz que o flagelaria até à morte?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim – concordou o interlocutor, tristemente –, tudo isso é verdade!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Significativo gesto de Zenóbia compeliu o padre Hipólito a suspender as considerações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dando-nos a certeza de que respondia ao chamamento silencioso da orientadora, alguém compareceu perante a nossa reduzida assembléia. Era uma velhinha simpática, que nos conquistou, de pronto, pela delicadeza e generosidade irradiantes. Abraçou a irmã Zenóbia, como se o fizesse a uma filha muito amada e cumprimentou- nos, cortês e reconhecida.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Dispensávamos qualquer apresentação. Tratava-se de Ernestina, a dedicada mãe. Ajoelhou-se junto ao filho desventurado e, de mãos postas, rogou a proteção<br />dos Céus.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fosse pela renovação profunda daquela hora que lhe modificara o padrão vibratório, fosse porque as forças invisíveis de ordem superior manipulavam as nossas energias conjuntas em benefício do infeliz, Domênico, que era cego perante nós outros, conseguiu enxergar a recém-chegada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Comoventes gritos alcançaram-nos o íntimo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mamãe! mamãe!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aquela criatura que se mostrara tão rígida e indiferente, o eclesiástico que zombara de tantos corações na Terra, segundo retrospecção do pretérito que Luciana levara a efeito, igualmente<br />invocava o nome de mãe, como se fora chorosa criança desviada do lar. Abriu, ansioso, os braços, procurando-lhe o seio amigo, e Zenóbia, com carinhoso cuidado, ajudou-o a refugiar-se no colo materno. Ernestina apertou-o, então, de encontro ao peito e pareceu- me que o infortunado sentia o contacto maternal, como se houvera alcançado o repouso supremo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mãe, minha mãe! – gritava, colando a cabeça ao tórax inclinado para a frente, a fim de melhor fazer-se sentir – ajuda-me!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Perdoa-me! Perdoa-me!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E recordando, talvez, o trabalho da clarividente que lhe alterara o ser, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A justiça divina descobriu-me; sou um réprobo sem perdão, um celerado infernal. Hediondo passado está vivo, dentro de mim.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Oh! mamãe, és capaz de suportar-me, quando todos me detestam?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ernestina aconchegou-o mais perto do coração e falou, comovida:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Eu não sei, meu filho, se foste criminoso; sei que te amo com toda a alma, sei que sentia profundas saudades de tua presença carinhosa, no desejo enorme de sentir-te, de novo, junto de mim! Que haveria de mais belo para meu coração que o doce enternecimento desta hora? Deixa que nasçam em ti pensamentos de júbilo e reconhecimento ao Pai de inesgotável bondade que nos reúne compassivamente. Medita um instante, Domênico, sobre a grandeza divina e certifica-te de que ninguém permanece ao abandono.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O pensamento de gratidão a Deus, dentro das sombras do sofrimento, é como raio brilhante de aurora, preludiando a vitória plena do Sol sobre as trevas densas da noite. Qual de nós não terá sido defrontado pela tormenta da ignorância? Todos tivemos pedras e espinhos na longa estrada da redenção. Muitas vezes caímos; entretanto, a mão invisível do Senhor arrebatou-nos, misericordiosa, do mergulho na lama ou das furnas do abismo! Tem<br />coragem e levanta-te intimamente para o novo dia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O mísero contemplava-a, enlevado, como se tivesse sob os olhos a mais formosa visão de sua vida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sou, porém, um malfeitor, réu de crimes sem perdão! – falou tristemente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não, meu filho – alongou-se a palavra materna –, foste enfermo, como nós outros. Escutaste as sugestões do mal e cultivaste úlceras dolorosas. Desequilibraste o coração, resvalando no despenhadeiro. Não te esqueças, porém, de que Jesus é o Divino Médico. Aceita a tua necessidade de medicação e dirige-te a Ele na súplica sincera de quem deseja a cura real para a vida eterna.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nós outros, os que intentamos auxiliar-te, não chegamos ainda à posição dos que tudo podem ou que muito sabem. Somos trabalhadores interessados em nossa própria iluminação pelo trabalho incessante, na execução da vontade do Altíssimo. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Desenvolvemos nossas faculdades superiores, sem abalos e sem milagres, adquirindo valores novos, ao preço de nosso próprio esforço na paciente edificação de nosso espírito para Deus.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Acreditarias, porventura, que tua mãe estivesse no paraíso, em gozo beatifico, inteira mente esquecida de seus imensos débitos para com todos aqueles que lhe partilharam o afeto e a luta, nos serviços salvadores da carne terrestre? Admitirias, acaso, que apenas o carinho materno me garantiria posição definitiva no campo celestial? Não, Domênico.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Horizontes diversos abrem-se para nossas almas, no Universo infinito. Nossas existências são dias abençoados de trabalho, em que, ao sol do dever nobilitante e às chuvas da experiência construtiva, desabrocham e crescem nossas faculdades Divinas para a Eternidade. É verdade que os erros deliberados turvam-nos a consciência, compelindo-nos a gastar valiosas possibilidades de tempo na luta reparadora, mas o Senhor jamais nega recursos de retificação aos que lhe rogam socorro, no propósito fiel de reconquistar a harmonia Divina.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Após a travessia do túmulo, continuamos trabalhando e edificando, iluminando e redimindo... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Não desejarias, portanto, aderir ao nosso serviço de elevação? Não pretenderás fugir ao círculo de sombras, a fim de ganhar os caminhos bem-aventurados da luz?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O olhar do infeliz adquirira diferente expressão. A palavra incisiva e branda de Ernestina transformava-lhe a mente, pouco a pouco.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Reconhecendo o efeito de suas advertências salutares, prosseguiu a devotada benfeitora:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não seja a recordação angustiosa dos tempos idos obstáculo insuperável à realização de que necessitas presentemente. Todos aqueles a quem feriste não desapareceram para sempre. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Prosseguem tão vivos quanto nós e poderás, na condição de servo humilde, buscar os credores de outra época, atendendo, em teu próprio benefício, a exigência do resgate necessário. O êxito, entretanto, pede um coração ardente na fé viva e um cérebro desassombrado, pronto a compreender o bem e a praticá-lo. Sem a esperança arrojada e sem espírito de serviço, dificilmente saldarás o débito pesado que te prende a alma a esferas grosseiras e inferiores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A fim de conquistares semelhantes valores, considera a Eternidade e o infinito amor de Deus. Não te encarceres em ponderações de natureza humana, vendo sacrifícios onde apenas palpitam sublimes oportunidades de ventura e redenção. Se a consciência te acusa, roga a Jesus orvalhe o teu íntimo de santificada esperança!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Basta uma gota desse rocio divino para que o deserto da alma floresça e frutifique em bênçãos de paz e felicidade para sempre.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não desanimes, Domênico! Deus permite que a alvorada siga a noite escura. Porque não confiarmos, de maneira absoluta, no Supremo Poder? Somos nada, meu filhinho, mas o Pai Misericordioso tudo pode.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A presença reconhecida de sua mãe completara-lhe a modificação benéfica. O sofredor, como o náufrago desesperado atingindo porto amigo e reconfortante, esquecera as palavras odientas e blasfemas de minutos antes e, conchegando-se ao coração materno, rogava:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Minha mãe, o infortúnio colheu-me o espírito desventurado!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não me abandones! Não me abandones!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nunca – disse a nobre matrona desencarnada, sufocando as próprias lágrimas –, peço-te, porém, meu filho, que jamais abandones a Jesus, nosso Mestre e Senhor!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim – retrucou Domênico em pranto forte –, Jesus, nosso Mestre, nosso Senhor!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fizeram-se longos instantes de silêncio, entre nós.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De olhos lacrimosos, perdidos agora no espaço, a evocar, talvez, paisagens de muito longe, o ex-sacerdote comentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! mamãe, que saudade de minhas preces em criança!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse tempo que vai tão longe, ensinavas-me a ver o Criador do Universo em todas as dádivas da Natureza. Meu coração banhava-se, feliz, na fonte cristalina da confiança e o amor da simplicidade<br />habitava minh'alma venturosa!... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Depois, no torvelinho do mundo, perverti-me ao contacto dos homens ambiciosos e maus. Ao invés da piedade, cultivei a indiferença; em lugar do amor fraterno, legítimo e ativo, coloquei o ódio inexorável aos semelhantes; ocultei o coração e exibi a máscara, fugi às verdades de Deus e fantasiei-me de humanas ilusões! Por que fraquezas singulares pode o homem operar semelhante permuta? Porque menosprezar tesouros de vida eterna e mergulhar-se em tão sinistros enganos? </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Oh! tu que conservaste a doce confiança do primeiro dia; que nunca sorveste o venenoso absinto que me embebedou na Terra, faze-me esquecer, por piedade, o homem cruel que eu fui!... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Anseio retornar à serenidade ingênua do berço; angustia-me a sede de tornar à verdadeira fé! Ajuda-me a dobrar os joelhos, novamente, e a rezar de mãos postas para que o Pai do Céu me faça esperar sem aflição e esquecer o mal sem olvidar o bem!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ernestina, extremamente emocionada, auxiliou-o a prosternar-se, amparando-o, porém, com inexcedível ternura.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, copiando os gestos das mãezinhas cuidadosas e desveladas segurando criança tenra, uniu-lhe as mãos em súplica e, chorando para dentro de si mesma, disse-lhe:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Repete, filho, as minhas palavras.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Numa cena comovedora, que jamais me fugirá da recordação, a dedicada genitora orou pausadamente, acompanhando-a Domênico, sentença por sentença:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Senhor Jesus!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Senhor Jesus!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Eis-me aqui,</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Eis-me aqui,</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Doente e cansado aos teus pés,</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Doente e cansado aos teus pés,</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Compadece-te de mim, bem-amado pastor, de mim, ovelha desgarrada de teu rebanho... Ofuscou-me o brilho falso da vaidade humana, a ilusão terrestre embotou-me o raciocínio, o egoísmo<br />enrijeceu-me o coração e caí no precipício da ignorância, como leproso do sentimento. Tenho chorado e sofrido amargamente, Senhor, minha defecção espiritual. Mas eu sei que és o Divino Médico, dedicado aos infelizes e transviados do caminho... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Por piedade, livra-me da prisão de mim mesmo, liberta-me do mal resultante de minhas próprias ações, faze que meus olhos se abram à luz Divina! </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Nutre-me com a tua verdade soberana, ampara-me a esperança de regeneração! Senhor, dá-me forças para ressarcir todas as dívidas, curar todas as chagas, corrigir todos os erros que se acham vivos dentro de mim... Perdoa-me, concedendo-me recursos para o resgate, não me deixes entregue aos resquícios das paixões que eu mesmo criei impensadamente, favorecendo-me com as tuas repreensões silenciosas nas situações disciplinares e, sobretudo, Benfeitor Sublime, retribui aos teus servos que me auxiliam, nesta hora, conferindo-lhes renovadas bênçãos de energia e paz, a fim de que auxiliem a outros corações tão extenuados e caídos quanto o meu! Jesus, confiaremos em tua compaixão para sempre! Assim seja!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Domênico repetira a oração, frase por frase, qual menino dócil e interessado em aprender a lição. Ao que deduzimos, a rogativa fizera-lhe profundo bem. Abraçou-se a Ernestina, mais calmo, e, enquanto a diretora da Casa Transitória lhe seguia os mínimos gestos, sem que ele lhe percebesse a presença, perguntou, de improviso:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Minha mãe, já que a tua ternura veio ao meu encontro no círculo das trevas, dize-me: onde está Zenóbia? Ter-me-ia abandonado para sempre?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fundamente surpreendido, notei que a indagação era feita com inflexão dorida de saudade e desencanto. – Certamente, meu filho – apressou-se Ernestina em responder –, nossa amiga acompanha-te de esfera superior, implorando a Jesus te abençoe os propósitos de redenção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! – tornou ele, triste – se a existência humana nos houvesse unido, outro teria sido meu destino. Ela, porém, desposou outro homem quando era maior minha confiança no futuro, compelindo- me ao celibato sacerdotal, que se fez seguir de tão deploráveis conseqüências para mim. Se houvéssemos organizado o ninho doméstico, não me faltaria a confiança em Deus, teria sido talvez pai generoso e meus filhos ser-me-iam sagrada coroa de responsabilidade e alegria. Zenóbia, minha mãe, era a lente milagrosa através da qual eu sabia ver o mundo noutro prisma. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Em companhia dela, teria adquirido o dom de ver as oportunidades Divinas que me cercaram o coração. Todavia, quando a sorte ma arrebatou, esvaiu-se-me todo o sonho de construção equilibrada na Terra... Dominado pela dor de perdê-la, acreditei que a Religião me ofereceria refúgio inexpugnável contra as tentações. Que terrível engano! Sitiado num mundo de convenções que me constringia o espírito e distanciado da sublime influência da única mulher que, a meu ver, me poderia salvar, despenhei-me, de abismo<br />em abismo, convertendo-me num demônio insaciado, a destruir e perverter... Teria ela compreendido, algum dia, como fui infeliz?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Apiedar-se-ia de minha dor cheia de miséria e ruínas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ernestina afagou-lhe a cabeça, maternalmente, e exclamou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Cala-te, meu filho! Não te presumas o único sacrificado. Se houvesses aceitado a Vontade Divina, o presente ser-nos-ia menos doloroso. Não te estribes em fatos humanos, naturais e necessários, para justificar os desvarios que te precipitaram nas sombras fatais! Zenóbia foi sempre verdadeiro anjo entre nós. Não comentes com mágoa acontecimentos que se foram, que lhe custaram uma existência inteira, de renúncia santificante pelos pais, pelo esposo, pelos filhos e por nós! – Entretanto – atalhou ele –, tínhamos sublime compromisso, desde a infância, e a nossa primeira mocidade foi um paraíso de promessas mútuas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O carinho materno, todavia, não o deixou terminar. Colocando-lhe o indicador sobre os lábios, num gesto compassivo de mãe, Ernestina acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ouve, Domênico! Quem teria sido a maior vitima? O homem jovem e forte, que se recolheu livremente à organização religiosa a facultar-lhe mil processos diferentes na prática do bem, ou a pobre menina forçada pelas circunstâncias da luta terrestre a desposar um viúvo, rodeado de filhinhos aos quais deveria dedicar-se na categoria de mãe? Buscaste voluntariamente a ordenação sacerdotal, enquanto Zenóbia, constrangida por situações angustiosas, aceitou um caminho de abnegação contrário aos sonhos de sua juventude. Absolutamente entregue às tuas próprias criações individualistas, não foste fiel aos princípios esposados, ao passo que Zenóbia perseverou no sacrifício e na fé viva até ao fim, embora esmagada ao peso das diárias humilhações ao seu ideal de mulher. Erraste para satisfazer a ti mesmo, incapaz de acalmar as paixões inferiores que te ardiam no peito, enquanto nossa venerável amiga aceitava, humilde, as circunstâncias que lhe atormentaram o ser, anos seguidos, em benefício de todos nós.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Pondera, pois, Domênico! Qual teria sido a verdadeira vítima?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Poderemos comparar a abnegação com a insensatez?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Percebia-se que a elevada orientadora se ligava aos dois, através dos fios de doloroso romance que não nos era dado conhecer.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Domênico escutou compungidamente as observações, calou-se longo tempo, internado talvez no plano de longínquas recordações e concluiu, tristemente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É verdade!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Compete-nos, agora – falou Ernestina, com brandura –, avançar para alcançá-la. Nesse instante, embora discretamente, Zenóbia começou a chorar, contemplando-lhe o rosto, debruçada sobre ele e, certo, em obediência ao vigoroso desejo da diretora da Casa Transitória, Domênico sentiu que as gotas quentes de pranto lhe caíam na face melancólica.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Fixou os olhos maternais com expressão indagadora, e, reconhecendo que semelhantes lágrimas não tinham aí sua origem, perguntou, angustiado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! minha mãe, quem estará chorando sobre mim?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A benfeitora carinhosa, cujo olhar descortinava todas as particularidades a cena comovente, respondeu sob forte emoção:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Os anjos choram de júbilo nas regiões celestes, quando um coração sofredor se levanta do abismo...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O ex-sacerdote meditou longos momentos, dando-nos a impressão de grande alívio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Compreendendo a oportunidade feliz, Ernestina convidou-o:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vamos, filho. Movido pela Misericórdia Divina, o relógio do tempo fez soar para teu espírito a hora abençoada da redenção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A porta do resgate abre-se de novo à tua alma oprimida. Que o Céu nos abençoe!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irei contigo, mãe, aonde quiseres – respondeu o infortunado, sem amargura.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A venturosa mãe endereçou-nos expressivo olhar de agradecimento, enlaçou-o nos braços, como se o fizesse a uma criança enferma, e partiu, suportando o valioso fardo, em direção à Crosta Planetária, a desafiar, jubilosa e feliz, as sombras densas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Novamente a sós, reparei que a irmã Zenóbia se mantinha transfigurada, ditosa. Enxugou as lágrimas, revelando nos olhos alegrias desconhecidas. Estendeu-nos a destra, em sinal de gratidão e contentamento. E contemplando, talvez, a paisagem do futuro, demorou-se em meditação, na qual, certamente, enviava seu hino interior de reconhecimento ao Altíssimo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, fitou-nos, tranqüila, e falou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmãos, que o Senhor lhes recompense a colaboração fraternal, repartindo com todos a felicidade que me atingiu.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Graças a Ele e aos dedicados amigos, acabo de vencer uma grande batalha na guerra do amor contra o ódio, da luz contra as trevas e do bem contra o mal, em que me encontro empenhada, desde muitos anos.</span><br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, atendendo ao plano de trabalho organizado pela sábia orientadora, nos reuníamos aos diversos auxiliares que se detinham a distância, a fim de nos comunicarmos com os filhos da ignorância e do infortúnio, temporários habitantes do abismo. </span></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-39686470062554838112017-08-30T07:14:00.003-07:002017-08-30T07:14:57.258-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">8 - Treva E Sofrimento</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4tO4UEn9H30z9yv9P1ZUMXZKnmtQlFcNjoBGh9Q1N4-Gz982dL3pyz2w4Melq3SKVK79QdC_LLIUYaxgE5Aker2XsEpEPTfM1FcFFaQ_YC0o3MfIkZeu0xK9PWsLF-uQn2120MOrWUEQ/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4tO4UEn9H30z9yv9P1ZUMXZKnmtQlFcNjoBGh9Q1N4-Gz982dL3pyz2w4Melq3SKVK79QdC_LLIUYaxgE5Aker2XsEpEPTfM1FcFFaQ_YC0o3MfIkZeu0xK9PWsLF-uQn2120MOrWUEQ/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: large;">Completa a comissão de serviço de que Zenóbia se fazia acompanhar,<br />pusemo-nos em marcha, abeirando-nos do vale de treva e sofrimento.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />A sombra tornava-se, de novo, muito densa e não se conseguia divisar o recôncavo. Frases comovedoras, porém, subiam até nós. Dolorosos ais, blasfêmias, imprecações. Guardava a idéia de que vastíssimo agrupamento de infelizes se rebolcava no solo, em baixo. Os impropérios infundiam receio; contudo, os gemidos ecoavam-me angustiosamente n'alma.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;"> Certo, os demais companheiros experimentavam análogas emoções, porque a irmã Zenóbia tomou a palavra, esclarecendo:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Os padecimentos que sentimos não se verificam à revelia da<br />Proteção Divina. Incansáveis trabalhadores da verdade e do bem<br />visitam seguidamente estes sítios, convocando os prisioneiros da<br />rebeldia à necessária renovação espiritual; no entanto, retraem-se<br />eles, revoltados e endurecidos no mal. Lamentam-se, suplicam e<br />provocam compaixão. Raramente alguns deles nos ouvem o apelo.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Às vezes, intentamos impor-lhes o bem. Entretanto, quando<br />retirados compulsoriamente do vale tenebroso, acusam-nos de<br />violentadores e ingratos, fugindo ao nosso contacto e influenciação.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Embora o triste conteúdo da notificação, Zenóbia no-la fornecia,<br />inflamada no espírito de serviço, a julgar pelo bom ânimo que<br />transparecia de seus gestos e palavras.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– A negação deles – continuou a orientadora – não é motivo<br />para qualquer negação de nossa parte. Lembremo-nos de que o<br />esforço da Natureza converte o carvão em diamante... Trabalhemos<br />em benefício de todos os necessitados, procurando, para o nosso espírito, o divino dom de refletir os Supremos Desígnios.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Façam-se as obras da vida, não como queremos, mas como o Senhor determine. Grande é a beneficência do Pai para conosco.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Repartamo-la em serviço de fraternidade e esclarecimento, na<br />harmonia comum.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Em seguida, dez cooperadores, obedecendo-lhe as ordens, acenderam focos de intensa luz.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Contemplamos, então, sensibilizados e surpresos, monstruoso<br />quadro vivo. Vasta legião de sofredores cobria o fundo, um pouco<br />abaixo de nossos pés. A rampa que nos separava não era íngreme,<br />mas compacto e enorme o lamaçal.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Em face da claridade brusca, muitas vozes suplicaram socorro,<br />em frases angustiosas que nos cortavam a alma. Outras, porém,<br />faziam-se ouvir, diferentes: vociferavam blasfêmias, ironias,<br />condenações.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Recomendou Zenóbia, por necessário ao êxito de nossos trabalhos,<br />nos congregássemos todos em grupo exclusivo, de modo a<br />infundir respeito e temor nas perigosas entidades que ali se misturavam aos infelizes, acrescentando:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Os adeptos da revolta e do desespero encontram-se igualmente<br />aqui, compelindo-nos a severa atividade defensiva. São<br />pobres desequilibrados que tentam induzir todas as situações à<br />desarmonia em que vivem.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Em seguida, solicitou ao padre Hipólito dirigisse apelo geral,<br />em nome do Senhor, às vítimas do infortúnio, para que considerassem a necessidade da transformação íntima.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />O ex-sacerdote abriu pequeno manual evangélico que carregava<br />consigo e leu, na relação do Apóstolo Lucas, a parábola do<br />homem rico que se vestia de púrpura, em regalada existência, enquanto o mendigo chaguento lhe batia, debalde, à porta da sensibilidade.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Pronunciou, alta e pausadamente, todos os versículos, desde o número dezenove ao trinta e um, no capítulo dezesseis.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Logo após, enchendo o expressivo silêncio, destacou a sentença<br />“Lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida”, constante<br />do versículo vinte e cinco, e dispunha-se ao comentário, quando<br />certos gritos blasfematórios chegaram até nós, ameaçadores e sarcásticos:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Fora! Fora! Abaixo as mentiras do altar!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Ataquemos de vez o padre!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Estamos bem, somos felizes! Não pedimos auxílio algum,<br />não precisamos de arengas!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Temos aqui o nosso céu! Vão para os infernos!...</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Os adversários gratuitos de nossa atuação não se limitaram ao<br />vozerio perturbador. Bolas de substância negra começaram a cair,<br />ao nosso lado, partindo de vários pontos do abismo de dor.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– As redes! – exclamou Zenóbia, dirigindo-se a alguns colaboradores – estendam as redes de defesa, isolando-nos o agrupamento.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />As determinações foram cumpridas rapidamente. Redes luminosas<br />desdobraram-se à nossa frente, material esse especializado<br />para o momento, em vista da sua elevada potência magnética,<br />porque as bolas e setas, que nos eram atiradas, detinham-se aí,<br />paralisadas por misteriosa força.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />A diretora da Casa Transitória, afeita a ocorrências iguais àquela,<br />fornecia-nos belo exemplo de firmeza e serenidade. Após<br />organizar a defensiva, fez sinal ao pregador para que falasse; e o<br />padre Hipólito, sobrepondo-se aos ruídos e insultos, iniciou o comentário com empolgante acento:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Irmãos, que vos prepareis para a recepção da Luz Divina, é<br />o nosso desejo fraternal! Reúnem-se aqui várias centenas de infortunados companheiros em precárias condições espirituais. De alma esfrangalhada pela dor, vencidos de aflição, suportando inomináveis padecimentos, entregai-vos, muita vez, ao desalento, à<br />rebeldia e ao desespero. Perturbada e desditosa, vossa mente não<br />sabe senão fabricar pensamentos de angústia destruidora. Alegais<br />que as Forças Divinas vos esqueceram no vale fundo das trevas e,<br />de negação em negação, transformai-vos, gradativa e naturalmente,<br />em perigosos gênios da sombra e do mal, personificando figuras<br />diabólicas e assediando, indistintamente, as obras edificantes<br />dos mensageiros do Pai. Cruéis perversões interiores modificam-vos<br />o aspecto fisionômico. Não vos assemelhais às criaturas humanas<br />que fostes, repletas de dons Divinos, e, sim, a imagens vivas<br />das regiões infernais, infundindo compaixão aos bons, receio<br />e pavor aos mais tímidos. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Na lastimável posição mental a que vos conduzistes e na qual muitos de vós outros perseverais apaixonadamente, sois tão autênticos demônios da perversidade e do crime, que nem mesmo as vergastadas da dor conseguem modificar a boca disforme. Entretanto, sois nossos irmãos mais infelizes, aleijados do sentimento e do raciocínio, perdidos em dolorosos desertos da ignorância, não por falta de amor da Providência Celeste, mas pela própria imprevidência no descaso com que recebestes na Terra todas as oportunidades de ascensão à esfera superior do espírito eterno. Por mais que nos expulseis de vossas congregações de sofrimento, nunca escasseará, para convosco, nossa sincera comiseração. Visitaremos a paisagem sinistra dos abismos, quantas vezes se façam necessárias. Nunca nos cansaremos de proclamar a misericórdia excelsa do Pai e jamais se imobilizará nossa mão fraterna no sublime serviço da semeadura do bem e da verdade!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />As palavras injuriosas que ouvíamos antes, desapareceram,<br />pouco a pouco. A franqueza de Hipólito triunfara, O pregador<br />falava com ardorosa eloqüência e, possuído de angélicos pensamentos, todo ele irradiava luz. Ante o respeitoso silêncio que o seu verbo inflamado provocara, prosseguiu, comovendo-nos: – Dominam-vos a inveja e o despeito, a maldade e o sarcasmo,<br />quando não permaneceis aniquilados de supremo terror. Emitis<br />desordenadas paixões, entre coros de ironias e lágrimas... </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Quase todos,recebeis nosso concurso amoroso, reagindo, impenitentes.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Acreditais que somos agraciados por favores indébitos, que<br />somos prediletos dos Céus e afirmais levianamente que privilégios<br />gratuitos nos felicitam a vida. Ó meus amigos! não vos falará,<br />porventura, a inteligência da justiça indefectível que rege toda<br />a vida? Somos, também, batalhadores a longa distância da última<br />vitória sobre nós mesmos, encontramo-nos, igualmente, no mesmo<br />carreiro de redenção. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Trabalhamos, lutamos, choramos e sofremos;<br />apenas diverge de algum modo a nossa posição da vossa,<br />porquanto, nós outros, que vos dirigimos a palavra tranqüila e<br />fraterna, já iniciamos o luminoso aprendizado do reconhecimento<br />a Deus, nosso Pai, todo poder, justiça e misericórdia, agradecendo<br />ao Cristo, o Divino intermediário, o ensejo de trabalho e realização<br />no presente. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Também sentimos saudades do lar terrestre e dos<br />brandos elos afetivos que se movimentam agora, muito distantes,<br />experimentando, como vos acontece, o vivo desejo de regressar ao<br />passado, a fim de retificar os caminhos percorridos e, quase sempre,<br />debalde procuramos aqueles que nos testemunharam amor,<br />com o fim de beijar-lhes as mãos e pedir-lhes esquecimento das<br />nossas fraquezas. Possuímos, todavia, a felicidade de compreender<br />a extensão de nossos débitos e pusemo-nos, desde muito, a<br />caminho do futuro redentor.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Penetrando a interpretação direta da parábola, Hipólito modificou<br />o tom de voz e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Qual de nós não terá sido, na Crosta do Mundo, aquele “rico,<br />vestido de púrpura e linho finíssimo”, do ensinamento do<br />Mestre? Exibíamos a roupa vistosa e brilhante do “eu” egoístico,<br />ferindo a observação de nossos semelhantes e vivendo o bendito<br />ensejo de permanência nos círculos carnais, “regalada e esplendidamente”. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Todos nós, que nos associamos nesta paisagem de dor, tivemos, em derredor, mendigos de afeto e socorro espiritual mostrando- nos, em vão, as chagas de suas necessidades. Chamavam-se eles familiares, parentes, companheiros de luta, irmãos remotos de humanidade... Eram filhos famintos de orientação, pais necessitados de carinho, viandantes do caminho evolutivo sequiosos de auxílio, que, improficuamente, se aproximavam de nós, implorando algo de reconforto e alegria. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Em geral, lembrávamo-nos sempre tarde de suas feridas interiores, indiferentes ao menosprezo da oportunidade sublime que nos fora concedida para ministrar-lhes o bem. No justo instante a que se recolhiam no leito mortuário, multiplicávamos afetos e carícias, depois de haver gasto o tempo sagrado da vida humana entre a insensibilidade e a exigência. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Desejavam, os mais pobres que nós, alguma coisa das migalhas de<br />nosso permanente banquete de conhecimentos e facilidades, freqüentavam-nos a companhia, quais crianças necessitadas de iluminação e ternura, e os próprios cães se inclinavam para eles, tomados de natural simpatia... Nós, porém, envaidecidos das próprias conquistas, encarcerados em clamorosa apatia, amontoávamos expressões de bem-estar, crendo-nos superiores a todas as criaturas integrantes do quadro de nossa passagem pela carne.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Prisioneiros de nossas criações inferiores, a morte precipitou-nos<br />no despenhadeiro purgatorial, semelhante ao tenebroso inferno da<br />teologia mitológica. Envelhecida e rota a veste rica da oportunidade, ao término do curso de aprimoramento espiritual no educandário terrestre, somos, por vezes, mais pobres que o último dos miseráveis que nos batiam, confiantes, à porta do coração e para os quais poderíamos ter sido beneméritos doadores da felicidade.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Viajores, na travessia do rio sagrado da elevação, fugíamos de<br />todos os companheiros necessitados, instituíamos serviços ativos<br />de vigilância contra os náufragos sofredores, estimávamos, acima<br />de tudo, o bom tempo, as ilhas encantadas de prazer, a camaradagem dos mais fortes, para atingir a outra margem, humilhados e pesarosos, em terríveis necessidades do espírito, incapazes de prosseguir a caminho dos continentes divinos da redenção... </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Sejamos razoáveis, meus irmãos, reconhecendo que esse inferno é<br />construção mental em nós mesmos, O estacionamento, após esforço<br />destrutivo, estabelece clima propício aos fantasmas de toda<br />sorte, fantasmas que torturam a mente que os gerou, levando-a a<br />pesadelos cruéis. Cavamos poços abismais de padecimentos torturantes, pela intensidade do remorso de nossas misérias íntimas;<br />arquitetamos penitenciárias sombrias com a negação voluntária,<br />ante os benefícios da Providência. Desertos calcinantes de ódio e<br />malquerença estendem-se aos nossos pés, seguindo-se a jornadas<br />vazias de tristeza e desconsolo supremo. Semelhamo-nos a duendes<br />vagabundos da inquietação e do desalento, pela amargura do<br />que fomos e pela dificuldade quase invencível na aquisição dos<br />recursos para o que devemos vir a ser. De um lado, a falência gritante; do outro, o desafio da vida eterna. Como o rico infeliz da<br />parábola, todavia, sabemos que muitas de nossas vítimas de outro<br />tempo escalaram altas posições no campo hierárquico da eternidade; que muitos daqueles mendigos de carinho da estrada humana foram conduzidos a fontes da maravilhosa sabedoria e do inesgotável amor, e, assim, porque não impetrarmos o concurso de<br />suas bênçãos intercessórias? Porque não dobrarmos humildemente<br />a cerviz, considerando os desvios do passado, a fim de recebermos<br />a sublime e indispensável cooperação do presente? Sabemos,<br />amigos, que muitos de vós outros padeceis, atormentados, a devoradora sede da água viva do Espírito imortal, que, aflitos e desanimados, neste vale de sombras, desejaríeis romper todos os obstáculos para a recepção de uma gota apenas do liquido precioso,<br />prometido por Jesus aos sedentos que a Ele se devotassem de boa<br />vontade! Ah! não basta, porém, a desordenada rogativa de dor,<br />para que o orvalho divino refresque o coração dorido e dilacerado!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Urge regenerar o vaso receptivo da alma enferma, alijando a<br />poeira venenosa da Terra, para que permaneça puro e reconfortante o rodo do Céu! Imprescindível o sofrimento de função purificadora.<br />Os desvarios mentais, a que nos entregamos na Crosta Planetária,<br />são energias que presentemente se manifestam com a intensidade<br />das forças libertas, depois de longo represamento, e,<br />daí, a intraduzível angústia da fome, da sede, da aflição e da enfermidade que muitos de vós ainda sentis, pela carência de conformação com as leis estabelecidas pelo Eterno Pai!...</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Pelo silêncio do ambiente, parecia-me que o padre Hipólito<br />era ouvido com respeitosa atenção pelas inúmeras fileiras de sofredores ali congregados diante de nós. Após ligeira interrupção,<br />continuou o pregador, bem inspirado:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Nenhum de nós outros, os que apelamos para a vossa renovação,<br />encontrou até agora a residência dos anjos. Somos companheiros<br />em cujo coração palpita, plena, a Humanidade, com os<br />seus defeitos e aspirações. Compreendemos, contudo, vosso tormento consumidor e trazemos a todos o convite de renúncia aos<br />impulsos egoísticos, concitando-vos, ainda, ao reconhecimento<br />devido ao Senhor e à penitência pelos nossos erros voluntários e<br />criminosos do passado. Agradeçamos a Misericórdia Divina e,<br />reunidos, peçamos ao Cristo entendimento de sua vontade sublime<br />e sábia, com a precisa força para executá-la, onde estivermos. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Não roguemos, como o rico enganado da narração evangélica, qualquer vantagem para o nosso individualismo ou para o círculo pessoal de nossos interesses particulares, mas, sim, a compreensão,<br />suficiente compreensão dos deveres que nos cabem, na atualidade<br />menos venturosa, de acordo com as suas diretrizes salvadoras. E,<br />cheios de confiança nova, aguardemos o porvir, em que a Terra,<br />nossa grande mãe, nos oferecerá, generosa, outras ocasiões fecundas de aprender e resgatar, santificar e redimir.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Nesse momento, o ex-sacerdote sustou por longos instantes a<br />pregação, possibilitando-nos detido exame do quadro exterior.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Longas filas de sofredores acorriam de todos os recantos, fitando-<br />nos à claridade das tochas, a distância de trinta metros, aproximadamente.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Estendiam-se em vasta procissão de duendes silenciosos e tristes, parecendo guardar todas as características das enfermidades físicas trazidas da Crosta, no campo impressivo do corpo astral. Viam-se ali necessitados de todos os tipos: aleijões, feridas, misérias exibiam-se ao nosso olhar, constringindo-nos os corações. Muitos deles, ajoelhados, talvez na suposição de que fôssemos embaixadores do Celeste Poder em visita ao purgatório<br />desditoso, mantinham-se em posição de supremo respeito, embora<br />deixando transparecer, na face angustiada, indescritíveis padecimentos.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />De olhos ansiosos, falavam sem palavras do intenso e<br />secreto desejo de se unirem a nós; entretanto, algo lhes coibia a<br />realização. Semelhavam-se a prisioneiros, suspirando pela liberdade.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Porque não corriam ao nosso encontro? Porque não se ajoelharem,<br />junto de nós, em sinal de reconhecimento sincero a Deus?<br />Desejando penetrar a causa daquela imobilidade compulsória,<br />compreendi, sem maiores esclarecimentos, o que se passava. Entre<br />a multidão compacta e nós outros, cavava-se profundo fosso,<br />e, onde surgiam possibilidades de transposição mais fácil, reuniam-<br />se pequenos grupos de entidades que se revelavam por sinistra<br />expressão fisionômica. Não podia abrigar qualquer dúvida. Aqueles<br />rostos agressivos e duros sustentavam severa vigilância. Que<br />faziam aí semelhantes verdugos? Permaneceriam dirigidos por<br />potências vingadoras, com poderes transitórios na zona das trevas,<br />ou agiriam por sua conta própria, obedientes a desvairadas paixões<br />da mente em desequilíbrio? Recordei antigas lendas do inferno<br />esboçado na teologia católico-romana, para concluir que a<br />fogueira ardente, onde Satã se comprazia em torturar as almas,<br />devia ser mais bela que a paisagem de lama, treva e sofrimento à<br />nossa vista. Recolhi, porém, o fio das considerações desnecessárias<br />ao momento, compreendendo que o minuto não comportava<br />divagações, por exigir contribuição ativa. Prolongando-se a pausa do pregador, uma criatura de rosto patibular gritou, em meio de gestos odiosos:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Não pedimos exércitos de salvação! Fujam daqui!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Bastou isolada manifestação para que outras expressões de<br />desagrado explodissem.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Não desejamos redimir coisa alguma! Nada devemos! Interessam-<br />nos o culto sistemático do ódio, a revolta contra os deuses<br />insensíveis, o movimento de resistência à repugnante aristocracia<br />espiritual!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Morram os pregoeiros da virtude falsificada! Caiam os oportunistas de além-túmulo! Viva o nosso movimento de destruição contra a velha ordem dos senhores e dos escravos! </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Depois das ruínas, edificaremos o mundo novo!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Homenzarrão hirsuto, com todas as particularidades dum gigante,<br />avançou até à borda do fosso, no outro lado, fez significativo<br />gesto de provocação e perguntou, bradando:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Calou-se o realejo do padre?</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Riu-se, diabolicamente, e continuou:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Perdem tempo! Estão redondamente enganados! Também<br />temos programa e também sabemos querer! Onde está o Deus que<br />nos prometeram? Têm, porventura, o mapa do céu? Nossos ídolos<br />agora estão quebrados. Somos filhos do desespero, tentando reorganizar a vida no deserto que nos defronta. Voltaremos, acaso, à<br />ingenuidade primitiva, a ponto de acreditar novamente em mentiras<br />religiosas? Em que remota região se compra a beneficência<br />divina que não se condói de nossas necessidades? Declaram-se<br />felizes e proclamam a compaixão de um pai que não conhecemos.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Viram-no alguma vez?</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Fria gargalhada pontilhou suas últimas palavras. Revelando-se<br />sob forte impressão, o padre Hipólito respondeu: – O conhecimento da Divindade e o roteiro celeste serão encontrados<br />dentro de nós mesmos. Por que audácia inominável<br />cometeríamos o absurdo de aguardar plena e pronta identificação<br />da nossa natureza egressa da irracionalidade, em dias tão curtos,<br />com a sublime plenitude de Deus? Como ombrear-se o batráquio<br />com o Sol? Em verdade, as religiões antropomórficas da Crosta<br />envenenaram-nos a mente, instilando falsas concepções de Deus<br />em nossos raciocínios. Não podemos, todavia, culpá-las em sentido<br />absoluto, porquanto a estagnação espiritual caracterizava-nos a<br />todos. Quando os discípulos se integrarem efetivamente, de cérebro<br />e coração renovado, no Evangelho do Mestre, será impossível<br />a negativa interferência sacerdotal. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">O dogma, considerado imparcialmente, constitui desafio e castigo simultâneos. Desafio à inteligência investigadora e construtiva, para que se dilate no mundo a noção do universo infinito, e castigo às mentes ociosas que renunciam levianamente ao dom de pensar e decidir por si mesmas as questões sagradas do destino. Em toda parte encontraremos a sabedoria operante e invisível do Senhor, estendendo-se em todas as minúcias da Natureza. Calai, portanto, a vaidade ferida e o orgulho humilhado que vos ditam observações ingratas e criminosas!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Detende-vos no santuário da consciência e não exigireis visões<br />e revelações que não conseguiríeis suportar. Tomados, pois,<br />de compaixão pela vossa rebeldia e infortúnio, rogamos ao Senhor<br />abençoe a esperança de quantos nos ouvem, famintos de suprema<br />redenção, como nós, diante da grandeza inapreciável da vida eterna!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Para outro público, as palavras do ex-sacerdote seriam vivas e<br />convincentes, mas as entidades endurecidas e perversas, para<br />quem foram proferidas, mostraram-se frias e insensíveis.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Fizeram-se ouvir outras vozes, em sinistro coro:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Basta! Basta!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Fora! Fora!... Todavia, entre aqueles que nos seguiam atenciosamente o serviço, contemplamos inúmeros rostos angustiados, revelando o pavor que os companheiros lhes causavam. Aumentara-se-lhes o número. Verifiquei, porém, que não havia ali uma só criança. Apenas adultos, jovens e velhos de todos os aspectos. Notava-se que a dissertação de Hipólito lhes fizera enorme bem. Muitos deles vertiam pranto copioso. Contudo, impropérios e maldições cruzavam o espaço. Os malfeitores impenitentes não nos toleravam a presença e cada qual era mais fértil nas ironias selecionadas, com o fim de despertar humorismo sarcástico e desprezo na desventurada assembléia.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />A princípio, impulsos de reação afloraram-me no espírito<br />surpreso. Não seria conveniente que nos organizássemos contra<br />semelhante malta de criminosos? Não seria melhor saltar o óbice<br />visível e arrebatar-lhes as vítimas indefesas? A nosso favor, contávamos com a volitação fácil. E as noções de caridade avivavam-me justificado instinto de reação. Perante nós, a algumas dezenas de metros, viam-se mulheres desfiguradas pela dor, velhos e moços esquálidos e abatidos. Ninguém fugia ao doloroso aspecto de supremo infortúnio. Semelhavam-se a cadáveres em retorno inesperado à vida, depois de longa permanência no túmulo.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Pensamentos de revolta cruzavam-se-me no cérebro.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Por que razão o padre Hipólito não respondia à altura? Porque<br />não punir aqueles sicários da sombra, que denunciavam refinada<br />cultura intelectual e vigorosa inteligência? Não possuíamos suficiente poder para a repressão necessária?</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />O Assistente Jerônimo, percebendo-me o perigoso estado<br />d'alma, aproximou-se cautelosamente de mim e falou, discreto:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– André, extingue a vibração da cólera injusta. Ninguém auxilia<br />por intermédio da irritação pessoal. Não assumas papel de<br />crítico. Permanecemos aqui, na qualidade de irmãos mais velhos<br />no conhecimento divino, tentando socorro aos mais jovens, menos felizes que nós. Revistamo-nos de calma e paciência. Responder a<br />insultos descabidos é perder valioso tempo, na obra de confraternização, ante o Eterno Pai. Hipólito não pode duelar verbalmente, nem a irmã Zenóbia autorizaria qualquer violência a estes infortunados, sob pena de relegarmos ao esquecimento sublime oportunidade de praticar o verdadeiro bem. Modifica a emissão mental para que te não falte a cooperação construtiva e guardemos a voz, não para condenar e, sim, para informar e edificar cristãmente.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Reajustei o campo emotivo, rogando a Jesus me conferisse<br />forças para olvidar o “homem velho” que gritava dentro de mim.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Com a invocação ao Plano Superior, através da súplica, instantânea<br />compreensão brotou-me na consciência.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Em verdade, como interpretar investidas de criaturas já de si<br />mesmas tão desventuradas? Antes de tudo, necessitavam de amparo<br />e compaixão. Não haviam recebido ainda, como acontecera a<br />nós outros, a bênção da fé viva, da conformação aos desígnios da<br />Lei Eterna, do reconhecimento das próprias necessidades interiores,<br />por incapacidade espiritual. Blasfemavam e riam, sarcásticas.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Desprezavam as dádivas da Providência. Injuriavam o Mestre.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Esqueciam todas as considerações referentes à ordem divina e ao<br />respeito humano. Quem éramos nós, para convertê-las, inopinadamente, se o próprio Senhor lhes tolerava, paciente e amigo, as palavras torpes, sem represálias individuais? Não lhes bastaria a limitação lamentável a que se entregavam? No círculo estreito do sofrimento e acoimados pelo desespero, não ultrapassavam a esfera de sensações grosseiras e intentavam inutilmente combater o bem. Verdade é que doía vê-los oprimindo míseras entidades que se ajoelhavam, sob nosso olhar, implorando ajuda e libertação; entretanto, razões ponderáveis existiriam, justificando a ligação entre algozes e vítimas, razões que me escapavam, naturalmente, na hora em curso. Modificaram-se-me as apreciações do primeiro instante. Tomado de súbita piedade, notei que, ao serenarem as ironias dos maus e observando talvez que não transpúnhamos o obstáculo em serviço de libertação, pintava-se, na fisionomia dos sofredores confessos, a mais pungente ansiedade.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Pobre velhinha, que me pareceu desassombrada na fé, examinando<br />os terríveis fatores circunstanciais, estendeu-nos os braços<br />esqueléticos e, na sua antiga concepção religiosa, suplicou-nos:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Santos mensageiros de Deus, nosso Pai, dignai-vos retirarnos<br />do purgatório! Estamos torturados pelo fogo dos remorsos e<br />pelos demônios que nos cercam. Por piedade, salvai-nos!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Fortes soluços interceptavam-lhe a voz; todavia, a venerável<br />anciã continuou:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Nossas faltas, mal pagas na Terra, uniram-nos aos Espíritos<br />perversos do abismo! Somos pecadores necessitados da purgação,<br />mas não nos abandoneis à nossa própria sorte! Ajudai-nos, em<br />nome de Jesus, por quem vos suplicamos a graça da salvação!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Errei muito, é verdade... Entretanto, meu espírito arrependido implora proteção... Sei que não mereço o descanso do paraíso, mas,<br />ó emissários do Céu! por quem sois, concedei-me recursos para<br />resgatar minhas dívidas. Estou pronta! Procurarei aqueles a quem<br />ofendi durante a vida terrestre, a fim de humilhar-me e pedir perdão!...</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />De mãos postas, a fitar-nos angustiosamente, concluía:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Não me desampareis! Não me desampareis!...</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Mudou-se de algum modo o quadro. A valorosa pedinte encorajou<br />os demais companheiros de infortúnio:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Pelos méritos de São Geraldo de Majela – gritou um infeliz,<br />revelando sua antiga condição de católico-romano – libertai-nos<br />daqui! Salvai-nos do torvelinho infernal! Socorrei-nos, por amor<br />de Deus! Destacando-se umas das outras, as súplicas proferidas evidenciavam a presença de adeptos de variados credos religiosos,<br />conhecidos na Crosta, e os espiritistas não faltavam no triste concerto.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Determinada senhora, de porte respeitável, cabelos revoltos<br />e fundas chagas no rosto, deprecou, chorosa:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Espíritos do Bem, auxiliai-me! Eu conheci Bezerra de Menezes<br />na Terra, aceitei o Espiritismo. No entanto, ai de mim! Minha<br />crença não chegou a ser fé renovadora. Dedicava-me à consolação,<br />mas fugia à responsabilidade! A morte atirou-me aqui, onde<br />tenho sofrido bastante as conseqüências do meu relaxamento<br />espiritual! Socorrei-me, por Jesus!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />De todos os recantos soavam apelos comovedores.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Jamais esquecerei a inflexão das palavras ouvidas. Jovens e<br />velhos, homens e mulheres, em deploráveis condições, prostrados<br />a reduzida distância, respeitosos e confiantes, em virtude das luzes<br />que acendêramos dentro da noite triste, imploravam o socorro<br />divino, tratando-nos com extrema veneração, como se fôramos<br />legítimos expoentes de santidade. Quando os rogos cresceram,<br />partindo de tantas bocas, os verdugos empunharam látegos sinistros,<br />espalhando vergastadas, quase que indiscriminadamente... </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">A maioria dos pobres que se mantinham genuflexos debandou, em<br />passos tão apressados quanto lhes era possível, regressando aos<br />ângulos sombrios do vale fundo. Alguns, porém, suportavam os<br />golpes, heroicamente, prosseguindo de joelhos e contemplando-nos,<br />ansiosos.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Indicando-nos, sarcástico, certo perseguidor vociferou, estentoricamente:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Estão vendo? São benfeitores de gravata! Não se atiram à<br />luta em favor de ninguém! Ensinam com lábios, mas, no fundo,<br />são mensageiros do inferno, insensíveis e duros, como estátuas de<br />pedra. Nenhum deles ousa atravessar a barreira para prestar-vos<br />assistência e socorro!... Seguiram-se gargalhadas tão escarnecedoras que todo o meu sentimento de repulsa humana aflorou de súbito. Onde estava que não reprimia o provocador? Porque não puni-lo devidamente?</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Abeirava-me de pleno desequilíbrio mental, quando a irmã Zenóbia,<br />temendo talvez pela nossa reação, se voltou, tranqüila, e recomendou:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Amigos, conservemo-nos em calma para o trabalho eficiente.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Ninguém se conserva neste abismo de dor, sem razão de ser.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />E possivelmente convicta da necessidade de argumentação<br />mais firme para demover-nos, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Que seria do Cristianismo se Jesus abandonasse o madeiro<br />do testemunho, a meio caminho, a fim de entrar em pugilato com<br />a multidão? Permanecemos aqui em tarefa consoladora e educativa,<br />não o esqueçamos. O serviço de punição dos culpados virá de<br />mais alto.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />A referência despertou-nos, de pronto, para o caráter elevado<br />da investidura. As almas efetivamente superiores possuem o dom<br />de projetar-nos o espírito em zonas sagradas da vida, reintegrando-<br />nos na corrente inspiracional das Forças Divinas que sustentam<br />o Universo.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />A hora não comportava qualquer dissertação mais longa, a<br />respeito das obrigações que deveríamos desempenhar. Sem perda<br />de tempo, a diretora da Casa Transitória entrou em combinação<br />com os auxiliares que havia trazido, desenrolando extenso material<br />socorrista.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Iam as providências em meio, quando vários grupos de infelizes<br />tentaram vencer o obstáculo, ansiosos por se reunirem a nós<br />outros; mas os verdugos, agindo, solertes, golpeavam-nos cruelmente, empenhando-se em luta para precipitá-los ao fundo do<br />fosso tenebroso, do qual fugiam as vítimas, tomadas de visível<br />terror. Ativa, delicada, Zenóbia determinou que fossem lançadas<br />faixas luminosas de salvação ao outro lado, no propósito de retirarmos o número possível de sofredores de tão amargurosa situação; todavia, a ordem seguiu-se de odiosa represália. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Os gênios diabólicos fizeram-se mais duros. Acorreram míseras almas, aos magotes, buscando agarrar-se às extremidades resplandecentes, descidas na margem oposta, como bordos de acolhedora ponte de luz; no entanto, multiplicaram-se golpes e pancadas. </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Entidades perversas, em grande número, continham os aflitos prisioneiros, impedindo-lhes o salvamento, com manifesto recrudescimento de maldade. Nosso esforço persistiu por longos minutos, ao fim dos quais, observando que redundavam inúteis, apenas favorecendo a dilatação da agressividade dos algozes, a irmã Zenóbia, mantendo- se em grande serenidade, determinou fosse recolhido o material utilizado para os trabalhos de salvação.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />As rogativas chorosas das vítimas, casavam-se as frases injuriosas<br />dos verdugos, confrangendo-nos o coração.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Após a recomposição do material, improficuamente utilizado,<br />a devotada orientadora acenou para um servidor que lhe trouxe<br />pequenino aparelho, destinado à ampliação da voz, e falou, pausadamente, na direção do abismo:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Irmãos em humanidade, reine conosco a Paz Divina!</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Sua palavra adquirira impressionante poder de repercussão.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Ecoava, longe, como se fosse endereçada às almas que, porventura,<br />se mantivessem dormindo a consideráveis distâncias.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Sem qualquer demonstração de impaciência ou desagrado,<br />continuou:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Regozijei-vos, ó corações de boa vontade! e confiai, sobretudo,<br />na proteção de Nosso Senhor Jesus. Dilaceram-nos vossas<br />dores, tocam-nos, de perto, as incompreensões e sofrimentos a<br />que vos entregastes, apartados da Lei Divina, e se não atravessamos o fosso negro, na tentativa suprema de salvar-vos temporariamente<br />do mal, é que somos igualmente companheiros de luta,<br />sem imunidades angélicas, detentoras de possibilidades limitadas<br />no amparo aos semelhantes! Alegrai-vos, porém, e aguardai, confiantes, porque se manifestará, em vosso benefício, o fogo consumidor, nesta região menos feliz, onde tantas inteligências perversas tripudiam sobre os mandamentos do Pai e menosprezam-Lhe as bênçãos de luz. Amanhã mesmo, demonstrar-se-á o Supremo Poder.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Fez pequena pausa e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Faz mais de um lustro que a Casa Transitória de Fabiano<br />persevera nestas zonas de treva e sofrimento, convocando almas<br />perdidas ao aproveitamento da bendita oportunidade do recomeço,<br />através do trabalho dignificador, em cujas bênçãos há sempre recursos de apagar as manchas do pretérito, regenerando-se os caminhos do porvir. Há cerca de dois mil anos ensinamos o bem e a<br />verdade, preparando corações para o futuro redentor. Se é inegável<br />que muitos irmãos se valeram de nosso concurso humilde,<br />aceitando o remédio para a restauração, a maioria de vós outros<br />sempre nos fugiu à influência, desdenhando-nos o socorro, abjurando- nos a colaboração, desprezando-nos os serviços, favorecendo a discórdia e a perseguição e oferecendo-nos obstáculos de toda sorte. Entretanto, meus amigos, o pouso de Fabiano ainda se coloca ao vosso dispor, até amanhã, durante as primeiras horas.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Ante a grave inflexão daquela voz e considerando talvez o teor<br />do aviso, calaram-se as bocas pervertidas e desequilibradas. Os<br />mais perversos passaram a contemplar-nos, entre o receio e a interrogação.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Depois de curto intervalo, Zenóbia prosseguiu, fundamente<br />emocionada:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Não lutamos corpo a corpo com a ignorância audaciosa e<br />infeliz, porque a delegação que o Mestre nos confiou traça-nos deveres de amor e não de porfia. Fomos designados para ministrar<br />o bem e lamentamos que irmãos horrivelmente desventurados nos<br />ofereçam resistência, mergulhando-se no pântano da revolta pessoal.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Não temos, porém, qualquer palavra condenatória. Os que<br />tentam escapar às Leis Eternas são bastante infortunados por si<br />mesmos. Amarga ser-lhes-á a colheita da triste semeadura. Gastarão<br />longo tempo extraindo espinhos envenenados, introduzidos<br />por eles próprios ao coração. Porque combatê-los se estão vencidos, desde o primeiro repto à Divindade? </span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Porque torturá-los, se permanecem perseguidos pelos fantasmas criados pela própria rebeldia e insensatez? O Poderoso Senhor, porém, que ama os justos e retifica os injustos, fará com que amanhã surja neste céu a tempestade renovadora. O asilo de Fabiano receberá criaturas de boa vontade, dentro das horas próximas; todavia, será inútil procurar- lhe o socorro sem modificação substancial para o bem.</span><br />
<br />
<span style="font-size: large;">Sofredor algum será recolhido tão só porque implore abrigo com os<br />lábios. Nossa casa de paz cristã é igualmente templo de trabalho<br />cristão e a hipocrisia não lhe pode alterar o ministério santificador.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Nossas defesas magnéticas funcionarão rigorosas e apenas os<br />corações sinceramente interessados na renovação própria, em<br />Cristo Jesus, serão portadores de senha indispensável ao ingresso.<br />Debalde rogarão socorro as entidades endurecidas no crime e na<br />indiferença.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Os algozes fixavam as vítimas com expressão odiosa.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />A irmã Zenóbia, contudo, prosseguiu, intrépida, dirigindo-se<br />especialmente aos infortunados:</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />– Suportai os verdugos cruéis por mais algumas horas e valeivos<br />da oração para que não vos faltem energias interiores. Não<br />temos necessidade da luta corporal, nem da defensiva destruidora<br />e, sim, da resistência que o Divino Mestre exemplificou. Tolerai<br />os inimigos gratuitos do bem, desesperados e infelizes, que nos<br />perseguem e maltratam, orando por eles, porque o Poder Renovador se manifestará, convidando, por intermédio do sofrimento, a que se arrependam e se convertam.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Em seguida, expressando otimismo e felicidade nos olhos lúcidos,<br />a orientadora ergueu comovente súplica pelos habitantes do<br />abismo, a qual acompanhamos com lágrimas de emoção.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Semblantes angustiados seguiam-nos, atentos, na outra margem,<br />enquanto os impenitentes adversários da luz guardavam silêncio.<br />Entrementes, os encarcerados na dor continuaram implorando<br />auxílio, mas, atendendo às determinações da irmã Zenóbia,<br />apagamos as luzes, pondo-nos de volta.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />De outras vezes, ao término dos incidentes que me surpreendiam,<br />eu conservava uma imensidade de indagações no cérebro<br />ágil e curioso. Agora, todavia, regressava tristemente.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />A extensão da luta compungia-me o ser. Os padecimentos da<br />ignorância, de fato, não tinham limites e todo abuso do livre arbítrio<br />individual encontrava punição espontânea nas leis universais.<br />Certo, em diferentes lugares, outros abismos como aquele<br />estariam repletos de vítimas e verdugos.</span><br />
<span style="font-size: large;"><br />Ah! também eu guardava no vaso do coração todos os ressaibos<br />das vicissitudes humanas! Também eu sofrera muito e havia<br />feito sofrer! Reminiscências vigorosas da existência carnal jaziam<br />vivas em mim. De alma voltada em silêncio para o Cristo de<br />Deus, meditei sobre a grandeza do seu sublime sacrifício e, pensando nos cruéis perseguidores e nos pobres perseguidos do vale<br />escuro, perguntava ao Senhor, na intimidade do coração frágil e<br />oprimido, por quem deveria eu chorar mais intensamente. </span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-39345614583164035252017-08-30T06:35:00.002-07:002017-09-03T14:19:37.595-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">9 - Louvor E Gratidão</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHBkqiuBRVT3fzlBzKUCvdhaTLpsvgz6zQc-t3WhS2TFKwBX3j9yi6J1r6-ny8gRCN1T_NKhI1cSolYTZiGrt9C6yzW8XA_WbfEqTJgGZcftdVCD1iVdvpG0m0xgBJYgD7SwhkVwxw7AM/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHBkqiuBRVT3fzlBzKUCvdhaTLpsvgz6zQc-t3WhS2TFKwBX3j9yi6J1r6-ny8gRCN1T_NKhI1cSolYTZiGrt9C6yzW8XA_WbfEqTJgGZcftdVCD1iVdvpG0m0xgBJYgD7SwhkVwxw7AM/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Embora os resultados de nossa visita ao abismo fossem aparentemente mínimos, sentíamo-nos confortados e satisfeitos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De volta, ladeando pântanos e guardando a mesma severa atitude de vigilância, ao considerar possíveis surpresas do caminho, fizemos todo o trajeto em profundo silêncio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aproximando-nos, porém, do instituto, após atravessar a zona perigosa, a irmã Zenóbia tomou a palavra, agradecendo-nos em tom comovedor. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Depois de carinhosas expressões de reconhecimento, acentuou, jubilosa:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Felizmente, nosso trabalho foi abençoado e profícuo. Os cooperadores novos estranharão, talvez, a minha afirmativa, lembrando, sem dúvida, que as faixas de salvamento voltaram vazias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No entanto, algo ocorreu de mais importante que a eventualidade de trazermos compulsoriamente conosco alguns irmãos infelizes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Refiro-me à semeadura das verdades eternas nos corações ignorantes, à ministração da esperança aos desalentados e tristes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Não somos apologistas da violência, mas semeadores do bem, e a base natural da colheita segura é a sementeira cuidadosa. Os ensinos edificantes lançados ao solo do entendimento abrem horizontes novos e claros à investigação mental dos necessitados e sofredores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Muitos deles, ainda esta noite, cultivarão os princípios renovadores recebidos, em processo intensivo no campo interno, e amanhã, provavelmente, estarão em condições vibratórias adequadas à internação em nosso asilo. Mais desejável para nós é que todos caminhem, utilizando os próprios pés, para que, de futuro, em meio dos serviços naturais da regeneração, não se declarem vitimados por ações de arrastamento. Em todos os lugares encontraremos a compaixão e a justiça de Deus. Sorriu, benevolente, e acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A compaixão, filha do Amor, desejará estender sempre o braço que salva, mas a justiça, filha da Lei, não prescinde da ação que retifica. Haverá recursos da misericórdia para as situações mais deploráveis. Entretanto, a ordem legal do Universo cumprirse-á, invariavelmente. Em virtude, pois, da realidade, é justo que cada filho de Deus assuma responsabilidades e tome resoluções por si mesmo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O esclarecimento era lógico e reconfortador.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Desejaríamos a continuidade da argumentação; no entanto, acercávamo-nos da Casa Transitória, então à nossa vista. Alcançáramos as vizinhanças do átrio e admirei-me da movimentação em torno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entidades numerosas iam e vinham. Quase todas penetravam a organização socorrista ou dela saiam, em grupos reduzidos. Velhos amparavam jovens que me pareciam indecisos, titubeantes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Crianças nimbadas de luz guiavam adultos de rosto sombrio, figurando- se carinhosos e pequeninos condutores de cegos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O quadro era formoso e enternecedor. Possivelmente, examinando a estranheza que se apossara de mim, adiantou-se a orientadora da instituição, explicando, atenciosa:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nossos amigos da Crosta, parcialmente libertos da carne pela atuação do sono, afluem até aqui, todas as noites, trazidos por companheiros espirituais, com o fim de receberem socorros ou avisos necessários. A Casa oferece recursos aos encontros oportunos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não consegui disfarçar a surpresa, ante a cena maravilhosa, contemplando, embevecido, o cuidado terno dos benfeitores desencarnados com todos aqueles que vinham dos círculos terrestres mais densos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atravessada a zona magnética de defesa, confundimo-nos com os passantes. Não longe de mim, interessante menino, que aparentava nove a dez anos de idade, revestido de gracioso halo de luz, guiava uma senhora de passos incertos. Parecia enferma, incapaz de autocontrole. O pequeno, porém, segurava-lhe firmemente a destra e, após saudar a irmã Zenóbia, respeitoso, exclamou para a matrona hesitante:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Por aqui, mamãe, por aqui, venha sem medo!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ouvindo-o, a interpelada parecia acordar num sonho bom e gritava, semi-inconsciente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meu filhinho, meu filhinho, não me deixes voltar! </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Quero-te sempre, sempre!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As expressões de meiguice misturavam-se a copioso pranto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fixei-lhe os traços fisionômicos. A pobre mãe não nos enxergava.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Seguia, acanhada e insegura de si. Seus olhos, que vertiam grossas lágrimas, permaneciam presos na contemplação da criança, revelando a suprema ternura de mãe, exausta de saudade, a reencontrar o objeto de seu amor, que parecera perdido para sempre.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mamãe, caminhe! Não desfaleça! – clamava o rapazinho, exultando de júbilo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já vou, meu filho! Eu te seguirei, leva-me contigo! – tornava a palavra maternal, afogada em sublime emoção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Meus companheiros, habituados talvez, desde muito, ao espetáculo, conversavam, descuidados, entre si; todavia, segui, de olhos umedecidos, a criança carinhosa que amparava a sua mamãe, até que desapareceram através de uma das portas laterais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não contive a surpresa que me dominava. Tocando o braço do padre Hipólito, indaguei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meu amigo, com que fim seguiriam a senhora e o menino?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Esboçou ele significativo gesto de espanto e observou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não os vi. Falei-lhe, então, do quadro que tanto me enternecera, bordando meus informes de considerações afetivas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O ex-sacerdote sorriu compassivo e acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ora, André, são tantas mães e tantas crianças a transitarem por aqui!... Certamente, o filhinho, como tantos outros, conduz a genitora a gabinetes de auxilio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não tive tempo para emitir novas impressões.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nosso grupo atingiu a porta de ingresso e dois amigos acercaram-se, solícitos. Tratava-se de Gotuzo e outro irmão com quem eu não havia entrado em contacto pessoal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Saudaram-nos cortesmente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, dirigiu-se Gotuzo à diretora, informando-a de que os serviços de colaboração na Crosta, junto dos técnicos que organizavam algumas reencarnações expiatórias, haviam sido executados satisfatoriamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Zenóbia agradeceu e convidou-os a partilhar das orações de louvor e gratidão ao Todo-Poderoso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Penetramos a Sala Consagrada, onde a orientadora tomou conhecimento das medidas levadas a efeito em sua rápida ausência e certificou-se de que todos os abrigados haviam comparecido à reunião geral de preces e auxílios magnéticos, realizada minutos antes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sinais sonoros convocaram colaboradores à ação de graças.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Zenóbia, delicada e ativa, dispôs-nos em torno de vasta mesa, ao fundo da qual se erguia uma tela transparente de grandes proporções.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Admirável a comunhão da casa! Todos os dirigentes das variadas secções em que se subdividiam as atividades do instituto encontravam-se presentes para a tarefa gratulatória. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A diretora informou-nos, afável, de que todas as noites se verificavam trabalhos de oração para os asilados e para o pessoal administrativo, salientando que, nesses últimos, se reunia em pessoa com todos os subchefes da organização que não se encontrassem inibidos por motivos de serviço. Naquela oportunidade, éramos ali trinta e cinco criaturas, presas ao doce magnetismo daquela mulher que tão bem sabia desempenhar a excelsa missão educativa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />À cabeceira do grande móvel referido, cercado pelas poltronas confortáveis que ocupávamos em duas filas, sentou-se Zenóbia, radiante, mantendo-se de frente para a tela constituída de tecido diáfano, semelhando tenuíssima gaze. Trinta e cinco mentes, interessadas na aquisição de luz divina, uniam-se à dela, para as vibrações de reconhecimento e paz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Gotuzo, próximo de mim, entregou-se a profunda meditação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Solicitando-nos acompanhar-lhe mentalmente as palavras, a instrutora iniciou a oração comovente e sublime:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Senhor da Vida: nossos corações transbordantes de júbilo te agradecem as bênçãos de cada dia!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Permite que nos reunamos, em teu nome, nesta noite bendita de felicidade e esperança, para manifestar-te nossa gratidão imperecível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Não te rogamos, Senhor, vantagens e benefícios para nós outros, ricos que somos de tua luz e misericórdia, mas suplicamos ao teu coração augusto nos sejam concedidos os dons do equilíbrio e da eqüidade, para que saibamos distribuir nossa divina herança e não dissipemos, em vão, a glória de tuas dádivas.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Fortifica-nos a noção de harmonia para sermos cooperadores leais de teus santos desígnios.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Erguemo-nos do abismo do passado, por tua bondade vigilante, e aqui nos encontramos para servir-te! Entretanto, Pai, vergados ao peso das inclinações humanas, por nós cultivadas com desvarios emotivos, durante milênios, não prescindimos de tua disciplina e de tua força paternal. Dá-nos o clima sadio da libertação de nós mesmos! Magnetizados pelas nossas recordações do pretérito, nem sempre te compreendemos a vontade soberana e<br />criteriosa. Anula-nos o personalismo inferior para que a consciência do Universo nos esclareça o coração. Levanta-nos o raciocínio para mais alto entendimento; faze-nos vibrar no campo de teus Divinos Pensamentos!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Puseste em nossa boca o verbo construtivo, encheste-nos a alma de luz e tranqüilidade, a fim de colaborarmos em tua obra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Deste-nos, neste pouso de amor fraterno, companheiros dedicados ao bem e, em torno de nossa tarefa pequenina, colocaste a multidão dos aflitos e sofredores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Ó Senhor, como somos felizes pela possibilidade de ministrar em teu nome consolações e esclarecimentos!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Contudo, nós te imploramos inspiração e roteiro, considerando as responsabilidades dos que te recebem a mordomia da salvação! </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ensina-nos a agir desapaixonadamente; infunde-nos respeito pela autoridade que nos deste; ajuda-nos a desprender a mente das criações individuais, para que te sintamos mais de perto no esforço coletivo da elevação comum! E toda vez que nossos atos traduzam interferência indébita do livre arbítrio na execução de tuas leis, repreendenos, severamente, para que não persistamos no desvio impensado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Somos teus filhos frágeis e confiantes! Todas as tuas resoluções, a nosso respeito, são excelentes e belas.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Concede-nos, pois, bastante visão, de modo a enxergarmos nossa ventura em teus desígnios, sejam quais forem!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Somos servos humildes de tua sabedoria gloriosa!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Neste celeiro de paz consoladora, recebemos, através de mil recursos diferentes, a tua presença indireta, com a qual são atendidos os que choram e padecem. “Ó Pai Compassivo, que felicidade maior que esta, a de espalhar, com Nosso Senhor Jesus-Cristo, as tuas bênçãos redentoras e carinhosas? Que escola mais rica, além da que se localiza nesta casa, onde aprendemos, jubilosos, a exercer o dom sublime de dar?”</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A instrutora interrompeu-se, de voz afogada na emoção com que se dirigia a Deus, e, aludindo à realização particular que efetuara naquela noite, prosseguiu, depois de longa pausa, comovendo- nos a todos:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Dilatando-nos a alegria, estimulando-nos a coragem, santificando- nos a esperança, tu permites ainda, Senhor, que possamos atender ao coração interessado em lenir e confortar Espíritos queridos, que se perderam de nossa companhia no curso incessante do tempo!”</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nova pausa da orientadora. Em seguida, imprimindo suave entono às palavras que pronunciava, a irmã Zenóbia concluiu: – “De alma voltada para a tua magnanimidade, endereçamos-te<br />reconhecimento sem termo!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Sê louvado por todos os milênios dos milênios, sê glorificado por todos os seres da Criação! Teus servidores nesta casa de edificação agradecem-te as oportunidades preciosas de trabalho e esperam a continuidade de tuas bênçãos. Que a tua infinita luz seja refletida em todo o Universo infinito! Assim seja.”</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As últimas sentenças da oração inesquecível foram cunhadas em profunda emoção misturada de júbilo. Aquela prece constituía ato de louvor dos mais formosos que eu escutara, até então. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Zenóbia regozijava-se pelo ensejo de serviço, pela fortuna de contribuir com alguma coisa de útil, pela ventura de repartir o bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os minutos de adoração elevaram-nos. Suave luz irradiava-se de nossas frontes sincronizadas nos mesmos pensamentos. Finda a manifestação gratulatória, a diretora recomendou-nos observação e silêncio. Não se passou muito tempo e a tela, desdobrada diante de nós, como se fora instrumento de resposta ao esforço devocional, iluminou-se de súbito, expelindo raios de brilho maravilhosamente azul, que se espargiram sobre a diminuta assembléia,</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />quais minúsculas safiras eterizadas. Davam-me a idéia de energias divinas a caírem sobre nós, penetrando-nos o íntimo e revitalizando-nos o ser.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Transcorridos alguns minutos, Zenóbia, agradeceu, sensibilizada, interpretando o sentimento geral.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nova quietude pairou em toda a sala. Contudo, após longos instantes de expectativa mais intensa, Luciana tomou a palavra e dirigiu-se à Diretora, nestes termos:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Neste momento, vejo na tela das bênçãos respeitável ancião, cercado de luz verde-prateada. Estende-lhe a destra, abençoando-a, e me recomenda dizer-lhe tratar-se de Bernardino.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ah! Já sei – respondeu, contente, a instrutora –, é mensageiro da Casa Redentora de Fabiano. Que Jesus o recompense pelo contentamento que nos traz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Assegura o iluminado visitante – tornou a clarividente prestimosa – que as vibrações ambienciais inclinam-se, agora, para as esferas inferiores e que não conseguirá fazer-se visível a todos, não obstante o seu desejo. Acrescenta que os amigos da instituição velam pela marcha harmoniosa dos serviços e que a fonte da Bondade Divina suprirá sempre de paz e recursos a todos os corações de boa vontade, na semeadura do bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida a ligeiro intervalo, que Luciana parecia aproveitar em meticulosa observação, informou, comovida:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O emissário contempla-nos, silencioso, e, erguendo os olhos para o Alto, pede para nós a luz da compreensão Divina. Vimos profusa emissão de raios brilhantes de luz verde, por intermédio de diáfana substância, como nova chuva de pequeninas gotas celestes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Terminada a exteriorização da sublime energia, portadora de bem-estar, e findos alguns minutos de novo silêncio, Luciana voltou a comunicar-se com a diretora:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmã, ilumina-se a tela novamente. Desta vez, temos a visita de uma bem-aventurada celeste. Oh! sua fisionomia deslumbra!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tem no colo soberbo ramalhete de lírios nevados a exalar inebriante perfume.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A informante não havia completado a notificação e, em meio da alva claridade que se evolava da tela, sentíamos todos o aroma característico das flores mencionadas, envolvendo-nos em ondas de alegria e paz indescritíveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Impressionada por sua vez, Luciana prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A mensageira traja veludosa túnica, talhada em delicado tecido semelhante a escumilha de neve, e parece em oração de agradecimento...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Agora, fita-nos, bondosa – continuou, retomando a palavra –, e atira-nos as flores que traz consigo, revelando inexcedível carinho! Diz alguma coisa... Oh! sim, com permissão dos nossos Maiores, deseja comunicar-se com o irmão Gotuzo e solicita-nos cooperação!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não pude ocultar a surpresa, em face do desdobramento dos trabalhos naquele ofício de gratidão e louvor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A irmã Zenóbia, naturalmente experimentada nas atividades de intercâmbio, interveio, acrescentando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, Luciana, tanto quanto estiver em suas possibilidades, ceda o seu veículo de manifestação, já que o ambiente permanece pesadíssimo. Noutras circunstâncias, a providência não seria necessária, mas as substâncias densas do plano, carregado de forças negativas, incidem sobre o aparelho das bênçãos, forçando-nos ao concurso pessoal mais direto. Estamos prontos para receber a devotada emissária nesta casa de paz. Gotuzo e nós outros colocamo- nos à disposição dela, a fim de ouvir-lhe a mensagem de amor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A enfermeira, com a possibilidade de quem enxergava mais que nós, observou comovidamente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Identifica-se por Letícia, declara que desencarnou há trinta e dois anos e assevera que foi mãe do companheiro referido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mais emocionada e reverente, acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ah! desloca-se agora da tela e vem ao nosso encontro. Adianta-se. De suas mãos desprendem-se raios de sublime luz. Abraça-me! Oh! como sois generosa, abnegada benfeitora!... Sim! estou pronta, cederei com prazer!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, a fisionomia de Luciana transformou-se. Beatifico sorriso estampou-se-lhe nos lábios. De sua fronte irradiava-se formosa luz. Com a voz altamente modificada, começou a exprimir-se a emissária por seu intermédio:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Irmãos, seja conosco a paz do Cordeiro Divino!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não desejamos perturbar a reunião que vos congrega no serviço impessoal da verdade e do bem; todavia, com a permissão dos nossos Orientadores, venho ao encontro de alguém que nos é muito caro, buscando despertar-lhe a consciência para horizontes mais altos da<br />vida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorriu, benévola, e continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Relevem-nos, pois, dedicados amigos! Nossas experiências mais elevadas resultam da permuta incessante de valores comuns.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O coração que ama em Cristo é operosa abelha que recolhe o mel de sabedoria em todas as flores de amor e trabalho. Colherei, contente, na alma fraterna desta assembléia de cooperadores da Vontade Divina, elementos de tolerância e compreensão e sentir-me-ei feliz se puder oferecer-lhes algo do carinho materno que mantenho no coração faminto de vida superior.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez reduzido intervalo entre a saudação e o objetivo de sua permanência entre nós. Em seguida, dirigindo-se, em particular, ao colega que lhe recebia a visita, expressou-se com acentuada inflexão de ternura:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Gotuzo, meu filho, serei breve. Antes de adverti-lo, já roguei ao Senhor o abençoe e inspire sempre. Ouça, desapaixonadamente, a palavra de sua mãe e velha amiga. Desprenda-se das idéias antigas para compreender melhor. As concepções inferiores de nosso “eu” também se cristalizam, impedindo a penetração da luz em nosso campo interno. Escute, filho meu! Como pode menosprezar a santa oportunidade de elevação? Como pode permanecer em repouso, perante as necessidades primordiais do espírito?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Mestre aproveita as qualidades utilizáveis do discípulo, em determinado setor do aprendizado, adiando, por misericórdia, a melhoria e o aprimoramento de certas zonas obscuras da personalidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Por vezes, o aprendiz retarda-se meses, anos, séculos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jesus não é senhor da violência e nunca impõe drásticos à obra evolutiva. É cultivador do trabalho, da esperança.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Aguardará sempre, compassivo e bondoso, nossas decisões de colaborar no apostolado redentor, suportará nossas faltas muitas vezes; entretanto, em nosso próprio interesse, deveremos atentar, vigilantes, para os seus ensinamentos, com a sincera disposição de aplicá-los.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sem dúvida, não nos fulminará com raios destruidores pela nossa demora em desculpar alguém; no entanto, recomendou perdoemos setenta vezes sete vezes; naturalmente, não nos perseguirá pela nossa dificuldade em simpatizar com irmãos atualmente menos felizes que nós. Esforçou-se, contudo, para que nos amemos uns aos outros. Não virá em pessoa obrigar-nos a assumir determinada atitude evangélica, mas traçou todas as disposições necessárias ao estabelecimento de roteiros para a prática do bem. Seu esforço médico, nesta casa, é, de fato, apreciável.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Companheiros dignos seguem-no com amizade e admiração. Multiplicam-se os valores que o cercam; amontoa você preciosidades e bênçãos, na parte das aquisições afetivas, porém... e o seu próprio destino? Seus amigos, não obstante a luz que lhes brilha no caráter santificado, não podem substitui-lo nas realizações que o esperam. Suas manifestações de natureza exterior instruem e confortam. Seus pensamentos mais íntimos, entretanto, dilaceram-nos o coração. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Como conduzirá doentes à cura, se prossegue magoado com aqueles que o feriram aparentemente? Como dará lições de bom ânimo aos tristes, se se demora tanto tempo na ilusão do desalento? Ó filho amado, ninguém serve à obra do Pai com a mente toldada pelo vinho amargoso das paixões! Abra o entendimento à passagem das bênçãos Divinas! Não guarde vermes destruidores no jardim da esperança... Estragariam as mais belas flores, aniquilando a promessa dos frutos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interrompeu-se a mensageira, por um momento, parecendo coordenar a argumentação, e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É razoável que você demore neste asilo de amor, colaborando na cura de desequilibrados mentais, longe dos círculos mais densos. Contudo, não pretende ganhar o mais além?</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;"> Admite, satisfeito, o cárcere do estacionamento, malgrado o caráter do trabalho edificante? Não desejará libertar-se para libertar, efetivamente, os prisioneiros da ignorância? Não demandará o plano superior para ser mais útil aos que intentam galgar a escada reveladora da luz imortal? Não falo a você, agora, dentro da afetuosa impertinência de mãe. Nossos laços, presentemente, em relação ao passado, são muito diversos. Somos, ambos, filhos do Pai Altíssimo, e creia que minha devoção por você não é menor. Não o abandonarei às inclinações menos elevadas, não obstante justificáveis na tabela das convenções puramente humanas. E, em razão disso, venho ouvi-lo sobre os seus propósitos. Você tem cooperado, espontâneo e assíduo, nas tarefas do bem. É um trabalhador com direito a descobrir os próprios erros e a retificar o caminho que lhe compete. Ouça, porém, meu filho, e compreenda-me: venho intercedendo, junto às autoridades que nos regem os destinos, para que a sua consciência desperte para a divina luz. O grupo doméstico, amado e inesquecível, espera por você na preparação da felicidade porvindoura!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As palavras pronunciadas exprimiam enorme bagagem de considerações que ficariam por dizer.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Cada conceito envolvia-se em significativa onda de pensamentos, que evidenciavam, de modo indireto, os sagrados fins da visita materna.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após longa pausa, Letícia indagou delicadamente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que responde, filho meu?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez-se comovedor silêncio; percebemos que Gotuzo chorava, entre a respiração opressa e os soluços mal-contidos. Ao termo de alguns instantes, replicou, humilde:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Minha mãe, minha boa mãe! Estou pronto!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A comunicante, cuja presença sentíamos sem ver, tornou, visivelmente emocionada:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Rendo graças ao Senhor pela sua compreensão.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Sim, meu filho, organizaremos todas as medidas indispensáveis. Voltará, em breve, ao agrupamento familiar. Prepare-se, considerando a luta imprescindível à iluminação. O instituto doméstico, legitimamente considerado, é celeiro de supremos valores educativos para quantos procurem os interesses divinos, acima das cogitações humanas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O lar terrestre é bendita forja de redenção.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Reencontrará as simpatias e antipatias de outro tempo, oferecendo possibilidades felizes de reajustamento emocional. Recapitule mentalmente as lições aprendidas, peça a inspiração de Jesus e disponha-se a partir, tranqüilo. Não desanime diante do serviço a fazer. Somos milhões de criaturas, disputando o ensejo de santificar sentimentos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No passado, raras vezes procedíamos em obediência aos ditames da Lei. Se exteriorizávamos estima, perdíamo-nos em excessos de paixão, como perdulários do afeto; se manifestávamos atitudes de corrigenda, cedíamos à cegueira do ódio, como cultores do exclusivismo feroz. É mister regressar ao curso, para conquistar o equilíbrio espiritual necessário à elevação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Gotuzo, em lágrimas, não conseguia falar. A ex-genitora, todavia, deixando-nos perceber que lhe captava os mais íntimos pensamentos, acentuou, depois de mais longo interregno:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A esposa dedicada que deixou na Crosta não poderá servir-lhe de mãe; entretanto, ser-lhe-á carinhosa e experiente avó. Seu adversário gratuito, pobre homem que se entregou à inveja e à ambição destruidoras, receberá seus beijos infantis e com eles os eflúvios de seu perdão renovador. Que coração enganado pelos maus sentimentos não se dobrará entre as mudanças da vida? O ex-inimigo penetra, agora, no declínio das ilusões. Sua alma atravessa atualmente o pórtico que dá acesso à velhice do corpo temporário.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ao invés de lembranças doces que lhe afaguem o espírito, curtirá aflitivas reminiscências. Sua presença atenuar-lhe-á os pesares. Enquanto as doenças do desequilíbrio lhe vergastarem a carne e as recordações penosas lhe castigarem a mente, será você o neto consolador, mensageiro de paz em forma de criança. Ajudá-lo-emos a consagrar-lhe atenção e carinho. No desencanto do corpo cansado e na ternura infantil, o Espírito consegue sublimes realizações para a vida eterna.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Novo intervalo da visitante, que continuou, em seguida:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Seu futuro pai, na efêmera existência humana, coração particularmente amado do seu, receberá concurso amoroso e decisivo dum filho muito caro, elevando-se a nobilitante altura moral, pelo sagrado estímulo de sua companhia. Sua volta infundir-lhe-á mais respeito ao mundo e aos semelhantes. Desejará cultivar virtudes e valores, a fim de que você lhe abençoe a paternidade. Chorará com as suas dores, rir-se-á com as suas alegrias. Sentir-se-á novo homem, ao contacto de suas mãos pequeninas. Seu esforço futuro, após as realizações que vem levando a efeito, beneficiará todo o grupo familiar, em abençoada tarefa que não pôde realizar na condição que passou. Ó meu filho, haverá ventura maior que a de liquidar nossos débitos e partir unidos para os júbilos do cântico imortal de integração com a Divindade? Outras escolas mais belas esperam por nós, outras glórias nos felicitarão para sempre! Sigamos para Deus!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse ponto, interrompera-se-lhe a palavra, talvez absorvida pela emoção profunda.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Respeitoso e humilde, Gotuzo rogou à irmã Zenóbia lhe permitisse aproximar-se. Obtido o consentimento, avançou para a poltrona em que Luciana traduzia a personalidade materna, e ajoelhou- se, beijando-lhe as mãos:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Letícia, bondosa, recomendou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Levante-se, meu filho... Sei que você me ama, intensamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todavia, há irmãos nossos que lhe esperam a estima e a compreensão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não venho sozinha ao seu encontro. Enquanto me dispunha a visitá-lo, solicitei o comparecimento de alguém dos círculos mais densos, para colher a certeza de suas disposições. Para a nossa felicidade completa não basta que você me beije e admire.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />É indispensável que se aproxime fraternalmente daqueles a quem ainda não sabe amar. Alguém confabulará conosco, dentro de minutos breves. Abrir-se-ão as portas desta casa de bênçãos, em benefício de nossa congregação familiar. Espere.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mantinha-se Gotuzo em ansiosa expectativa, em face das singulares observações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Surpreendendo-nos a todos, poucos segundos após, duas senhoras penetraram o recinto. A que apresentava maior número de anos, revelava alta posição de orientadora, na luz que a circundava,<br />mas a segunda mostrava a obscura condição de alma encarnada, em temporário afastamento do corpo, através do sono físico.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reconheceu Gotuzo, de longe, e, evidenciando incontestável deficiência de disciplina emotiva, estendeu-lhe os braços, descontrolada e inquieta, bradando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Gotuzo, Gotuzo, que felicidade, este reencontro!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Parecendo, porém, perturbada pelo choque das lembranças relativas à diferente situação que o desprendimento do primeiro esposo lhe trouxera, acrescentava, aflita:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não me queira mal! Ajude-me por amor de Deus!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não me abandone, não me abandone!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dolorosos soluços rebentavam-lhe do peito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O interpelado quedou silencioso, atendendo, talvez, à íntima angústia que o dominava, mas Letícia interveio, generosa. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Erguendo-se, firme, recolheu a nora nos braços e tranqüilizou-a:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Venha, Marília, venha ao meu coração. Sabemos quanto tem sofrido, na silenciosa depuração espiritual. Nunca fomos surdos aos seus rogos e conhecemos, de perto, a extensão das provas amargurosas que lhe colheram a alma sensível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A visitante da Crosta Terrestre contemplava a benfeitora, enlevada e feliz, sentindo-se na presença dum anjo bom, já que não conseguia coordenar raciocínios para compreender o fenômeno em curso. Através da luminosidade de seu olhar, observávamos a ventura que lhe banhava o Espírito, jubiloso por tão belo entendimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Depois de acariciá-la com meiguice materna, a venerável amiga dirigiu-se ao nosso companheiro, acentuando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meu filho, não queria você abraçar-me e beijar-me? Acredita que a esposa terrestre mereça menos que eu? </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Admite, ainda, que a mãe de seus filhinhos estremecidos, saudosa e devotada, tenha sido ingrata ao seu desvelado amor? </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Continuará esquecido Francisco Cândido Xavier - Obreiros da Vida Eterna - pelo Espírito André Luiz 150 do bem para agravar o mal? A viúva, na Crosta, em muitas ocasiões, deve aceitar o segundo matrimônio com sacrifício necessário, por supremo respeito ao consorte que partiu. Retire dos olhos a venda do egoísmo que lhe vem interceptando a visão e interprete com naturalidade as exigências da vida terrena.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Num gesto conciliador, confiou-lhe a esposa, acrescentando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ajude-a para que você possa ser ajudado. Não recuse a lição, porque o futuro virá aclará-la inteiramente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Magnetizado, talvez, pela carinhosa advertência materna, Gotuzo abriu os braços e recolheu-a, solicito, na atitude de irmão compadecido e desvelado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Marília observava-o, em êxtase.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh, que sonho bom! – exclamou, sob indefinível expressão de ventura.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, relanceando o olhar pelo salão em luz, dirigia-se a nós outros, comovedoramente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tenho medo de minha velha habitação! Ah, por favor, enviados Divinos, não me deixeis voltar, nunca, nunca mais!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Compreendendo que a nora, temporariamente liberta do corpo, entrava num domínio vibratório prejudicial à organização psíquica, em virtude dos deveres que lhe cabiam na esfera carnal, Letícia considerou, retomando-a a si:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ouça, filha: é preciso que você não se detenha por mais tempo. Não pode permanecer entre nós, antes que os Eternos Desígnios se manifestem nesse sentido. Volte, porém, ao lar distante, convencida de nossa afeição sem mácula. Nossa tranqüilidade seguir-lhe-á os dias terrenos. Não lhe faltará cooperação. Se não pode acompanhar o esposo querido, pela inoportunidade de semelhante desejo, alegre-se e confie no Poder Divino, pois Gotuzo irá ao seu encontro. Em breve, Marília, seus beijos orvalharão de amor e ventura um rosto pequenino, que sintetizará, para as suas esperanças de avó, verdadeiro mundo de felicidade redentora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Emocionada pela alegria, interrogou a pobre alma:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Gotuzo perdoou-me?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ele nunca sofreu ofensa alguma de seu coração dedicado – adiantou-se Letícia, bondosa –, e lembrar-se-á sempre, com desvelo e ternura, da companheira fiel que lhe amparou os filhinhos amados e lhe honrou o nome, entre renúncias e sacrifícios ignorados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! oh! Que felicidade! – repetia a interlocutora, afogada em pranto de júbilo e reconhecimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Afagando a fronte do filho, que também chorava sob forte emoção, Letícia rogava-lhe:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Diga-lhe, meu filho, quanto a amamos! Tranqüilize-lhe a alma sensível e afetuosa!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tal como uma criança vencida, nosso irmão assegurou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Marília, nunca resgatarei minha dívida para com seu devotamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Regresse, confiante, enquanto preparo minha própria volta. Brevemente, com o auxílio de Deus e de nossa abençoada mãe, estaremos, de novo, reunidos na Terra! Peça energias para mim, em suas orações de serva incompreendida.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Está você em vias de terminar dolorosa prova de resgate, ao passo que vou recomeçá-la. Sou eu, portanto, agora, quem suplica auxilio e proteção...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Espere-me! Não desfaleça! Aprenderemos a refundir sentimentos, purificar laços afetivos, santificar impulsos e, sobretudo, abençoaremos quem nos feriu aparentemente, amparando suposto inimigo, a fim de que nos convertamos em sinceros irmãos uns dos outros...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ambos choravam enternecedoramente. Em seguida, Letícia restituiu a nora aos braços amigos da orientadora que a reconduziu de volta ao corpo físico, no mesmo silêncio dentro do qual se mantivera até então.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A ex-genitora de Gotuzo recomendou-lhe que retomasse o primitivo lugar e, recompondo o ambiente, solicitou o concurso de Zenóbia para a futura realização filial.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A Diretora da Casa, rememorando talvez o esforço que levara a efeito naquela mesma noite, em benefício dum coração que lhe era particularmente amado, acusava funda emoção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Gotuzo conta nesta instituição com amigos que lhe são infinitamente reconhecidos – falou Zenóbia, sensibilizada. É companheiro a quem devemos muito. Realizaremos, de bom grado, tudo quanto esteja ao nosso alcance para que a experiência nova lhe seja portadora de luzes e bênçãos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A felicidade dele, em outro setor, minha irmã, será igualmente a felicidade desta casa. Seguilo- emos na recapitulação terrestre, atenciosos e vigilantes, não por obséquio, mas em obediência ao preito de gratidão de que somos devedores, pelos vários anos em que cooperou conosco, devotada e assiduamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Letícia agradeceu e partiu, deixando-nos preciosos eflúvios de paz e encantamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Outro iluminado mentor da organização socorrista, identificado por Luciana, então reintegrada na própria personalidade, ditou-nos, por ela, algumas palavras de estímulo, elevadas e santas, endereçando-nos copiosa chuva de raios luminosos através da tela das bênçãos, recomendando a Zenóbia que encerrasse os serviços da prece, na paz do Senhor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A diretora pronunciou enternecida oração de reconhecimento e júbilo, encerrando a tarefa.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Abraçando-nos, esclarecidos e satisfeitos pelo êxito da hora, vimos que a irmã Zenóbia encaminhou-se para Gotuzo, enlaçando-o maternalmente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh, minha venerável irmã! – disse ele, enternecido – Como é grande o prêmio da Misericórdia Divina!... Não mereço tanto!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Auxilie-me a agradecer a Deus!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Regozijemo-nos, Gotuzo! – respondeu a interlocutora – e louvemos o Pai que tanto nos engrandece o esforço obscuro e pequenino!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O agraciado de hoje não foi apenas você. Também eu aumentei, de muito, meus grandes débitos para com o Altíssimo!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De voz quase embargada pela comoção, concluiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Também eu recebi divina concessão nesta grande noite! </span><br />
<br />Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-80123484451440305772017-08-29T17:04:00.001-07:002017-09-03T14:04:21.582-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">10 - Fogo Purificador</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Na manhã imediata, a administração da Casa Transitória achava- se de posse do roteiro a seguir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os cronômetros acusavam seis horas; no entanto, as sombras densas e monótonas dominavam a região.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O instituto recebia o concurso de vários servidores de outras organizações socorristas da mesma natureza, enquanto a irmã Zenóbia se mantinha absorvida pelos quefazeres imperiosos do momento, cercada de assessores, orientando atividades alusivas à mudança próxima.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ardendo de ansiedade por obter maiores esclarecimentos acerca dos trabalhos em execução, acompanhei o padre Hipólito, que me convidou a inspecionar os movimentos do átrio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Segui-o gostosamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O serviço ativo exigia a atenção e o esforço de grande número de colaboradores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Instado pelas minhas interrogações insistentes, o prezado companheiro informou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– As instituições socorristas, como esta, podem alçar vôos de grande alcance.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, diante da minha funda admiração, continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Permanecemos, porém, noutros domínios vibratórios e não podemos ter grandes surpresas. As leis da matéria densa, nossas velhas conhecidas da Crosta Planetária, não são as que presidem aos fenômenos da matéria quintessenciada que nos serve de base às manifestações também transitórias. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">O homem encarnado somente agora começa a perceber certos problemas inerentes à e nergia atômica do plano grosseiro em que situa, temporariamente, a personalidade. Como você não ignora, as descargas elétricas do átomo etérico, em nossa esfera de ação, ensejam realizações quase inconcebíveis à mente humana. Nos círculos carnais, para atendermos aos nossos enigmas evolutivos ou redentores, somos fracos prisioneiros do campo sensorial, prisioneiros que se comunicam com a vida infinita pelas estreitas janelas dos cinco sentidos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não obstante o progresso da investigação científica entre as criaturas terrenas, o homem comum apenas conhece, por enquanto, uma oitava parte do plano onde passa a existência.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A vidência e a audição, as duas portas que lhe podem dilatar a pesquisa intelectual, permanecem excessivamente limitadas. Vejamos, por exemplo, a luz solar, que condensa as cores básicas, suscetíveis de serem assinaladas pelo nosso olho, quando na Terra.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Percebemos, tão somente, as cores que vão do vermelho ao violeta, salientando-se que a maioria das pessoas nada enxerga além das últimas cinco, que são o azul, o verde, o amarelo, o laranja e o vermelho, não registrando o índigo e o violeta. Existem, porém, outras cores no espectro, correspondentes a vibrações para as quais o olho humano não possui capacidade de sintonia. Manifestam-se raios infravermelhos e ultravioletas que o pesquisador humano consegue identificar imperfeitamente, mas que não pode ver.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ocorre o mesmo com a potência auditiva. O ouvido da mente encarnada assinala apenas os sons que se enquadram na tabela de “16 vibrações sonoras a 40.000 por segundo”. As ondas mais lentas ou mais rápidas escapam-lhe totalmente. Há que obedecer às leis da gravitação e da estrutura das formas, na zona de matéria densa, para que a vida atinja seus divinos objetivos espirituais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O ex-sacerdote fez breve parada, sorriu amavelmente, e acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Os movimentos de trabalho em nossa esfera de luta, portanto, não podem ser vistos com a mesma deficiência de exame que antigamente nos presidia às observações. A matéria e as leis, em nosso plano, permanecem bastante diferenciadas, embora emanem da mesma Origem Divina.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As considerações eram sumamente interessantes para mim, em tal conjuntura, apesar de já não ser leigo no conhecimento da aplicação de energia elétrica, na colônia espiritual em que eu mantinha residência. As palavras de Hipólito tinham a virtude de aliviar-me o cérebro atulhado ainda de reminiscências viciosas da Crosta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O estimado amigo, não obstante reconhecera leveza da substância etérica, em comparação com os fluidos grosseiros que constituem os corpos terrenos, chamou-me a atenção para o esforço hercúleo dos trabalhadores que articulavam diversos serviços atinentes à próxima modificação. A tarefa exigia decisão e boa vontade, assombrando o ânimo mais forte.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A utilização de recursos, ali, naquela casa de benemerência, insulada em tão escura paisagem, custava inauditos sacrifícios. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A densidade da região influía inequivocamente nos serviços e os colaboradores despendiam atividades de gigantescas proporções.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todo o pessoal disponível fora convocado ao trabalho dos motores e, quando me entregava a transportes admirativos, diante da maquinaria complexa, indescritível na técnica humana, a irmã Zenóbia, através de Jerônimo, nos pediu colaboração nas defesas magnéticas, em vista da necessidade de empregar maior número de cooperadores na preparação ativa do vôo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não tínhamos tempo a perder. O próprio Assistente que nos orientava, num belo exemplo de renúncia fraternal, tomou a dianteira, encaminhando-se para as faixas de defesa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não eram, essas, altas e verticais como as muralhas das fortificações terrestres, mas horizontalmente estendidas, formadas de substância escura, e emitiam forças elétricas de expulsão num raio de cinco metros de largura, aproximadamente, circulando toda a casa. Diversos focos de luz permaneciam acesos e, em rápidos<br />minutos, determinado responsável pela tarefa colocava-nos ao corrente do trabalho a executar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Velaríamos pelo funcionamento regular de certos aparelhos geradores de energia eletromagnética, destinados à emissão constante de forças defensivas, e vigiaríamos o setor que nos fora confiado,<br />de modo a sanar qualquer anormalidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Finalizando as explicações, assegurou o colaborador:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Temos determinação para receber todos os sofredores que se apresentarem renovados, facultando-lhes ingresso ao pátio interno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nas últimas horas, a irmã Zenóbia e os demais administradores da instituição ordenaram acolhimento a todos os transviados que se aproximassem de nós, com sinais legítimos de transformação moral para o bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Certo, Jerônimo estaria informado quanto às providências necessárias; entretanto, dentro de minha ignorância, não contive a<br />interrogação:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Como nos asseguraremos, porém, dessa renovação?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O prestimoso Assistente não permitiu que o interpelado me respondesse. Adiantou-se, ele mesmo, e informou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Os sofredores, já modificados para o bem, apresentarão círculos luminosos característicos em torno de si mesmos, logo que, estejam onde estiverem, concentrem suas forças mentais no esforço pela própria retificação. Os outros, os impenitentes e mentirosos istemáticos, ainda que pronunciem comovedoras palavras, permanecerão confinados nas nuvens de treva que lhes cercam a mente endurecida no crime.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O esclarecimento era bastante significativo; e silenciei, satisfeito, compreendendo, mais uma vez, a grandeza da purificação consciencial, em lugar dos protestos verbalísticos que se fazem através dos jogos brilhantes da palavra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entregávamo-nos, tranqüilos, ao trabalho, quando indescritível choque atmosférico abalou o escuro céu. Clarão de terrível beleza varou o nevoeiro de alto a baixo, oferecendo, por um instante, assombroso espetáculo. Não era bem o relâmpago conhecido na Crosta, por ocasião das tempestades, porquanto as descargas elétricas da Natureza, sobre o chão denso, são menos precisas no que se refere à orientação técnica de ordem invisível. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Observava- se, ali, o contrário: a tormenta de fogo ia começar, metódica e mecanicamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dominou-me angustioso pavor, mas o Assistente Jerônimo revelava-se tão calmo que a sua serenidade era contagiante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É o primeiro aviso da passagem dos desintegradores – explicou-nos, solícito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A distância de muitos quilômetros, víamos os clarões da fogueira ateada pelas faíscas elétricas na desolada região.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Decorridos alguns minutos, chegaram novos reforços para a guarda. Todos os servos do bem, em trânsito na Casa Transitória, foram chamados a cooperar na vigilância. O assessor que os distribuía, em variados setores do serviço, esclareceu que o instituto socorrista deveria partir dentro de quatro horas e que, nesse tempo, em circunstâncias como aquelas, seria grande o número de infortunados a procurar-lhe as portas, acentuando que não se dispunha de colaboradores em quantidade suficiente para atender às tarefas do átrio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Antes de maiores explicações, ribombou novo trovão nas alturas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O fogo riscou em diversas direções, muito longe ainda, como a notificar-nos de sua aproximação gradativa. Dessa vez, todavia, recebi a nítida impressão de que a descarga elétrica não se detivera na superfície. Penetrara a substância sob nossos pés, porque<br />espantoso rumor se fez sentir nas profundezas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Muitas vezes ouvira viajantes que afrontaram sinistros do mar e todos eram unânimes em asseverar a beleza cruel das grandes tormentas no dorso do abismo equóreo, bem como afirmavam que viajor algum, por mais incrédulo, conseguia subtrair-se às ponderações místicas da fé, perante o turbilhão escachoante do desconhecido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ali, no entanto, a emoção era mais solene, os fatores mais complexos, tal o patético do fenômeno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Buscando talvez tranqüilizar-me, o Assistente afiançou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O trabalho dos desintegradores etéricos, invisíveis para nós, tal a densidade ambiente, evita o aparecimento das tempestades magnéticas que surgem, sempre, quando os resíduos inferiores de matéria mental se amontoam excessivamente no plano.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo, experiente e bondoso, tentava sossegar-me o coração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todavia, embora soubesse que não nos encontrávamos, ainda, diante da tormenta de forças caóticas desencadeadas sem rumo, confesso que sentia enorme dificuldade para desincumbir-me das obrigações assumidas, em virtude da minha absoluta despreocupação do que ocorria fora do ambiente de serviço.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desde aquele segundo estampido atordoante do firmamento, a Casa Transitória de Fabiano entrou em fase anormal de trabalho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Servidores, embora sob impecável articulação, iam e vinham, apressados. Lá dentro, cogitava-se das derradeiras medidas, com valioso aproveitamento dos minutos. Aparelhos de comunicação funcionavam em ritmo acelerado, anunciando o fato, em direções várias, avisando peregrinos da espiritualidade superior, a fim de não se aproximarem da zona sob regime de limpeza. Três quartas partes dos colaboradores efetivos de Zenóbia cuidavam das providências alusivas ao vôo próximo ou organizavam acomodações para os necessitados que chegariam em bando. Com efeito, justificavam-se as medidas, porque ouvíamos agora ensurdecedora algazarra de multidões que se aproximavam.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sucederam-se outros ribombos ameaçadores, despejando fogo na superfície e energias revolventes no interior do solo que pisávamos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ondas maciças de sofredores aterrados começaram a alcançar as defesas. Era dolorosa a contemplação da turba amedrontada e expectante. Aproximamo-nos dela, quanto era possível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Socorro! socorro! – conclamavam infelizes em agrupamentos compactos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ameaçavam-nos outros:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Fujam daqui! Atravessaremos a barreira de qualquer modo!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O abrigo nos pertence! Vamos à força!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E não se limitavam às palavras. Avançavam, em massa, sobre as faixas horizontais, para recuarem, espavoridos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ajudai-nos, por amor de Deus! – suplicavam os menos atrevidos – Recolhei-nos, por caridade! </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Seremos perseguidos pelo fogo devorador!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entretanto, com maior ou menor intensidade, todos os sofredores exibiam escuros círculos de treva em torno de si.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Um deles atingiu-nos o círculo de atividade e identifiquei-o.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não havia qualquer dúvida. Era o verdugo que me provocara tanta revolta íntima na véspera. Pastou-se de joelhos, não muito longe de nós, e implorou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tende piedade de mim!... As fogueiras ameaçam-me! Penitencio-me! Penitencio-me! Fui pecador, mas espero contar com o vosso auxílio para reabilitar-me!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As rogativas sensibilizariam qualquer cooperador menos avisado, mas, prevenidos quanto à senha luminosa, notávamos que o pedinte se cercava de verdadeiro manto de trevas. Dele se aproximou Luciana, quanto pôde. Fixou-o bem, fez significativo gesto e exclamou, espantada, embora discreta:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh, como é horrível a atividade mental deste pobre irmão!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vêem-se-lhe no halo vital deploráveis lembranças e propósitos destruidores. Está amedrontado, mas não convertido. Pretende alcançar a nossa margem de trabalho para se apropriar dos benefícios Divinos, sem maior consideração. A aura dele é demasiadamente expressiva...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ia dizer mais alguma coisa. Bastou, entretanto, um olhar do Assistente que nos dirigia, para que ela se calasse, humilde, reintegrando- se no trabalho complexo que tínhamos em mão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dilatavam-se fogueiras enormes em direções diversas e raios fulgurantes eram metodicamente despejados do céu.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vasta dose de paciência era despendida por todos nós, para conter a multidão furiosa. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Impressionavam-nos as formas monstruosas e miseráveis a se arrastarem vestidas de sombra, quando começaram a chegar entidades aureoladas de luz. Trajavam farrapos e traziam comovedores sinais de sofrimento. Dando a perceber que desejavam isolar a mente das centenas de revoltados que ali se congregavam em ativo movimento de insurreição, contemplavam o Alto e cantavam hinos de reverência ao Senhor, em regozijo da própria renovação, cânticos esses abafados pela algaravia dos rebeldes agitados.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Reparava, pela expressão de quantos iluminados se aproximavam de nós, que se esforçavam por manter o pensamento alheio às objurgatórias dos maus, temendo talvez o interesse mental pelo que emitiam, circunstância criadora de novos laços magnéticos favoráveis à dominação dos verdugos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Intentavam, por isso, alimentar o máximo desprendimento dos apodos que lhes eram lançados pela turba malévola e impenitente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Formavam agrupamentos de formosura singular. Sublimes quadros de paraíso, no inferno de atrozes padecimentos! </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Vinham, de mãos entrelaçadas, como a permutar energias, a fim de que se lhes aumentasse a força para a salvação, no minuto supremo da batalha que mantinham, talvez, desde muito antes. E esse processo de troca instintiva dos valores magnéticos infundia-lhes prodigiosa renovação de poder, porquanto levitavam, sobrepondo-se ao desvairado ajuntamento.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Emolduravam-lhes a fronte belos círculos de luz, com brilho mais ou menos uniforme. Enquanto os tipos de semblante sinistro lhes dirigiam insultos, elas cantavam hosanas ao Cristo, entoando louvores, que, de certo, lembravam os júbilos dos primeiros cristãos, perseguidos e flagelados nos circos, quando se retiravam sob os apupos de espectadores perversos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mas, para se acolherem ao asilo de Fabiano, necessitavam pousar rente a nós, que lhes abríamos passagem prazerosamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entretanto, para alcançarem o átrio da instituição, eram compelidas à quebra da corrente de energias magnéticas recíprocas, mantendo-se de mãos separadas, e os recém-chegados, em sua maioria, desvencilhando-se, involuntariamente uns dos outros, tombavam enfraquecidos após prolongado esforço, logo aos primeiros passos na região interna da Casa Transitória. Semelhavam-se, assim, às aves esgotadas em laboriosa excursão, depois de atingirem o objetivo que as fizera afrontar distâncias e tormentas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Na qualidade de aprendiz incipiente, angustiava-me a observação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tudo, no entanto, fora previsto pelas autoridades administrativas do instituto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enfermeiros e macas, em grande número, estacionavam, não longe de nós, promovendo socorros imediatos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Pequenos e admiráveis cordões de entidades, transformadas interiormente pelos dolorosos banhos de pranto santificador, chegavam agora de todos os lados. E as hordas ferozes e irônicas, rodeadas de trevas, multiplicavam-se também, em turbas compactas, ferindo-nos a audição com blasfêmias e injúrias contundentes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entre os ingratos e rebelados, havia, contudo, criaturas que se mostravam, aflitas e, genuflexas, tocavam-nos o coração fraterno com seus brados de socorro e amargurosas queixas, as quais, porém, não podíamos aliviar com qualquer benefício precipitado, em virtude da perigosa condição mental em que se mantinham, condição que lhes impunha sofrimentos reparadores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quase quatro horas difíceis se escoaram, exigindo-nos delicada atenção na tarefa. E, agora, a paisagem era mais sufocante, mais terrível... Serpentes de fogo desenovelavam-se dos céus e penetravam o solo, que começou a tremer sob os nossos pés. O calor asfixiava. Sentindo os elementos vacilantes que nos ladeavam, recordei velha descrição do maremoto de Messina, em que, sob o auge do pavor, diante da Natureza perturbada, não sabiam as vítimas como se colocarem a caminho do salvamento, porquanto, em torno, a terra, o mar e o céu se conjugavam num ciclópico e sincrônico arrasamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A instituição, através de todos os administradores e auxiliares, operava com indescritível heroísmo. Com franqueza, de minha parte aguardava, ansioso, o sinal de regresso ao interior, tal a impressão desagradável de que me sentia possuído.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Fitas inflamadas do firmamento caíam, caíam sempre, em meio de formidáveis explosões, oriundas da desintegração de princípios etéricos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quando tudo fazia supor que não havia, nas vizinhanças, entidades em condições de serem socorridas, soou a clarinada equivalente ao toque de recolher.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enfim! suspirei, aliviado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Consoante instruções recebidas, abandonamos os aparelhos eletromagnéticos da defensiva, em funcionamento indiscriminado, e afastamo-nos apressadamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorvedouros de chamas surgiam próximos e tamanha gritaria se verificava, em derredor, que tínhamos perante os olhos perfeita imagem de vasta floresta incendiada, a desalojar feras e monstros de furnas desconhecidas. Atravessamos o pórtico do asilo seguidos de todos os companheiros que ainda se conservavam no exterior. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Escutávamos, agora, o ruído leve dos motores. Lá fora, espessos bandos de entidades perversas tentavam ainda romper os obstáculos, invadindo-nos o abrigo prestes a partir. Aflitiva inquietude empolgava-me.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que seria de nós, se a multidão assaltasse o reduto? por outro lado, a queda contínua de faíscas chamejantes, a meu ver, punha em perigo a organização. Porque não desferir vôo imediatamente?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Era forçoso considerar que dentro do asilo reinava absoluta ordem, não obstante o ritmo apressado do trabalho.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Acomodações simples, mas confortadoras, recebiam sofredores extenuados. E serena como sempre, como se estivesse habituada às perturbações externas, a irmã Zenóbia controlava a situação, ultimando providências.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todas as portas de acesso fácil ao interior foram hermeticamente cerradas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, a orientadora chamou-nos à vasta sala consagrada à oração e esclareceu que a Casa Transitória, para movimentar-se com êxito, não necessitava apenas de forças elétricas, baseadas em simples fenômenos da matéria diferenciada, mas, também, de nossas emissões magnético-mentais, que atuariam como reforço no impulso inicial de subida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Zenóbia fora breve, dadas as circunstâncias do momento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mantínhamo-nos todos em ansiosa expectativa, concentrados na câmara da prece, com exceção dos companheiros que se achavam em serviço de assistência imediata aos recolhidos das últimas horas e de quantos se conservavam de sentinela, junto à maquinaria em funcionamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Funda emoção transparecia em todos os rostos. Lá fora, rugiam elementos em atrito. A diretora, após convidar-nos a transfundir vibrações mentais, num só ato de reconhecimento ao Senhor, tomou entre as mãos lindo volume. Reconheci-o imediatamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Era a Bíblia, nossa conhecida de tantos anos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Abrindo-a, atenciosa, a orientadora começou a ler o Salmo cento e quatro, em voz alta, pausada e solene:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Bendize, ó minh’alma, o Senhor...<br />Senhor, Deus meu, engrandecido<br />De majestade e de esplendor!<br />Revestido de luz, como dum manto,<br />Desdobraste o céu, como sagrada cortina da vida...<br />Construíste as sublimes câmaras das águas,<br />Fazes das nuvens o seu carro<br />E derramas teu hálito criador nas asas do vento.<br />Enches o Universo de mensageiros<br />E, por vezes, tomas por teu ministro o fogo devorador.<br />Fundaste-nos a Casa Terrestre em bases seguras,<br />Garantindo-nos a vida em séculos de séculos...<br />Deste-lhe abismos e píncaros por vestidura,<br />Santificaste as águas para que se elevem sobre os montes,<br />Mas, à tua voz de comando, todos os elementos se transformam,<br />Porque, se envias a música da manhã,<br />envias igualmente o trovão destruidor...<br />Elevam-se montanhas, descem vales<br />Ao lugar que lhes marcaste,<br />Sem que ultrapassem seus limites.<br />Fazes sair, Senhor, as fontes dos vales<br />Fertilizando os montes...<br />Dás de beber aos animais do campo<br />E sacias a sede às plantações silvestres,<br />Onde as aves do céu guardam seu ninho,<br />Louvando-te, dia e noite... Irrigas o topo das montanhas, jorrando águas do céu, Para que a Terra seja farta de frutos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A leitura do Salmo ia em meio, quando o instituto, qual vigorosa embarcação aérea, principiou a elevar-se.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A devotada orientadora não lia apenas: pronunciava os vocábulos de louvor, compilados há tantos séculos, sentindo-os, intensamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Oh, maravilha! Tamanha era a comoção com que se dirigia, humilde e reverente, ao Senhor do Universo, que o tórax de Zenóbia parecia misterioso foco resplandecente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Contagiados pela sua fé ardorosa, uníamo-nos na mesma vibração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O oratório encheu-se de profusa claridade. Luz irradiante ganhava os compartimentos próximos e deveria espraiar-se, lá fora, no campo de sombras espessas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Eminentemente comovido, observei que a Casa Transitória, deslocada vagarosamente de início, punha-se agora em movimento rápido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não pude examinar particularidades do fenômeno.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A atitude recolhida de Zenóbia, em oração vigilante, compelia-nos a sustentar o mesmo tono vibratório ambiencial. Reparava, porém, que a instituição socorrista subia sempre.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Decorrida quase uma hora de vôo vertical, alcançamos uma região clara e brilhante. O sorriso do Sol trouxe-nos alívio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Levantou-se a diretora e, seguindo-a, erguemo-nos, de novo, compreendendo que a fase perigosa passara.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desde esse momento, a instituição movimentou-se em sentido horizontal, viajando sobre os elementos do plano. Das pequenas janelas, contemplamos as coloridas auréolas do fogo devorador.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Grupos diversos puseram-se em palestra e observação. A irmã Zenóbia, cercada de assessores, comentava as próximas medidas referentes aos serviços de readaptação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aproximando-me do Assistente Jerônimo e do padre Hipólito, que trocavam idéias entre si, passamos a analisar a grandeza do trabalho sob nossos olhos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! – exclamei – se os homens encarnados entendessem a beleza suprema da vida! Se apreendessem, antecipadamente, algo dos horizontes sublimes que se nos apresentam depois da morte do corpo, certamente valorizariam, com mais interesse, o tempo, a existência, o aprendizado!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo sorriu e ponderou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, André. Todavia, importa observar que o plano transitoriamente pisado pelos homens permanece também repleto de mistério e encantamento. Para os que amam a glória de Deus, a Crosta Planetária oferece sublimes revelações, desde os estudos do infinitesimal até a contemplação dos grandes sistemas de mundos que se equilibram na imensidade!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E meditando sobre as horas inolvidáveis que passamos, desde a nossa descida ao abismo, ouvi ambos os companheiros trocarem impressões acerca dos problemas transcendentes da vida, como sejam o aprimoramento do Espírito e da forma, o planejamento dos destinos de orbes e seres, o governo místico da Terra em suas diferentes esferas de atividade e evolução, os vários tipos de criaturas na Humanidade, as leis do progresso e da reencarnação, a extensão das forças condensadas no átomo etérico, a energia dos elementos químicos no campo físico das manifestações planetárias e o poder criador dos grandes mentores da sabedoria.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Escutava-os, entre o silêncio e a humildade, como aprendiz extasiado diante de mestres benévolos e experientes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em breve, porém, após haurir lições que jamais esquecerei, reparamos que a Casa Transitória descia suavemente. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Regressávamos ao circulo de substância densa, embora menos pesada e menos escura. Dentro em pouco, pudemos localizar o abrigo de Fabiano em outra zona de serviço fraterno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Extensa legião de servidores aguardava a nossa chegada, a fim de colaborar conosco no esforço de readaptação. Gastáramos na viagem três horas e trinta e cinco minutos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Complexas atividades esperavam os obreiros dedicados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Preliminarmente, porém, a irmã Zenóbia, radiante, congregou-nos na jubilosa prece de agradecimento, após a qual Jerônimo nos convidou a sair. Cinco irmãos fiéis ao bem, já em vésperas de libertação da carne, aguardavam-nos o auxílio na Crosta da Terra e era necessário partir.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-53862165200303108112017-08-29T16:48:00.001-07:002017-09-03T13:54:19.494-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">11 - Amigos Novos </span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Conduzindo equipamento indispensável ao trabalho, despedimo-nos da instituição socorrista, colocando-nos a caminho da Crosta. Jerônimo dava-se pressa em auscultar os vários ambientes em que se verificaria nossa atuação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Programou a tarefa com simplicidade e bom senso. Não nos distrairíamos com quaisquer investigações, além da missão previamente esboçada, e manter-nos-íamos em ligação incessante com a Casa Transitória, para maior eficiência no dever a cumprir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Naturalmente – explicou – seremos forçados a diversas atividades de assistência aos amigos prestes a se desfazerem dos elos corporais do plano grosseiro e a fundação de Fabiano será o nosso ponto principal de referência no trabalho. Nos instantes de sono, conduzi-los-emos até lá, para que se habituem lentamente com a idéia de afastamento definitivo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Intrigado, ao verificar tanta cautela, perguntei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meu caro Assistente, todas as mortes se fazem acompanhar de missões auxiliadoras? Cada criatura que parte da Crosta precisa de núcleos de amparo direto?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O amigo sorriu com indulgência, na superioridade legítima dos que ensinam sabiamente, e esclareceu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Absolutamente. Reencarnações e desencarnações, de modo geral, obedecem simplesmente à lei. Há princípios biogenéticos orientando o mundo das formas vivas ao ensejo do renascimento físico e princípios transformadores que presidem aos fenômenos da morte, em obediência aos ciclos da energia vital, em todos os setores de manifestação. Nos múltiplos círculos evolutivos, há trabalhadores para a generalidade, segundo sábios desígnios do Eterno; entretanto, assim como existem cooperadores que se esforçam mais intensamente nas edificações do progresso humano, há missões de ordem particular para atender-lhes as necessidades.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sentindo-me a estranheza, Jerônimo prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não se trata de prerrogativa injustificável, nem de compensações de favor. O fato revela ordenação de serviços e aproveitamento de valores. Se determinado colaborador demonstra qualidades valiosas no curso da obra, merecerá, sem dúvida, a consideração daqueles que a superintendem, examinando-se a extensão do trabalho futuro. No plano espiritual, portanto, muito grande é o carinho que se ministra ao servidor fiel, de modo a preservar-lhe o devotado Espírito da ação maléfica dos elementos destruidores, com o desânimo e a carência de recursos estimulantes, permitindo-se, simultaneamente, que ele possa ir analisando a magnitude de nosso ministério na verdade e no bem, em face do Universo infinito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ouvindo-lhe a elucidação, lembrei-me instintivamente dos tipos apostólicos que conhecera na experiência humana. Não haveria contradição no esclarecimento? Os padres virtuosos, com os quais mantivera contacto no mundo, eram pessoas perseguidas através de todos os flancos. Notava que criaturas de mais subido valor moral eram justamente as escolhidas para o assédio da calúnia constante. Sem relacionar apenas os de minha intimidade, recordava a própria história do Cristianismo. Não era porventura, cheia de exemplos? Os temperamentos, por muitos anos fervorosos na fé, haviam sido pasto de feras. Os continuadores do Mestre foram vítimas de tremendas provações e Ele mesmo alcançara o Calvário em passadas dolorosas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente percebeu o jogo de raciocínios que se me desdobrava no íntimo e esclareceu: – Suas objeções mentais não têm razão de ser. A concepção humana do socorro Divino é viciada desde muitos séculos. A criatura pressupõe no amparo de Deus o protecionismo do sátrapa terrestre. Espera perpetuidade de favores materialísticos, injustificável destaque entre os menos felizes, dominação e louvor permanentes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Costuma aguardar serviço, estima e entendimento, mas desdenha servir, estimar e entender, quando não seja em retribuição.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O subsídio celeste traduz-se por benditas oportunidades de trabalho e renovação; chega, muitas vezes, ao círculo da criatura, como se foram gloriosas feridas, magníficas dores, abençoados suplícios. Enquanto predominem na Crosta Planetária os impulsos de animalidade primitiva, os agraciados pela bênção divina serão, em sua maior parte, representantes do poder espiritual, os quais, de maneira alguma, ficarão isentos de testemunhos difíceis nas demonstrações imprescindíveis. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Não que o Senhor intente transformar discípulos em cobaias, mas pela imposição natural da obra educativa em que a lição do aluno atento e fiel deve interessar à classe inteira. O que quase sempre parece sofrimento e tentação, constitui bem-aventurança transformando situações para o bem e para a felicidade eterna.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O argumento era lógico e incisivo. E porque o Assistente silenciasse, cogitando, talvez, do objetivo fundamental que nos conduzia ao trabalho previsto, procurei reter impulsos indagadores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Orientados por Jerônimo, atingíramos pequena cidade do interior e dirigimo-nos a certa casa humilde, na qual, em breves minutos, nos apresentava ele determinado companheiro, em lamentáveis condições, atacado de cirrose hipertrófica.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É Dimas! – exclamou, indicando o enfermo – assíduo colaborador dos nossos serviços de assistência, faz muitos anos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Veio de nossa colônia espiritual, há pouco mais de meio século, consagrando- se a tarefa obscura para melhor atender aos divinos desígnios. Desenvolveu faculdades mediúnicas apreciáveis, colocando-se a serviço dos necessitados e sofredores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O quarto modesto permanecia cheio de radiosos eflúvios, denunciando a incessante visitação de Espíritos iluminados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nosso amigo – continuou o Assistente – fez-se o credor feliz de inúmeras dedicações pela renúncia com que sempre se conduziu no ministério. Agora, é chegado para ele o tempo do descanso construtivo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Agradavelmente surpreendido, reparei que o doente se apercebeu da nossa presença. Cerrou os olhos do corpo, enxergou-nos com a visão da alma e animou-se, sorrindo...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O enfraquecimento físico atingira o ápice e Dimas conseguia deixar o aparelho corporal, de certo modo, com extraordinária facilidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vendo-nos, perto do leito, pôs-se em ardente rogativa, pedindo-nos colaboração. Estava exausto, dizia; no entanto, mantinha-se calmo e confiado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aconselhado por Jerônimo, acerquei-me do enfermo, aplicando-lhe passes magnéticos de alívio sobre o tecido conjuntivo vascular. O abdômen conservava-se pesado e enorme. Revelaram-se, porém, sensações imediatas de reconforto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Seguindo-se ao meu auxílio humilde, Jerônimo dirigiu-lhe palavras de encorajamento e prometeu voltar, mais tarde.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas, enlevado, endereçava ao Céu comovedor agradecimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em breves momentos, dois amigos espirituais dele vieram ter ao quarto, saudando-nos atenciosamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nosso dirigente convidou-nos à retirada, explicando-nos, depois que nos havíamos afastado: – Após rápida visita aos interessados, reuni-los-emos em sessão de esclarecimento, na Casa Transitória, de maneira a prepará-los para o fenômeno próximo da libertação definitiva. Esperaremos a noite para esse fim.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Da pequena cidade em que se localizava o primeiro visitado, dirigimo-nos ao Rio de Janeiro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Utilizávamos a volitação, prazerosos e felizes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Muito difícil descrever a sensação de leveza e alegria inerente a semelhante estado, após a permanência na escura região de que procedíamos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Fala-se, muitas vezes, entre os encarnados, na possibilidade da criação do aparelho de vôo individual; todavia, ainda que se efetive a nova conquista, o peso do corpo físico, os cuidados exigidos pela máquina de propulsão e os riscos de viagem não podem, de modo algum, substituir a segurança e a tranqüilidade que nos enchem de tamanho bem-estar. Após a excursão normal, entre a Casa Transitória de Fabiano e a Crosta Terrestre, dentro de harmoniosas condições conservávamo-nos descansados e bem dispostos, operando muito facilmente a volitação, não obstante a densidade atmosférica.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Poucas vezes se me apresentara tão belo o espetáculo da paisagem terrena. Serras e vales, rios e arrolos marcando cidades e vilarejos, sob o espelho rutilante do Sol, falavam-me ao coração da misericórdia do Altíssimo congregando as criaturas em ninhos floridos de trabalho pacífico.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Pensamentos de louvor ao Eterno Pai felicitavam-me o espírito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O casario compacto do Rio achava-se agora à nossa vista.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não decorreu muito tempo e penetramos singular residência, em bairro menos populoso, e deparamos com enternecedora paisagem doméstica. Cavalheiro na idade madura, deitado em pequeno divã, apresentando terríveis sinais de tuberculose adiantada, sustentava comovente palestra, dirigindo-se a dois pequeninos que aparentavam seis e oito anos, respectivamente. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Formosa expressão de luz aureolava a mente do enfermo, que pousava nas crianças o olhar muito lúcido, falando-lhes paternalmente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O próprio Jerônimo parou, a ouvi-lo, junto de nós, agradavelmente surpreendido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Papai, mas o senhor acredita que ninguém morre? – indagou o filhinho mais velho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, Carlindo, ninguém desaparece para sempre e é por isso que desejo aconselhá-los, como pai que sou.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez-se-lhe mais terno o olhar e continuou, ante o interesse agudo dos meninos:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Creio que não me demorarei a partir...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Para onde papai? – atalhou o menor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Para um mundo melhor que este, para lugar, meu filho, onde seu pai possa ajudá-los num corpo são, embora diferente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As crianças, de olhos úmidos, protestaram, com carinho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Esforçou-se o genitor, de modo visível, para dominar-se e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não devem manifestar semelhantes receios. Já organizei todos os negócios e a mamãe trabalhará, substituindo-me, até que vocês cresçam e se façam homens. Se eu pudesse, ficaria em casa, mas, como se arranjariam comigo, assim, imprestável como estou?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Por essa razão, Deus me concederá outro corpo e eu estarei com vocês, sem que me vejam.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorriu, conformado, e ajuntou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Possivelmente, seremos até mais felizes... Há muitos dias pretendo falar-lhes, como agora, para que fiquem certos de meu amor constante. Logo após meu afastamento, sei de antemão que muita gente procurará desanimá-los. Dir-se-á que me afastei para nunca mais voltar, que a sepultura me aniquilou; entretanto, previno a vocês de que isso não é verdade. Viveremos sempre e amar-nos-emos uns aos outros, cada vez mais...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reparei que o genitor doente sentia intenso desejo de afagar os rapazinhos, mas, controlado pela ameaça de contaminá-los, impunha imobilidade às mãos sequiosas de contacto afetivo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os meninos enxugavam as lágrimas discretas e, depois de longa pausa, tornou o enfermo, dirigindo-se ao filho mais velho:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Diga-me, Carlindo, você acredita que seu pai venha a desaparecer?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Admite, porventura, que nosso amor e nossa união em casa, que nosso carinho e entendimento sejam apenas cinza e nada?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dominou-se o pequeno, a fim de parecer valente, e respondeu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Eu acredito, como o senhor, que a morte não existe.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quando eu partir – acentuou o pai amoroso –, se vocês demonstrarem coragem e confiança em Deus, o papai estará mais corajoso e confiante e restaurará, em pouco tempo, as energias...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Houve comovente interregno, que o Assistente Jerônimo não desejou quebrar, tal a significação moral da cena cariciosa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De olhos fixos nos rapazinhos, o extremoso genitor passou a considerar:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vai para três anos, instituímos nosso culto doméstico do Evangelho de Jesus. E vocês sabem hoje que nosso Mestre não morreu. Levado ao suplício e à morte, voltou do sepulcro para orientar os amigos e continuadores. Ele, pois, nos auxiliará para que prossigamos unidos. Quando eu fizer a viagem da renovação, tenham calma e otimismo. Não chorem, nem desfaleçam. Com lágrimas não serão úteis à mamãe, que precisará naturalmente de todos nós. Deus espera que sejamos alegres na luta de cada dia para sermos filhos fiéis ao seu Divino amor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, apareceu a dona da casa, impondo modificações à palestra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Valeu-se Jerônimo da circunstância para intervir, apresentando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nosso amigo Fábio, em véspera da libertação, sempre colaborou com dedicação nas obras do bem.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não é médium com tarefa, na acepção vulgar do termo. É, porém, homem equilibrado, amante da meditação e da espiritualidade superior e, em razão disso, desde a juventude tornou-se excelente ministrador de energias magnéticas, colaborando conosco em relevantes serviços de assistência oculta. Vários mentores de nossa colônia têm em alta conta o seu concurso. Há muitos anos que se consagra ao estudo das questões transcendentes da alma e formou-se na academia do esforço próprio, a fim de ser-nos útil.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Livre de sectarismo, infenso às paixões e amante do dever, nosso irmão Fábio instituiu, desde os primeiros dias de matrimônio, o culto doméstico da fé viva, preparando a esposa, os filhinhos e outros familiares no esclarecimento dos problemas essenciais da compreensão da vida eterna.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em virtude da perseverança no bem que lhe caracterizou as atitudes, sua libertação ser-lhe-á agradável e natural. Soube viver bem, para bem morrer.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aproximei-me do enfermo, perscrutando-lhe a situação orgânica.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A tuberculose minara-lhe os pulmões, impressionando-me as formações cavitárias e outros sintomas clássicos da terrível moléstia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fábio, a rigor, não precisava apoio para a fé que nutria. Revelava-se tranqüilo e confiante e, embora o abatimento, natural em seu estado, ia ensinando, aos seus, inesquecíveis lições de coragem<br />e de valor moral.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vamo-nos! – chamou-nos o Assistente – nosso companheiro vai bem e dispensa-nos de maior colaboração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Saímos admirados com o exemplo entrevisto. Daí a instantes, Jerônimo conduzia-nos a confortável apartamento em moderno arranha-céu de elegante bairro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entramos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No leito, permanecia respeitável senhora de idade avançada, com evidentes sinais de moléstia do coração. Cercavam-na, atenciosas, duas senhoras ainda jovens, que a cumulavam de discretos cuidados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É nossa irmã Albina – explicou-nos o dirigente amigo –, filiada a organizações superiores de nossa colônia espiritual. Tem inúmeros admiradores em nossa esfera de ação, pelo muito que vem fazendo na esfera do Evangelho. Permanece, presentemente, em serviço nos círculos evangélicos protestantes. Fez profissão de fé na Igreja Presbiteriana e, viúva desde cedo, consagrou-se ao labor educativo, formando a infância e a juventude no ideal cristão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mais uma vez, maravilhou-me a grandeza da fraternidade legítima, imperante na vida superior. Não se buscava o rótulo das criaturas, não se cogitava, em sentido particularista, de seus títulos religiosos ou sociais. Procurava-se o coração fiel a Deus, ministrava- se amparo reconfortador, sem qualquer preocupação exclusivista.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente Jerônimo aproximou-se dela, tocou-lhe a fronte com a destra e Albina, de semblante iluminado e feliz ao contacto daquela mão bondosa e acariciante, exclamou para uma das companheiras que a assistiam:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Eunice, dá-me a Bíblia. Desejo meditar um pouco. – Ó mamãe! – respondeu-lhe a filha – não será melhor descansar?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Graças a Jesus, a dispnéia cedeu e a senhora parece tão bem disposta!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A Palavra do Senhor dá contentamento ao espírito, minha filha!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Suplicante ternura acompanhou-lhe a expressão verbal, e de tal modo que Eunice. vencida, apanhou o volume de sobre vasta cômoda e entregou-lho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A respeitável anciã assumiu adequada posição para a leitura, recostou-se em travesseiros altos e, tomando os óculos, segurou, firme, o Testamento Divino. O Assistente Jerônimo ajudou-a a abri-lo, em determinado lugar, sem que a interessada lhe percebesse a cooperação. Patenteou-se-lhe o capítulo onze da narrativa de João Evangelista, alusivo à ressurreição de Lázaro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A simpática velhinha leu-o, pausadamente, em alta voz. Terminando, exclamou comovidamente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Agradeço ao nosso Divino Mestre a alentadora leitura que nos mandou. Praza aos céus possamos todas nós encontrar a vida eterna, em Cristo Jesus! </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Assim seja.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As filhas acompanhavam-na, respeitosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo recomendou-me aplicar à doente passes de reconforto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Depois da operação magnética, observei-lhe a insuficiência cardíaca, oriunda de aneurisma em condições ameaçadoras.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dispunha-se o Assistente a conversar conosco, evidenciando as formosas qualidades da enferma. quando alguém de nosso plano assomou à porta de entrada. Era dedicada amiga que vinha velar à cabeceira. Cumprimentou-nos, bondosa, com encantadora simplicidade. Jerônimo explicou-lhe nossa missão. A interlocutora sorriu e considerou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Reconforta-nos a proteção de que nossa irmã é objeto. No entanto, creio que há forte pedido de prorrogação em favor dela.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todos somos de parecer que deva ser chamada à nossa esfera com urgência, para receber o prêmio a que fez jus. Todavia, há razões ponderosas para que seja amparada convenientemente, a fim de que permaneça com a família consangüínea, na Crosta, por mais alguns meses.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Teremos prazer em todo serviço fraterno – acentuou Jerônimo, com afabilidade. Passaremos por aqui diariamente, até que a tarefa termine. Do que houver de novo, seremos informados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A simpática visitante de Albina agradeceu e partimos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Muito significativa para mim foi a ponderação ouvida, mas, reparando que o Assistente seguia atento ao trabalho que nos cabia desenvolver, abstive-me de qualquer interrogação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Varávamos, em breve, larga porta de movimentado hospital, defendido por grandes turmas de trabalhadores espirituais. Havia aí tanta atividade por parte dos encarnados como por parte dos desencarnados.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Seguindo, porém, as pegadas de nosso dirigente, não dispensávamos maior atenção aos desconhecidos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após atravessarmos corredores e salas, alcançamos grande enfermaria de amparo gratuito. A maioria dos leitos ocupados mostrava o doente e as entidades espirituais que o rodeavam, umas em caráter de assistência defensiva, outras em acirrada perseguição.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desdobravam-se-nos as mais diversas cenas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Prevenindo, talvez, mais a mim que aos demais companheiros, o dirigente de nosso grupo recomendou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não dispersem a atenção. Decorridos alguns segundos, estávamos à frente dum cavalheiro maduro, rosto profusamente enrugado e cabelos brancos, a cuja cabeceira vigiava excelente companheiro espiritual.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Apresentou-nos Jerônimo a esse último. Tratava-se do irmão Bonifácio, que ajudava o doente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, indicou-nos o doente mergulhado em lençóis alvos e esclareceu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Aqui temos nosso velho Cavalcante. É virtuoso católicoromano, espírito abnegado e valoroso nos serviços do bem ao próximo. Veio de nossa colônia, há mais de sessenta anos, e possui grande círculo de amigos pelos seus dotes morais.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Sua existência, cheia de belos sacrifícios, fala ao coração. Aqui se encontra, junto dos filhos da indigência, abandonado da parentela, em virtude de suas idéias de renúncia às riquezas materiais. Mas não se acha desamparado pela Divina Misericórdia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Findo ligeiro intervalo, adiantou-se Bonifácio, informando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A intervenção no duodeno foi marcada para amanhã.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nosso dirigente, deixando perceber que já conhecia o caso, comunicou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Assisti-lo-emos no instante oportuno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Obedecendo-lhe as recomendações, fiz aplicações magnéticas, detendo-me, em particular, sobre o aparelho digestivo, da glândula parátida ao reto, observando, além da ulceração duodenal, a inflamação adiantada do apêndice, quase a romper-se.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Notei, todavia, que Cavalcante era absolutamente alheio à nossa influenciação. Nada percebia de nossa presença ali, verificando que ele, apesar das elevadas qualidades morais que lhe exornava o caráter, não possuía bastante educação religiosa para o intercâmbio desejável. Dos quadros que havíamos observado naquele dia, esse era, sem dúvida, o mais triste. Além das vibrações do ambiente perturbado, o operando não oferecia fácil ensejo à nossa atuação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tenho tido dificuldade para mantê-lo tranqüilo – dizia Bonifácio, inclinando-se para o Assistente – em vista dos parentes desencarnados que o assediam de modo incessante.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não obstante os trabalhos de vigilância que garantem o estabelecimento, muitos deles conseguem acesso e incomodam-no. O pobrezinho não se preparou, convenientemente, para libertar-se do jugo da carne e sofre muito pelos exageros da sensibilidade. E muito embora o abandono a que foi votado, tem o pensamento afetuoso em excessiva ligação com aqueles que ama. Semelhante situação dificulta-nos sobremaneira os esforços.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim – concordou Jerônimo –, entendemos a luta.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A deficiência de educação da fé, ainda mesmo nos caracteres mais admiráveis, origina deploráveis desequilíbrios da alma, em circunstâncias como esta. Conservar-nos-emos, porém, a postos, como retribuição ao devotado amigo pelos obséquios inúmeros que dele recebemos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quando nos despedimos, Bonifácio mostrou-se comovido e grato.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Transcorridos escassos minutos, ganhávamos o pórtico de notável, simples e confortável edifício, em que se asilavam numerosas criancinhas, em nome de Jesus. Tratava-se de louvável instituição Espiritista-Cristã, onde se sediava compacta legião de trabalhadores de nosso plano.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Bondoso ancião recebeu-nos afavelmente. Reconheci-o, jubiloso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Achava-se, ali, Bezerra de Menezes. o dedicado irmão dos que sofrem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Abraçou-nos, um a um, com espontânea jovialidade. Ouviu as explicações de Jerônimo, com interesse, e falou, sorridente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já esperávamos a comissão. Felizmente, porém, nossa querida Adelaide não dará trabalho. O ministério mediúnico, o serviço incessante em benefício dos enfermos, o amparo materno aos órfãos nesta casa de paz, aliados aos profundos desgostos e duras pedradas que constituem abençoado ônus das missões do bem, prepararam-lhe a alma para esta hora...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ele mesmo tomou-nos a dianteira, conduzindo-nos a compartimento modesto, onde a médium repousava.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Na câmara solitária, não se via nenhum irmão encarnado; contudo, duas jovens cercadas de prateada luz permaneciam ali, acariciando-a.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Acercamo-nos da enferma, respeitosamente. Seus cabelos grisalhos semelhavam-se a formosos fios de neve. Indicando-a, falou Bezerra, contente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Adelaide sempre foi leal discípula do Mestre dos Mestres. Apesar das dificuldades, dos espinhos e aflições, perseverou até<br />ao fim.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A digna senhora, após olhar demoradamente delicados ramos de rosas que lhe ornavam o quarto, entrou em oração. De sua mente equilibrada, emanavam raios brilhantes. Não nos enxergou ao seu lado, exceção do devotado Bezerra de Menezes, a quem se unia por sublimes cadeias do coração. Ele saudou-a, afável e bondoso, endereçando-lhe palavras reconfortantes e carinhosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sei que é o termo da jornada, meu venerável amigo – disse a médium, em tom comovedor –, e estou pronta. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">- Desde muitos anos, rogo ao Divino Senhor me revele o caminho.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não desejo adotar outros desígnios que não pertençam a Ele, nosso Salvador.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todavia... Não pôde continuar. Emoção profunda estrangulara-lhe a voz e, logo após a reticência dolorida, copioso pranto começou a brotar- lhe dos olhos encovados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Bezerra acomodou-se junto dela, com intimidade paternal, afagou-lhe com a luminosa destra a fronte abatida e falou otimista:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já sei. Você pensa nos parentes, nos amigos, nos órfãozinhos e nos trabalhos que ficarão. Ó Adelaide! compreendo seu devotamento materno à obra de amor que lhe consumiu a vida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entretanto, você está cansada, muito cansada e Jesus, Médico Divino de nossa alma, autorizou o seu repouso. Confie a Ele as penas que lhe oprimem o espírito afetuoso. Deponha o precioso fardo de suas responsabilidades em outras mãos, esvazie o cálice de sua alma, alijando amarguras e preocupações.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Converta saudades em esperanças e desate os elos mais fortes, atendendo a ordem Divina.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Adelaide pousou no benfeitor os olhos muito lúcidos, revelando-se confortada e, após breve pausa, Bezerra prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sua grande batalha está terminando. Você é feliz, minha amiga, muito feliz, porque seu Espírito virá condecorado de cicatrizes, depois de resistir ao mal durante muitos anos, como sentinela fiel, na fortaleza da fé viva... Ensinou aos que lhe cercaram o caminho todas as lições do bem e da verdade possíveis ao seu esforço... Entregue parentes e afeições a Jesus e medite, agora, na Humanidade, nossa abençoada e grande família. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Quanto aos serviços confiados por algum tempo à sua guarda, estão fundamentalmente afetos ao Cristo, que providenciará as modificações que julgue oportunas e necessárias. Baste a você o júbilo do dever bem cumprido. Arregimente, pois, as suas forças e não se entristeça, porque é chegado para seu coração o prélio final... Coragem, muita coragem e fé!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A respeitável irmã sorriu, quase feliz. Logo em seguida, pequena auxiliar do instituto quebrou o colóquio espiritual, abrindo a porta inesperadamente e anunciando visitas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dona Adelaide, em face das circunstâncias, centralizou a mente no círculo dos encarnados e perdeu o benfeitor de vista.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O venerando médico dos infortunados passou a entender-se com Jerônimo, acerca de vários problemas que diziam respeito à nossa missão, enquanto nos retirávamos, discretamente, proporcionando- lhes maior liberdade à permuta de idéias.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-53021069163697413342017-08-29T16:25:00.005-07:002017-09-03T13:43:32.884-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">12 - Excursão De Adestramento</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Nosso orientador sediara-nos a tarefa na Casa Transitória de Fabiano, deliberando, porém, que as nossas atividades na Crosta tomassem como ponto de referência o lar coletivo de Adelaide, onde, realmente, os fatores espirituais eram mais valiosos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Aqui – esclarecera-nos de início – nos sentiremos à vontade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A organização é campo propício às melhores semeaduras do espírito e oferece-nos tranqüilidade e segurança. Permaneceremos em comunicação contínua com o abrigo de Fabiano, para onde conduziremos os recém-desencarnados e condensaremos todas as atividades possíveis, concernentes aos outros amigos, nesta amorosa fundação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De fato, aquele refúgio de fraternidade legítima era, sem dúvida, vasto celeiro de bênçãos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Diversas entidades amigas operavam na instituição, prestando assistência e cuidados. Encontrava ali um dos raros edifícios da Crosta, de tão largas proporções, sem criaturas perversas da esfera invisível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Semelhando-se à Casa Transitória, de onde vínhamos, a vigilância funcionava severa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fôramos defrontados por vários sofredores, criaturas de bons sentimentos, que penetravam o asilo com prévia autorização.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enquanto o Assistente se demorava em palestra com o dedicado Bezerra, tivemos permissão para visitar as dependências.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O padre Hipólito, Luciana e eu, em companhia de Irene, jovem colaboradora espiritual da casa, pusemo-nos em ação. Em todos os compartimentos havia luz de nosso plano, indicando a abundância dos pensamentos salutares e construtivos de todas as mentes que ali se entrelaçavam na mesma comunhão de ideal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Chegados à sala das reuniões populares, nossa nova amiguinha explicou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Esta é a região do abrigo que nos força a serviço mais árduo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Receptáculo das emanações mentais e dos pedidos silenciosos de toda gente que nos visita, em assembléias públicas, somos obrigados, depois de cada sessão, a minuciosas atividades de limpeza.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Como sabem, os pensamentos exercem vigoroso contágio e faz-se imprescindível isolar os prestimosos colaboradores de nossa tarefa, livrando-os de certos princípios destruidores ou dissolventes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tentando intensificar a conversação esclarecedora, aduzi:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Imagino a extensão dos afazeres... Há suficiente pessoal na cooperação?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim – respondeu –, a legião dos colaboradores não é pequena.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Somos levados a servir, dia e noite, em turmas alternadas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Temos seções de assistência aos adultos e às criancinhas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vislumbrava ali, porém, tão grande número de trabalhadores de nosso plano que, por momentos, graves reflexões me afloraram ao cérebro. Tanta gente a contribuir, apenas no sentido de amparar algumas dezenas de crianças desfavorecidas no campo material?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estabelecia paralelo entre a fundação de Adelaide e a Casa Transitória de Fabiano. notando singular diferença. Lá, os rigorosos serviços de sentinela, o gesto de energia, a atenção do pessoal, verificavam-se em virtude das necessidades inadiáveis de certa quantidade de infelizes desencarnados, para os quais a caridade constituía lâmpada acesa, indispensável à transformação interior.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aqui, porém, via somente criaturinhas tenras que reclamavam de imediato, acima de qualquer outra medida, leite e pão, primeiras letras e bons conselhos. Valeria, assim, o dispêndio de tanta energia de nossa esfera?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mesmo assim, a delicada colaboradora, apreendendo-me as indagações íntimas, ponderou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Cumpre-nos reconhecer, todavia, que esta obra não se dedica exclusivamente às necessidades do estômago e do intelecto da infância desamparada.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Os imperativos da evangelização preponderam aqui sobre os demais. Para infundir espiritualidade superior à mente humana urge aproveitar realizações como esta, já que é muito difícil obter espontâneo arejamento da esfera sentimental.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Valemo-nos da casa, venerável em seus fundamentos de solidariedade Cristã, como núcleo difusor de idéias salutares. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A fundação é muito mais de almas que de corpos, muito mais de pensamentos eternos que de coisas transitórias. O diretor, o cooperador e o abrigado, recebendo as responsabilidades inerentes ao programa de Jesus, instintivamente se convertem nos instrumentos vivos da Luz de Mais Alto. Satisfazendo necessidades corporais, solucionamos problemas espirituais. Entrelaçando deveres e dividindo-os com os nossos irmãos encarnados, no setor de assistência, conseguimos criar bases mais sólidas à semeadura das verdades imorredouras.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Realmente, as outras escolas religiosas não se esqueceram de materializar a bondade em obras de alvenaria. A Igreja Católica Romana dispõe de institutos avançados, sob o ponto de vista material, abrigando a infância desfavorecida; entretanto, aí, as concepções espirituais não se desenvolvem, acanhadas que ficam nos moldes tirânicos dos dogmas obsoletos, O trabalho, pois, na maioria dos casos, circunscreve-se ao simples armazenamento de pão efêmero. As Igrejas Protestantes possuem, por sua vez, grandes colégios e congregações, distribuindo valores educativos com a juventude; todavia, suas organizações se baseiam, quase sempre, mais na letra dos conceitos evangélicos que nos conceitos evangélicos da letra...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Irene sorriu, fez ligeiro intervalo e continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não desejamos menosprezar os serviços admiráveis dos aprendizes do Evangelho nos variados campos religiosos. Todos são respeitáveis, se levados a efeito pelo devotamento do coração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desejamos apenas destacar os valores iluminativos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Nos primórdios da obra cristã não faltavam prestigiosas providências da política imperial de Roma, a fim de que os famintos e esfarrapados recebessem trigo e agasalho e até mesmo preceptores seletos, filiados a famosos centros culturais de gregos e egípcios.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Porém, no intuito de incentivar a obra de legítima iluminação do espírito, Simão Pedro e os companheiros de apostolado obrigaram-se a longo programa de socorro aos infortunados de toda sorte.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Nem todos os seguidores do Evangelho procediam das altas camadas sociais do Judaísmo, como Gamaliel, o venerando rabino cujo intelecto desenvolvido encontrou o Mestre. A maioria dos necessitados entraria em contacto com Jesus através da sopa humilde ou do teto acolhedor. Lavando leprosos, tratando loucos, assistindo órfãos e velhinhos desamparados, os continuadores do Cristo davam trabalho a si próprios, dedicavam-se aos infelizes, esclarecendo- lhes a mente, e ofereciam lições de substancial interesse aos leigos da fé viva. Como não ignoram, estamos fazendo no Espiritismo evangélico a recapitulação do Cristianismo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O padre Hipólito aprovou, benévolo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, inegavelmente; precisamos estimular a formação de serviços que libertem o raciocínio para vôos mais altos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Dentro de nosso esforço – prosseguiu Irene, com lhaneza –, o imperativo primordial consiste na iluminação do espírito humano com vistas à eternidade. Urge, no entanto, compreender que, para a obtenção do desiderato, é imprescindível “fazer alguma coisa”. Onde todos analisam, admiram ou discutem não se levantam obras úteis para atestar a superioridade das idéias. Por isso, nossos Mentores da Vida Divina apreciam o servo pela dedicação que manifeste à responsabilidade. O necessitado, o beneficiário, o crente e o investigador virão sempre aos nossos centros de organização da doutrina. E toda vez que exercitem o serviço Cristão pela mediunidade ativa, pela assistência fraterna, pelos trabalhos de solidariedade comum, quaisquer que sejam, apresentam caracteres mais positivos de renovação, porque a responsabilidade na realização do bem, voluntariamente aceita, transforma-os em traços animados entre dois mundos – o que dá e o que recebe. Como vêem, a luz divina prevalece sobre a benemerência humana, porque esta, sem aquela, pode muitas vezes degenerar em personalismo devastador, compreendendo-se, todavia, em qualquer tempo, que a fé sem obras é irmã das obras sem fé.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Continuou Irene, em sua brilhante argumentação, ensinandonos, vivaz, a ciência da fraternidade e do entendimento construtivo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ouvindo-a, percebi, acima de toda preocupação individualista, que a difusão da luz espiritual na Crosta Terrestre não é ação milagrosa, mas edificação paciente e progressiva.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As casas de benemerência social, sobre as águas pesadas do pensamento humano, funcionam como grandes navios de abastecimento à coletividade faminta de luz e necessitada de princípios renovadores. Passei a ver o estômago dos pequeninos em plano secundário, porque era a claridade positiva do Evangelho que inundava agora minh'alma, convidando-me à contemplação feliz<br />do futuro maior.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Caíra a noite e continuávamos em companhia da estimada irmã que nos apresentava a instituição, comentando-lhe, com oportunidade e sabedoria, o salutar programa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Observamos os serviços espirituais que se preparavam, ante a noite próxima. Aqui, eram cuidadosas preceptoras desencarnadas que reuniriam as crianças nos momentos de sono físico, em ensinos benéficos; acolá, eram benfeitores diversos a buscarem irmãos para experiências e dádivas preciosas, nos círculos de nossa movimentação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Refundi minha apreciação inicial, enxergando mais uma vez, naquele instituto, abençoada escola de espiritualidade superior, pelo ensejo de semeadura divina que proporcionava aos missionários da luz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Decorrido longo tempo, já noite fechada, o Assistente Jerônimo convocou-nos ao serviço.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Irene acompanhou-nos à câmara de Adelaide, onde o nosso dirigente se encontrava em conversação com outros amigos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Foi breve nas determinações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após ouvir a nova amiguinha, que se colocava à nossa disposição para qualquer concurso fraterno, recomendou a Luciana e a Irene trouxessem a irmã Albina, ao passo que o padre Hipólito e eu deveríamos conduzir Dimas, Fábio e Cavalcante àquele compartimento, de onde seguiríamos para a Casa Transitória de Fabiano, em excursão de aprendizado e adestramento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ambos os grupos partimos em direção diversa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Utilizando a volitação, com maestria, Hipólito interrogou-me, bem humorado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já participara você de serviço igual ao de hoje?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Confessei que não, rogando-lhe esclarecimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É fácil – tornou. Os que se aproximam da desencarnação, nas moléstias prolongadas, comumente se ausentam do corpo, em ação quase mecânica. Os familiares terrestres, por sua vez, cansados de vigílias, tudo fazem por rodear os enfermos de silêncio e cuidado. Desse modo, não é difícil afastá-los para a tarefa de preparação. Geralmente, estão hesitantes, enfraquecidos. semiinconscientes, mas nosso auxílio magnético resolverá o problema.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Conservar-nos-emos nas extremidades, segurando-lhes as mãos e, impulsionados por nossa energia, volitarão conosco, sem maiores impedimentos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recebi a explicação com interesse e, em breve, penetrávamos a modesta residência de Dimas. Aliviado por injeção repousante, não encontramos dificuldade para subtrai-lo à atenção dos parentes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Notando-nos a presença, sondou-nos a disposição fraterna e perguntou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ó meus amigos, será hoje o fim? Como tenho suspirado pela libertação!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não, meu caro – acentuou Hipólito, sorrindo –, é preciso tolerar mais um pouco... O descanso, porém, não tardará muito. Venha conosco. Não temos tempo a perder.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O ex-sacerdote recomendou-me tomar a dianteira e, de mãos dadas os três, rumamos para o Rio, em busca da moradia de Fábio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não se registraram obstáculos e, em reduzidos instantes, tomamo-lo à nossa conta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O companheiro ligou-se, prazeroso, à pequenina caravana.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ia tomar o caminho do hospital, de modo a procurar o terceiro, quando Hipólito ponderou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não convém conduzir todos de uma vez. Cavalcante permanece em grave desequilíbrio, exigindo cooperação mais substancial.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em vista disso, buscá-lo-emos na segunda viagem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Lembrando-lhe os desvarios, não tive recurso senão concordar. De regresso à câmara de Adelaide, encontramos os demais à nossa espera. Irene e Luciana haviam trazido Albina para os trabalhos preparatórios.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sem perda de tempo, demandamos a grande casa de saúde, em busca de Cavalcante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Hipólito adivinhara.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O doente mostrava-se muito aflito. Bonifácio, ao lado dele, cooperava devotadamente conosco, para desprendê-lo temporariamente do corpo oprimido.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">O enfermo, no entanto, se deixara tomar por horríveis impressões de medo, dificultando os nossos melhores esforços.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após trabalho ingente de magnetização do vago e em seguida à ministração de certos agentes anestesiantes, destinados a propiciar- lhe brando sono, retiramo-lo do corpo, que permaneceu sob os cuidados de Bonifácio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em minutos rápidos, púnhamo-nos de regresso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Com aquiescência de Jerônimo, alguns amigos dos enfermos acompanhar-nos-iam à Casa Transitória. Dos cinco doentes, Adelaide e Fábio eram os únicos que revelavam consciência mais nítida da situação. Os demais titubeavam, enfraquecidos, baldos de<br />noção clara do que ocorria.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente organizou a corrente magnética, tomando posição guiadora. Cada irmão encarnado localizava-se entre dois de nós outros, almas libertas do plano físico, mais experimentadas no campo espiritual. De mãos entrelaçadas, para permutar energias em assistência mútua, utilizamos intensivamente a volitação, ganhando alturas.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Adelaide e Fábio, algo habituados ao desdobramento, assumiram discreta atitude de observação e silêncio.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Os outros, porém, comentavam o acontecimento em altos brados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ó grande Deus! – exclamava Albina, rememorando passagens bíblicas – estaremos nós no glorioso carro de Elias? – Dai-me forças, ó Pai de Misericórdia! – expressava-se Cavalcante, de alma opressa – Falta-me a confissão geral!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ainda não recebi o Viático! Oh! não me deixeis enfrentar os vossos juízos com a consciência mergulhada no mal!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Suas rogativas sensibilizavam-nos os corações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas, por sua vez, balbuciava exclamações ininteligíveis, entre assombrado e inquieto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atravessada a região estratosférica, a ionosfera surgia-nos à vista, apresentando enorme diferença, por causa do afluxo intenso dos raios cósmicos em combinação com as emanações lunares. Espantado, Dimas perguntou em voz alta:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que rio é este? Ah, tenho medo! Não posso atravessá-lo, não posso, não posso!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O impulso magnético inicial fornecido por Jerônimo era, no entanto, excessivamente forte para sofrer solução de continuidade, ante tão débil resistência; e o grupo avançou, avançou sem recuos, até que, muito além, alcançamos o asilo de Fabiano, onde a irmã Zenóbia nos acolheu de braços carinhosos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Congregávamo-nos todos nós, os componentes da missão socorrista, os enfermos e mais seis amigos desses últimos, detentores de elevados conhecimentos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em pequena sala posta à nossa disposição, Gotuzo, por gentileza, aplicou vigorosos recursos fluídicos em nossos tutelados, que os receberam como crianças incapacitadas de imediato julgamento, exceção de Adelaide e Fábio, que se mantinham cônscios do fenômeno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, o prestimoso Jerônimo tomou a palavra e dirigiu- se a eles, comentando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Amigos, o concurso desta noite não se destina à cura do corpo grosseiro, posto agora a distância pelas necessidades do momento. Tentamos revigorar-vos o organismo espiritual, preparando- vos o desligamento definitivo, sem alarmes de dor alucinatória.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Devo confessar-vos que, retomando o vaso físico, experimentareis natural piora de vossas sensações, agravando-se-vos a<br />tortura, porque os remédios para a alma, na presente situação, intensificam os males da carne. Certificai-vos, portanto, de que as providências desta hora constituem ajuda efetiva à libertação. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">De retorno ao antigo ninho doméstico, encerrada esta primeira excursão de adestramento, encontrareis mais tristeza no terreno da<br />Crosta, mais angústia nas células físicas, mais inquietude no coração, porque a vossa mente, no processo das recordações instintivas, terá fixado, com maior ou menor intensidade, o contentamento sublime deste instante. Preparai-vos, pois, para vir até nós; solucionai os derradeiros problemas terrestres e confiai na Proteção Divina!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, verificou-se breve intervalo, durante o qual permaneceríamos à vontade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente fora rápido nas explicações, esclarecendo-nos que condensava os assuntos em curtas sentenças, atendendo à incapacidade mental dos beneficiários, impotentes ainda para penetrar o sentido das longas dissertações. Com efeito, os companheiros recebiam parcialmente o alentador aviso. Eram atingidos pelo socorro magnético positivo, mas as idéias que faziam do acontecimento eram muito diversas entre si.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cavalcante, com a expressão ingênua dum menino, chamou-me, em particular, indagando se estávamos no paraíso. Sentia-se aliviado, feliz. Alegria enorme banhava-lhe o coração. E, contente,<br />reconfortado, acentuava:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não será aqui o céu?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não consegui fazer-lhe sentir o contrário. Albina lembrava cenas bíblicas, em suas interpretações literais do texto sagrado. Depois de observar o nevoeiro exterior, circunspecta, perguntou a Luciana se aquela era a casa do Senhor, mencionada no capítulo oitavo do primeiro livro dos Reis, em vista da nuvem de matéria densa que cercava a paisagem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dentre os espiritistas, Adelaide e Fábio entregavam-se à reserva feliz da oração, mas Dimas, embriagado de felicidade pelo provisório alivio, abeirou-se, curioso, do padre Hipólito e inquiriu se a zona representava alguma dependência venturosa de Marte. O ex-sacerdote esboçou largo sorriso e respondeu, complacente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não, meu amigo, isto aqui ainda é a Terra mesma.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Estamos muito longe dos outros planetas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Trocamos inteligente olhar, que traduzia bom humor. Antes de nossas considerações, talvez desnecessárias, Jerônimo interveio, acrescentando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O plano impressivo da mente grava as imagens dos preconceitos e dogmas religiosos com singular consistência. A transformação compulsória, pelo decesso, reintegrará a criatura no patrimônio de suas faculdades superiores. O trabalho, porém, não pode ser brusco, sob pena de ocasionar desastres emocionais de graves conseqüências. Urge considerar a necessidade da medida, isto é, da gradação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, fitando-nos mais agudamente, prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Há, contudo, observação valiosa a destacar. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Como vemos, não é a rotulagem externa que socorre o crente nas supremas horas evolutivas. É justamente a sementeira do esforço próprio, nos serviços da sabedoria e do amor, que frutifica, no instante oportuno, através de providências intercessórias ou de compensações espontâneas da lei que manda entregar as respostas do Céu “a cada um por suas obras”. Todo lugar do Universo, portanto, pode ser convertido em santuário de luz eterna, desde que a execução dos Divinos Desígnios seja a alegria de nossa própria vontade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Finda a colheita de preciosos ensinamentos, começamos a regressar, terminando, assim, a nossa feliz excursão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Devolvendo os enfermos aos leitos de origem, verificamos as impressões diferentes de cada um. Fábio demonstrava infinito conforto no campo íntimo. Cavalcante acordou, no organismo de carne, pensando em recorrer à eucaristia pela manhã, e Dimas, ao despertar, junto de nós, chamou a esposa e afirmou em voz fraca:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! como foi maravilhoso meu sonho de agora!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Vi-me à beira de rio caudaloso e brilhante, que atravessei com o auxílio de benfeitores invisíveis, chegando, em seguida, a grande casa, cheia<br />de luz!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Pousou a descarnada mão na testa úmida, e exclamou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ah! como desejaria lembrar-me de tudo! Tenho a impressão de que visitei um mundo feliz, recebendo ensinamentos de grande significação, mas... a cabeça falha!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A companheira tranqüilizou-o, exortando-o a dormir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Realizara-se a primeira excursão de adestramento com os amigos, que, dentro em breve, viriam ter conosco.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Congregados, de novo, na abençoada instituição de Adelaide, deliberou Jerônimo nosso retorno à Casa Transitória de Fabiano, para descansar e servir em outros setores, toda vez que a oportunidade de trabalho útil nos bafejasse com a sua bênção.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-12184394828377647142017-08-29T16:09:00.000-07:002017-09-03T13:35:34.725-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">13 - Companheiro Libertado</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Depois de vários preparativos, principalmente ao lado de Cavalcante, que piorara após a intervenção cirúrgica, Jerônimo articulou providências referentes à desencarnação de Dimas, cuja posição era das mais precárias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De manhãzinha, após entender-se com a irmã Zenóbia, quanto à localização do primeiro amigo a libertar-se dos laços físicos, o Assistente convidou-nos ao trabalho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Compreendia, mais uma vez, que há tempo de morrer, como há tempo de nascer. Dimas alcançara o período de renovação e, por isso, seria subtraído à forma grosseira, de modo a transformar-se para o novo aprendizado. Não fora determinado dia exato.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Atingira-se o tempo próprio. Recordando, contudo, meu caso particular e sequioso de elucidações construtivas, ousei interrogar nosso orientador, enquanto regressávamos ao círculo carnal, pela manhã.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Prezado Assistente – indaguei –, releve-me o desejo de saber particularidades do serviço...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Poderá, todavia, informar-me se Dimas desencarnará em ocasião adequada? Viveu ele toda a cota de tempo suscetível de ser aproveitada por seu Espírito na Crosta da Terra? Completou a relação de serviços que o trouxera ao renascimento?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não – respondeu o interpelado, com firmeza –, não chegou a aproveitar todo o tempo prefixado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! – considerei, levianamente – terá sido, como fui, suicida inconsciente? Penetrei nossa colônia nessa condição e, antes de obter a graça do refúgio renovador, experimentei acerbos padecimentos Enunciando tal apreciação, ponderava sobre a tarefa especial de socorrê-lo. Razões fortes, decerto, motivariam o esforço que se levava a efeito, mas a informação do orientador desconcertava-me.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Se o irmão referido não completara o tempo previsto ao roteiro de obrigações que lhe fora traçado, porque tamanha consideração?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mereceria o movimento excepcional de assistência individualizada?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Que motivo impeliria a esfera superior a prestar-lhe tanta atenção?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo compreendeu, sem dúvida, a venenosa preocupação que me dominava o pensamento, mas absteve-se de longas explicações, confirmando, simplesmente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não, André, nosso amigo não é suicida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mais acertado seria silenciar raciocínios suspeitos; entretanto, meu inveterado instinto de pesquisa intelectual era demasiado forte para que eu me dominasse.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fixando-o, algo confundido, tornei a perguntar:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mas se Dimas não aproveitou todo o tempo de que dispunha, não terá também desperdiçado a oportunidade, como aconteceu a mim mesmo?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Meu interlocutor estampou no semblante leve sorriso e acentuou, compassivo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não conheço seu passado, André, e acredito que as melhores intenções terão movido suas atividades no pretérito. A situação do amigo a que nos referimos, porém, é muito clara.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Dimas não conseguiu preencher toda a cota de tempo que lhe era lícito utilizar, em virtude do ambiente de sacrifício que lhe dominou os dias, na existência a termo. Acostumado, desde a infância, à luta sem mimos, desenvolveu o corpo, entre deveres e abnegações incessantes. Desfavorecido de qualquer vantagem material no princípio, conheceu ásperas obrigações para ganhar a intimidade com as leituras mais simples. Entregue ao serviço rude, no verdor da mocidade, constituiu a família, pingando suor no sacrifício diário. Passou a vida em submissão a regulamentos, conquistando a subsistência com enorme despesa de energia.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Mesmo assim, encontrou recursos para dedicar-se aos que gemem e sofrem nos planos mais baixos que o dele. Recebendo a mediunidade, colocou-a a serviço do bem coletivo. Conviveu com os desalentados e aflitos de toda sorte. E porque seu espírito sensível encontrava prazer em ser útil e em razão dos necessitados guardarem raramente a noção do equilíbrio, sua existência converteu-se em refúgio de enfermos do corpo e da alma. Perdeu, quase integralmente, o conforto da vida social, privou-se de estudos edificantes que lhe poderiam prodigalizar mais amplas realizações ao idealismo de homem de bem e prejudicou as células físicas, no acúmulo de serviço obrigatório e acelerado na causa do sofrimento humano.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Pelas vigílias compulsórias, noite a dentro, atenuou-se-lhe a resistência nervosa; pela inevitável irregularidade das refeições, distanciou- se da saúde harmoniosa do estômago; pelas perseguições gratuitas de que foi objeto, gastou fosfato excessivamente e, pelos choques reiterados com a dor alheia, que sempre lhe repercutiu amargamente no coração, alojou destruidoras vibrações no fígado, criando afecções morais que o incapacitaram para as funções regeneradoras do sangue. É verdade que não podemos louvar o trabalhador que perde qualquer órgão fundamental da vida física em atrito com as perturbações que companheiros encarnados criam e incentivam para si mesmos; no entanto, faz-se preciso considerar as circunstâncias em jogo. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Dimas poderia receber, com naturalidade, semelhantes emissões destrutivas, mantendo-se na serenidade intangível do legítimo apóstolo do Evangelho. Todavia, não se organiza de um dia para outro o anteparo psíquico contra o bombardeio dos raios perturbadores da mente alheia, como não é fácil improvisar cais seguro ante o oceano em ressaca. Cercado de exigências sentimentais, subalimentado, maldormido, teve as reiteradas congestões hepáticas convertidas na cirrose hipertrófica, portadora da desintegração do corpo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interrompeu-se o orientador e, como me sentisse fundamente envergonhado pelo paralelo que inadvertidamente estabelecera, Jerônimo acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Segundo observamos, há existências que perdem pela extensão, ganhando, porém, pela intensidade. A visão imperfeita dos homens encarnados reclama o exame acurado dos efeitos, mas a visão Divina jamais despreza minuciosas investigações sobre as causas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Calei-me, humilhado. O hábito de analisar pessoas e ocorrências, unilateralmente, mais uma vez me impunha proveitosa decepção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Naturalmente, o Assistente conhecia-me a antiga posição, estaria informado de meus desvios anteriores, mas dignava-se evitar-me desapontamento mais fundo com referências comparativas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Assomaram-me recordações do passado, mais nítidas e esclarecedoras.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Inegavelmente, conduzira minha última experiência<br />como melhor me pareceu. Tomava refeições calmas e substanciosas, a horas certas; dera-me a estudos prediletos; dispunha de meu tempo com rigorosa independência nas decisões; cerrava a porta aos clientes antipáticos, quando me faltava disposição para suportá- los; nunca molestara o fígado por sofrimentos alheios, porque era ele pequeno para conter as vibrações destruidoras de minhas próprias irritações, ao sentir-me contrariado nos pontos de vista pessoais, e, sobretudo, aniquilara o aparelho gastrintestinal pelo excesso de comestíveis e bebedices aliados à sífilis a que eu mesmo dera guarida, levianamente. Havia, portanto, muita diversidade entre o caso Dimas e o meu. O dedicado servidor do bem empregara as possibilidades que o Céu lhe confiara em benefício de outrem. Quanto a mim, centralizado em mim mesmo, gozara essas possibilidades até ao clímax, perdendo-me pela abusiva saciedade. Jerônimo era, porém, suficientemente bom para não comentar realidades tão duras. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Reafirmando a generosidade espontânea que o caracterizava, desarticulou minhas impressões desagradáveis, tangendo assuntos novos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em breve, chegávamos à residência do enfermo, cujo estado era gravíssimo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Alguns amigos desencarnados velavam, atentos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Iluminada entidade que evidenciava grande interesse pelo agonizante, acercou-se do Assistente, indagando se o decesso fora marcado para aquele dia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim – esclareceu o interpelado –, a resistência orgânica terminou. Estamos autorizados a aliviá-lo, o que faremos hoje, alijando-lhe o fardo pesado de matéria densa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A interlocutora consultou-o, ainda, sobre a oportunidade de reunir ali alguns beneficiados da missão cumprida pelo moribundo, que lhe desejavam testemunhar carinhoso apreço, no derradeiro dia carnal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Minha amiga compreende as dificuldades inerentes ao assunto – respondeu o nosso dirigente com gentileza –. Se Dimas estivesse plenamente senhor das emoções, não surgiria inconveniente algum. Entretanto, ele permanece agora sob agitações psíquicas muito fortes. Conhece o fim próximo do aparelho carnal, mas não pode esquivar-se, de súbito, às algemas domésticas. Teme o futuro dos seus, conserva-se em total descontrole dos nervos e enlaça-se nas emissões de inquietude da esposa e dos filhos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Cremos ser inoportuna essa visita compacta, no decorrer das atividades da desencarnação, mesmo em se tratando dos melhores amigos do doente, para que se lhe não agrave o descontrole mental.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas poderá, não obstante, ser amparado pelo afeto dos que por ele têm afeição, logo se desfaça do corpo grosseiro.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Além disso, sugiro que manifestação de carinho, merecida e justa, lhe seja prestada por quantos o estimam, no dia em que nos deslocarmos da Casa Transitória de Fabiano para as regiões mais altas. Nosso irmão e cooperador descansará, ali, sob atencioso cuidado, junto de outros amigos em condições análogas. Não faltaremos com o aviso prévio sobre sua partida, para que se congreguem conosco os seus afeiçoados, na prece de reconhecimento que elevaremos ao Todo-Poderoso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A consulente manifestou sincera satisfação e acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Bem lembrado! Esperaremos a comunicação no instante oportuno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, despediu-se, afastando-se ao lado de outros visitantes de nossa esfera, que nos deixavam, agora, campo livre para a nossa necessária atuação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O transe era, sem dúvida, melindroso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A esposa do médium, ao pé dele, não obstante prolongadas vigílias e sacrifícios estafantes, que a expressão fisionômica denunciava, mantinha-se firme a seu lado, olhos vermelhos de chorar, emitindo forças de retenção amorosa que prendiam o moribundo em vasto emaranhado de fios cinzentos, dando-nos a impressão de peixe encarcerado em rede caprichosa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo apontou-a, bondoso, e explicou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nossa pobre amiga é o primeiro empecilho a remover. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Improvisemos temporária melhora para o agonizante, a fim de sossegar- lhe a mente aflita. Somente depois de semelhante medida<br />conseguiremos retirá-lo, sem maior impedimento.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">As correntes de força, exteriorizadas por ela, infundem vida aparente aos centros de energia vital, já em adiantado processo de desintegração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recomendou o Assistente que Luciana e Hipólito se mantivessem ao lado da senhora, modificando-lhe as vibrações mentais, e instruindo-me para coadjuvar-lhe a influenciação, como se fazia mister.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Enquanto mantinha as mãos coladas ao cérebro de Dimas, propiciando-lhe a renovação das forças gerais, Jerônimo aplicavalhe passes longitudinais, desfazendo os fios magnéticos que se entrecruzavam sobre o corpo abatido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reparei que o moribundo se encontrava já em dolorosas condições.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Plenamente desorganizado, o fígado começava definitivamente a paralisar suas funções. O estômago, o pâncreas e o duodeno apresentavam anomalias estranhas. Os rins pareciam praticamente mortos. Os glomérulos prendiam-se aos ramos arteriais como pequeninos botões arroxeados; os tubos coletores, enrijecidos, prenunciavam o fim do corpo. Sintomas de gangrena pesavam em toda a atmosfera orgânica.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O que mais impressionava, porém, era a movimentação da fauna microscópica. Corpúsculos das mais variadas espécies nadavam-nos líquidos acumulados no ventre, concentrando-se particularmente no ângulo hepático, como a buscarem alguma coisa, com avidez, nas vizinhanças da vesícula.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O coração trabalhava com dificuldade. Enfim, o enfraquecimento atingira o auge.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Precisamos fornecer-lhe melhoras fictícias – asseverou o dirigente de nossas atividades, tranqüilizando-lhe os parentes aflitos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A câmara está repleta de substâncias mentais torturantes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente principiou, então, a exercer intensivamente sua influência.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas, de raciocínio obnubilado pela dor, não divisava a nossa presença. Os atritos celulares, pelo rápido desenvolvimento dos vírus portadores do coma, impediam-lhe percepções claras. As proveitosas faculdades mediúnicas que ele possuía haviam caído em temporário eclipse, ante os choques do sofrimento. Era, porém, extremamente sensível à atuação magnética. Pouco a pouco, com a interferência de Jerônimo, o amigo acalmou- se, respirou em ritmo quase normal, abriu os olhos fundos e exclamou, reconfortado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Graças a Deus! Louvado seja Deus!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Um dos filhos, a contemplá-lo, de olhos súplices, seguiu-lhe as palavras, ansioso, indagando num gesto de alívio:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Melhorou, papai?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! sim, meu filho, agora respiro mais livremente...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sente os amigos espirituais ao seu lado? – tornou o rapaz, cheio de fé.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O enfermo sorriu, algo triste, e retrucou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não. Quero crer que o sofrimento físico cerrou a porta que me comunicava com a esfera invisível. Mesmo assim, estou muito confiante. Jesus não nos desampara.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fixou a companheira em lágrimas e aduziu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Todos nós experimentaremos a solidão nos grandes momentos de aferir valores espirituais. Estou convencido de que os nossos Guias do Plano Superior não me olvidarão as necessidades...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entretanto... não devo esperar que tomem cuidado permanente<br />comigo...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Falava em voz quase imperceptível, em virtude do abatimento, entrecortando as palavras na respiração opressa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A senhora, vacilante, estava inteiramente amparada por Luciana, que a abraçava, afetuosa. Viam-se-lhe os sinais de angustioso cansaço. Lágrimas espessas corriam-lhe dos olhos congestionados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo, agora, pousava a destra na fronte do moribundo, proporcionando-lhe força, inspiração e idéias favoráveis ao desdobramento de nossos serviços. Dimas mostrou novo brilho no olhar, encarou a companheira, esforçando-se por parecer tranqüilo, e rogou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Querida, vá descansar!... Peço-lhe... Tantas noites a fio, de sentinela, acabarão por aniquilá-la. Que será de mim, doente e exausto, se o desânimo surpreender-nos a todos?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez mais longo intervalo e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Repouse a meu pedido. Ficaria tão satisfeito se a visse mais forte... Não se retarde. Sinto-me muito melhor e sei que o dia será de calma e reconforto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cedendo às instâncias do esposo e docemente constrangida pela influência de Luciana e Hipólito, a matrona recolheu-se ao quarto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em vista das melhoras obtidas, houve expansão de júbilo familiar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O médico foi chamado. Radiante, o clínico asseverou que os prognósticos contrariavam suposições anteriores.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Renovou as indicações, dispensou os anestésicos e recomendou ao pessoal doméstico que entregasse o doente ao repouso absoluto. Dimas acusava melhoras surpreendentes. Era razoável, portanto, que a câmara fosse deixada em silêncio para que ele tivesse um sono reparador.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O esculápio atendia-nos ao desejo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em breves minutos, o compartimento ficou solitário, facilitando- nos o serviço.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente distribuiu trabalho a todos nós.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Hipólito e Luciana, depois de tecerem uma rede fluídica de defesa, em torno do leito, para que as vibrações mentais inferiores fossem absorvidas, permaneceram em prece ao lado, enquanto eu mantinha a destra sobre o plexo solar do agonizante. – Iniciaremos, agora, as operações decisivas – declarou-nos Jerônimo, resoluto –; antes, porém, forneçamos ao nosso amigo a oportunidade da oração final.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente tocou-o, demoradamente, na parte posterior do cérebro. Vimos que o agonizante passou a emitir pensamentos luminosos e belos. Não nos via, nem nos ouvia, de maneira direta, mas conservava a intuição clara e ativa. Sob o controle de Jerônimo, experimentou imperiosa necessidade de orar e, embora os lábios cansados prosseguissem imóveis, assinalamos a rogativa mental que endereçava ao Divino Mestre:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meu Senhor Jesus-Cristo, creio que atingi o fim de meu corpo, do corpo que me deste, por algum tempo, como dádiva preciosa e bendita. Eu não sei, Senhor, quantas vezes feri a máquina fisiológica que me confiaste. Inconscientemente, quebrei-lhe as peças com o meu descaso, menosprezando patrimônios sagrados, cujo valor estou reconhecendo em mais de doze meses de sofrimento carnal incessante. Não te posso implorar a bênção da morte pacífica, porque nada fiz de bom ou de útil por merecê-la.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mas se é possível, Amado Médico, socorre-me com o teu compassivo e desvelado amor! Curaste paralíticos, cegos e leprosos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Porque te não compadecerás de mim, miserável peregrino da Terra?...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Seus olhos deixaram escapar lágrimas abundantes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após breves minutos, observamos que o agonizante recordava a meninice distante. Na tela miraculosa da memória, revia o colo materno e sentia sede do carinho de mãe. Oh! se pudesse contar com o socorro da abençoada velhinha que a morte arrebatara há tantos anos! – refletia. Premido pelas doces reminiscências, modificou o quadro da súplica, lembrou a cena da crucificação de Jesus, insistiu mentalmente por vislumbrar o vulto sublime de Maria e, sentindo-se de joelhos, diante dela.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Implorou: – Mãe dos céus, mãe das mães humanas, refúgio dos órfãos da Terra, sou agora, também, o menino frágil com fome do afeto maternal nesta hora suprema! Oh! Senhora Divina, mãe de meu Mestre e de meu Senhor, digna-te abençoar-me!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Lembra que teu filho divino pôde ver-te no derradeiro instante e intercede por mim, mísero servo, para que eu tenha minha santa mãe ao meu lado no minuto de partir!... Socorre-me! não me abandones, anjo tutelar da Humanidade, bendita entre as mulheres!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Oh! providência maravilhosa do Céu! Convertera-se o coração do moribundo em foco radioso e a porta de acesso deu entrada à venerável anciã, coroada de luz semelhando neve luminosa. Ela se aproximou de Jerônimo e informou, após desejar-nos a paz Divina:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sou a mãe dele...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente comentou a urgência da tarefa que nos aguardava e confiou-lhe o depósito querido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em breves instantes, tínhamos perante os olhos inolvidável quadro afetivo. Sentara-se a velhinha no leito, depondo a cabeça do moribundo no regaço acolhedor, afagando-a com as mãos caridosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em virtude do reforço valioso no setor da colaboração, Hipólito e Luciana, atendendo ao nosso dirigente, foram velar pelo sono da esposa, para que as suas emissões mentais não nos alterassem o esforço.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No recinto, permanecemos os três apenas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas, experimentando indefinível bem-estar no regaço materno, parecia esquecer, agora, todas as mágoas, sentindo-se amparado como criança semi-inconsciente, quase feliz. Ordenou Jerônimo que me conservasse vigilante, de mãos coladas à fronte do enfermo, passando, logo após, ao serviço complexo e silencioso de magnetização. Em primeiro lugar, insensibilizou inteiramente o vago, para facilitar o desligamento nas vísceras. A seguir, utilizando passes longitudinais, isolou todo o sistema nervoso simpático, neutralizando, mais tarde, as fibras inibidoras no cérebro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Descansando alguns segundos, asseverou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não convém que Dimas fale, agora, aos parentes. Formularia, talvez, solicitações descabidas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Indicou o desencarnante e comentou, sorrindo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Noutro tempo, André, os antigos acreditavam que entidades mitológicas cortavam os fios da vida humana. Nós somos Parcas autênticas, efetuando semelhante operação...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E porque eu indagasse, tímido, por onde iríamos começar, explicou-me o orientador:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Segundo você sabe, há três regiões orgânicas fundamentais que demandam extremo cuidado nos serviços de liberação da alma: o centro vegetativo, ligado ao ventre, como sede das manifestações fisiológicas; o centro emocional, zona dos sentimentos e desejos, sediado no tórax, e o centro mental, mais importante por excelência, situado no cérebro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Minha curiosidade intelectual era enorme. Entendendo, porém, que a hora não comportava longos esclarecimentos, abstiveme de indagações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo, todavia, gentil como sempre, percebeu-me o propósito de pesquisa e acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Noutro ensejo, André, você estudará o problema transcendente das várias zonas vitais da individualidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aconselhando-me cautela na ministração de energias magnéticas à mente do moribundo, começou a operar sobre o plexo solar, desatando laços que localizavam forças físicas. Com espanto, notei que certa porção de substância leitosa extravasava do umbigo, pairando em torno.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Esticaram-se os membros inferiores, com<br />sintomas de esfriamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas gemeu, em voz alta, semi-inconsciente.<br />Acorreram amigos, assustados. Sacos de água quente foram-lhe apostos nos pés. Mas, antes que os familiares entrassem em cena, Jerônimo, com passes concentrados sobre o tórax, relaxou os elos que mantinham a coesão celular no centro emotivo, operando sobre determinado ponto do coração, que passou a funcionar como bomba mecânica, desreguladamente. Nova cota de substância desprendia-se do corpo, do epigástrio à garganta, mas reparei que todos os músculos trabalhavam fortemente contra a partida da alma, opondo-se à libertação das forças motrizes, em esforço desesperado, ocasionando angustiosa aflição ao paciente. O campo físico oferecia-nos resistência, insistindo pela retenção do senhor espiritual.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Com a fuga do pulso, foram chamados os parentes e o médico, que acorreram, pressurosos. No regaço maternal, todavia, e sob nossa influenciação direta, Dimas não conseguiu articular palavras ou concatenar raciocínios.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Alcançáramos o coma, em boas condições.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente estabeleceu reduzido tempo de descanso, mas volveu a intervir no cérebro. Era a última etapa.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Concentrando todo o seu potencial de energia na fossa romboidal, Jerônimo quebrou alguma coisa que não pude perceber com minúcias e brilhante chama violeta-dourada desligou-se da região craniana, absorvendo, instantaneamente, a vasta porção de substância leitosa já exteriorizada. Quis fitar a brilhante luz, mas confesso que era difícil fixá-la, com rigor. Em breves instantes, porém, notei que as forças em exame eram dotadas de movimento plasticizante. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A chama mencionada transformou-se em maravilhosa cabeça, em tudo idêntica à do nosso amigo em desencarnação, constituindo-se, após ela, todo o corpo perispiritual de Dimas, membro a membro, traço a traço. E, à medida que o novo organismo ressurgia ao nosso olhar, a luz violeta-dourada, fulgurante no cérebro, empalidecia gradualmente, até desaparecer de todo, como se representasse o conjunto dos princípios superiores da personalidade, momentaneamente recolhidos a um único ponto, espraiando-se, em seguida, através de todos os escaninhos do organismo perispirítico, assegurando, desse modo, a coesão dos diferentes átomos, das novas dimensões vibratórias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas-desencarnado elevou-se alguns palmos acima de Dimas-cadáver, apenas ligado ao corpo através de leve cordão prateado, semelhante a sutil elástico, entre o cérebro de matéria densa, abandonado, e o cérebro de matéria rarefeita do organismo liberto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A genitora abandonou o corpo grosseiro, rapidamente, e recolheu a nova forma, envolvendo-a em túnica de tecido muito branco, que trazia consigo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Para os nossos amigos encarnados, Dimas morrera, inteiramente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Para nós outros, porém, a operação era ainda incompleta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente deliberou que o cordão fluídico deveria permanecer até ao dia imediato, considerando as necessidades do “morto”, ainda imperfeitamente preparado para desenlace mais rápido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, enquanto o médico fornecia explicações técnicas aos parentes em pranto, Jerônimo convidou-nos à retirada, confiando, porém, o recém-desencarnado àquela que lhe fora desvelada mãezinha no mundo físico:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Minha irmã pode conservar o filho à vontade até amanhã, quando cortaremos o fio derradeiro que o liga aos despojos, antes de conduzi-lo a abrigo conveniente.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Por enquanto, repousará ele na contemplação do passado, que se lhe descortina em visão panorâmica no campo interior. Além disso, acusa debilidade extrema após o laborioso esforço do momento. Por essa razão, somente poderá partir, em nossa companhia, findo o enterramento dos envoltórios pesados, aos quais se une ainda pelos últimos resíduos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A anciã agradeceu com emoção e, dando a entender que lhe respondia às argüições mentais, o Assistente concluiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Convém montar guarda aqui, vigilante, para que os amigos apaixonados e os inimigos gratuitos não lhe perturbem o repouso forçado de algumas horas.</span><br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-size: x-large;"><br />A mãe de Dimas revelou-se muito grata e partimos, em grupo, a caminho da fundação de Fabiano, de onde nossa expedição socorrista regressaria à Crosta, no dia seguinte</span>.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-73284445037903323192017-08-29T15:44:00.000-07:002017-09-03T07:32:38.710-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">14 - Prestando Assistência</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Meus companheiros de missão pareciam menos interessados em seguir o caso Dimas, durante a noite, inclusive Jerônimo, reservando-se para a continuidade do esforço no dia imediato, quando nos caberia transportá-lo até ao abençoado abrigo de Fabiano.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não se verificava o mesmo quanto a mim.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desembaraçando-me dos laços físicos, noutro tempo, não conseguira efetuar observações educativas para o meu acervo de conhecimentos. O choque sensorial no transe, para a minha personalidade ainda desatenta ante as questões do espírito eterno, impedira- me a análise minuciosa do assunto. Agora, porém, a oportunidade poderia fazer mais luz em minh'alma, quanto à posição dos recém-desencarnados, antes da inumação do envoltório grosseiro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Expondo ao Assistente o meu propósito de aprender, recebi dele a mais ampla permissão.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Poderia visitar a residência de Dimas, à vontade, lá permanecendo durante as horas que desejasse.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A aquiescência de Jerônimo enchia-me de prazer. Não só pela ocasião de enriquecer-me na esfera prática, mas também porque o fato, em si, era bastante expressivo. Pela primeira vez, um companheiro de trabalho, com autoridade suficiente, concordava com o meu desejo de humílimo operário. O consentimento, portanto, representava preciosa conquista. Constituía a liberdade instrutiva, com a responsabilidade de minha consciência e a confiança de meus superiores hierárquicos. Deixando a Casa Transitória, em plena noite, vi-me, em breve, no ambiente doméstico onde o amigo se desfizera dos elos da matéria mais espessa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entrei. A casa enchia-se de amigos e simpatizantes, encarnados e desencarnados. Não se articulavam quaisquer serviços de defesa. Notei que havia trânsito livre pelos grupos de variadas procedências.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em recuado recanto, ainda ligado às vísceras inertes pelo cordão fluídico-prateado, permanecia Dimas no regaço da genitora, ao pé de dois amigos que, cuidadosos, o assistiam.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A nobre matrona reconheceu-me, comovida, apresentando-me aos companheiros presentes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Um deles, Fabriciano, acolheu-me, prestativo, interessando-se pelos informes atinentes ao desenlace. Relatei-lhe os trabalhos, pormenorizadamente. Em seguida, o interlocutor passou a explicar-<br />se:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sempre tive por Dimas sincera admiração, pelo proveitoso concurso que soube oferecer-nos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Integro a comissão espiritual de serviço que vem atendendo aos necessitados, por intermédio dele, nos últimos seis anos. Foi sempre assíduo nas obrigações, bom companheiro, leal irmão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Surpreso com as referências, indaguei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Há, desse modo, comissões de colaboração permanente para os médiuns em geral?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não me reporto à generalidade – redarguiu o interlocutor –, porque a mediunidade é título de serviço como qualquer outro. E há pessoas que pugnam pela obtenção dos títulos, mas desestimam as obrigações que lhes correspondem. Gostariam, por certo, do intercâmbio com o nosso plano, mas não cogitam de finalidades e responsabilidades. Em vista disso não se estabelecem conjuntos de cooperação para os médiuns em geral, mas apenas para aqueles que estejam dispostos ao trabalho ativo. Há muitos aprendizes que não ultrapassam a fronteira da tentativa, da observação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desejariam o caminho bem aplainado, exigindo a convivência exclusiva dos Espíritos genuinamente bondosos. Experimentam a luta construtiva através de sondagens superficiais e, à primeira dificuldade, abandonam compromissos assumidos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A aquisição da fortaleza moral não prescinde das provas arriscadas e angustiosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entretanto, em face das exigências naturais do aprendizado, dizem-se feridos na dignidade pessoal. Não suportam a aproximação de infelizes encarnados ou desencarnados, estacionando à menor picada de dor. Para semelhantes experimentadores, seria extremamente difícil a formação de equipes eficientes, representativas de nosso plano. Não se sabe quando estão dispostos a servir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Se recebem faculdades intuitivas, pedem a incorporação; se contam com a vidência, querem a possibilidade de exteriorizar fluidos vitais para os fenômenos de materialização.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Escutei as observações sensatas do novo amigo e, registrando-lhe a nobreza d'alma, passei a considerações íntimas em torno da tarefa que nos levara até ali.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Porque se formara expedição destinada a socorro de servidor que dispunha de amigos de tamanha competência moral? Fabriciano demonstrava conhecimentos elevados e condição superior. O obsequioso amigo, porém, evidenciando extrema acuidade perceptiva, antes que eu fizesse qualquer pergunta inoportuna, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não obstante nossa amizade ao médium, não nos foi possível acompanhar-lhe o transe. Temos delegação de trabalho, mas, no assunto, entrou em jogo a autoridade de superiores nossos, que resolveram proporcionar-lhe repouso, o que não nos seria possível prodigalizar-lhe, caso viesse diretamente para a nossa companhia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A palestra conduzia-se a interessantes ângulos do problema da morte. Seduzido pelas considerações, interroguei sobre o que já sabia, mais ou menos, a fim de poder penetrar particularidades<br />mais significantes:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nem todas as desencarnações de pessoas dignas contam com o amparo de grupos socorristas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nem todas – confirmou o interlocutor, e acentuou –, todos os fenômenos do decesso contam com o amparo da caridade afeta às organizações de assistência indiscriminada; no entanto, a missão especialista não pode ser concedida a quem não se distinguiu no esforço perseverante do bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Todavia – objetei, curioso, tangendo a corda que mais me interessava no assunto –, não há casos de criaturas, essencialmente bondosas, que se libertam dos laços físicos – mais ou menos entrosados em comissões de serviço espiritual de natureza superior – sem que haja missões salvacionistas, previamente designadas para socorrê-las?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após breve pausa, acrescentei para fazer-me mais claro:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vamos que Dimas estivesse em ligação recente com a sua comissão de trabalho e desencarnasse sem o cuidado dum grupo socorrista: seria deixado à mercê das circunstâncias?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Riu-se Fabriciano, com franqueza, e retrucou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Isso poderia acontecer. Temos precedentes. De maneira geral, ocorrem semelhantes casos com os trabalhadores aflitos por conseguir de qualquer modo a desencarnação, alegando necessidades de repouso. Muitas vezes, no fundo, são criaturas bondosas, mas menos lógicas e pouco inteligentes. Na semana finda, por exemplo, observamos um caso dessa natureza. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Respeitável senhora, jovem ainda, pelas disposições sadias que demonstrou no campo da benemerência social, foi ligada a dedicada corrente de serviço, organizada por amigos nossos. Verificando-se, contudo, pequenas rusgas entre ela e o esposo, e tendo conhecimento da imortalidade da vida, além do sepulcro, desejou a pobre criatura ardentemente morrer. Tolas leviandades do marido bastaram para que maldissesse o mundo e a Humanidade. Não soube quebrar a concha do personalismo inferior e colocar-se a caminho da vida maior. Pela cólera, pela intemperança mental, criou a idéia fixa de libertar-se do corpo de qualquer maneira, embora sem utilizar o suicídio direto. Conhecia os amigos espirituais a que se havia unido, mas, longe de assimilar-lhes ajuizadamente os conselhos, repelia- lhes as advertências fraternas para aceitar tão somente as palavras de consolação que lhe eram agradáveis, dentre as admoestações salutares que lhe endereçavam. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">E tanto pediu a morte, insistindo por ela, entre a mágoa e a irritação persistentes, que veio a desencarnar em manifestação de icterícia complicada com simples surto gripal. Tratava-se de verdadeiro suicídio inconsciente, mas a senhora, no fundo, era extraordinariamente caridosa e ingênua. Não se recebeu qualquer autorização para conceder-lhe descanso e muito menos auxílio especial. Os benfeitores de nossa esfera, apesar de eficiente intercessão em beneficio da infeliz, puderam afastá-la das vísceras cadavéricas, há dois dias, em condições impressionantes e tristes. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Não havendo qualquer determinação de assistência particularizada, por parte das autoridades superiores, e porque não seria aconselhável entregá-la ao sabor da própria sorte, em face das virtudes potenciais de que era portadora, o diretor da comissão de serviço, a que se filiara a imprevidente amiga, recolheu-a, por espírito de compaixão, em plena luta, e ela se foi, de roldão, a trabalhar por aí, ativamente, em condições muito mais sérias e complicadas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A elucidação atingira-me, fundo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Informara-me sobre o que desejava. A lei divina, de fato, perfeita em seus fundamentos, é igualmente harmoniosa em suas aplicações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fabriciano, estampando belo sorriso, aduziu: – Não frutifica a paz legítima sem a semeadura necessária.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Alguém, para gozar o descanso, precisa, antes de tudo, merecê-lo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As almas inquietas entregam-se facilmente ao desespero, gerando causas de sofrimento cruel.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, contemplando o recém-desencarnado, como a indicar que deveríamos centralizar todo o interesse da hora no bem estar dele, considerou, acariciando-lhe a fronte:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nosso amigo repousa agora, terminada a tormenta das provas incessantes. Está enfraquecido, o pobrezinho. A sensibilidade, posta a serviço da obrigação bem cumprida, castigou-lhe a alma, até ao fim; todavia, plantou a fé, a serenidade, o otimismo e a alegria em milhares de corações, estabelecendo sólidas causas de felicidade futura. Por enquanto, permanecerá na posição de ave frágil, incapaz de voar longe do ninho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Felizmente – aventou a genitora, satisfeita –, vem melhorando de modo visível. Os resíduos que o ligam ao cadáver estão quase extintos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Relanceou o olhar pelos ângulos da modesta residência e acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Se fosse possível receber maior cooperação dos amigos encarnados, ser-lhe-ia muito mais fácil o restabelecimento integral.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No entanto, cada vez que os parentes se debruçam, em pranto, sobre os despojos, é chamado ao cadáver, com prejuízo para a restauração mais rápida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Lamentavelmente, porém – tornou Fabriciano –, nossos irmãos encarnados não possuem a chave de reais conhecimentos para organizar ação adequada a esta hora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Em vista disso – revidou a genitora, conformada –, insisto para que Dimas durma, embora o sono, que poderia ser calmo e doce, esteja povoado de pesadelos. Diante da surpresa que me absorvia, o companheiro apressou-se a esclarecer-me:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– As imagens contidas nas evocações das palestras incidem sobre a mente do desencarnado, mantido em repouso depois de rápido mergulho na contemplação dos fatos alusivos à existência finda.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Não somente as imagens. Por vezes, nossos amigos presentes, fecundos nas conversações sem proveito. exumem, com tamanho calor, a lembrança de certos fatos, que trazem até aqui alguns dos protagonistas já desencarnados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As afirmações ouvidas incitaram-me a curiosidade. Fabriciano, entretanto, desejando prodigalizar-me experiência direta, aconselhou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Espere alguns minutos na sala contígua, onde os despojos recebem a visitação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Obedeci.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O velório apresentava o aspecto usual. Flores perfumadas, semblantes sisudos e conversações discretas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ao pé do cadáver, propriamente considerado, os amigos sustentavam reserva e circunspecção. A poucos passos, todavia, davam- se asas ao anedotário vibrante, em torno do amigo em trânsito para o “outro mundo”. Pequenas e grandes ocorrências da vida do “morto” eram lembradas com graça e vivacidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Acerquei-me de roda compacta, em que se falava a respeito dele.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Certo rapaz dirigiu-se a cavalheiro muito idoso, perguntando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Coronel, recebeu a conta?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Por enquanto, não – respondeu o velhote interpelado, preparando fumo de rolo para cigarro à moda antiga –, mas não me preocupo pela demora. Dimas foi sempre bom camarada e os filhos não olvidarão o compromisso paterno. Questão de tempo... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Interessado em ressaltar as qualidades distintas do “falecido” e revelando suas boas disposições de historiador municipal, prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Dimas era um homem interessante e excepcional. Sempre lhe invejei a serenidade. Em matéria de prudência, raras pessoas conheci semelhantes a ele.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">É verdade que nunca me dei a estudos espiritistas, mas confesso que, ao lhe observar a maneira de proceder, sempre desejei conhecer a doutrina que lhe formava o caráter.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Até aí, tudo muito bem. Embora a invocação dos débitos do “morto”, o credor apenas pronunciava palavras de estímulo e paz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todavia, no estado atual da educação humana. é muito difícil alimentar, por mais de cinco minutos, conversação digna e cristalina, numa assembléia superior a três criaturas encarnadas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O comentarista modificou o diapasão de voz, olhou na direção do cadáver e observou, em tom confidencial:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Poucos homens foram de boca segura como este.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Conheci Dimas, faz muitos anos, e estou certo de que foi testemunha ocular de pavoroso crime, que nunca se desvendou para os juízes da Terra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após ligeira pausa, acendeu o cigarro e perguntou, reaguçando a curiosidade dos ouvintes:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nunca souberam?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os presentes mostraram silenciosa negativa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vai para trinta anos – continuou o narrador –, Dimas residia ao lado de nobre família, que guardava consigo valiosos patrimônios da coletividade, relativamente à orientação pública. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Desse agrupamento doméstico, superiormente conceituado na apreciação geral, emanavam ordens e benefícios da mais elevada expressão para o bem-estar de todos. Como não ignoram, há três decênios a vida no interior ainda conservava expressiva herança do Brasil imperial. A economia centralizada mantinha a “casa grande” simbólica, onde se traçavam roteiros para o serviço popular.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Situado na vizinhança de residência feudal como essa, nosso amigo levava existência humilde de trabalhador, organizando o futuro de homem<br />de bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O cavalheiro, insciente dos problemas do espírito, enunciou nomes, relacionou datas e lembrou brejeiramente certos pormenores, prosseguindo com maliciosa jocosidade:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Certa noite, pela madrugada, conhecido chefe político saía do palacete residencial pelos fundos, acompanhado de uma senhora que aparentava excessiva despreocupação consigo mesma, ao despedir-se com intempestiva manifestação de afeto. Terminado o estranho adeus e, vendo-se sozinho, o “Dom Juan” deu alguns passos para a retirada, espiou, cauteloso, em torno, e ia continuar a marcha, quando reparou que alguém lhe observara a intimidade com a esposa de respeitável amigo. Era modestíssimo operário, que talvez estivesse ali por força de circunstâncias inapreciáveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O político alcançou-o, dum salto. Homem de compleição robusta e paixões violentas, aproximou-se do espectador inesperado e interpelou-o, brutalmente, ao que o mísero respondeu, humilde:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Doutor – não estou espreitando, juro-lhe!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pois morrerá, de qualquer modo – adiantou o atlético agressor, em voz sumida de cólera.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Agarrou-o pelo paletó e acentuou, de dentes cerrados:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vermes que perturbam, devem morrer.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não me mate, doutor, não me mate! – rogou o infeliz – Tenho mulher e filhos! Saberei respeitá-lo!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não valeu à vítima dobrar-se de joelhos, na súplica, porque o homem terrível, cego de fúria, tomou a arma e desfechou-lhe certeiro tiro no coração, afastando-se precípite. Dimas, tendo observado os fatos a curta distância, gritou, fazendo- se ouvir pelo assassino, que o reconheceu pelas exclamações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, correu no sentido de amparar o ferido, que, entretanto, nem chegou a gemer. Tendo-se aproximado do assassinado, quando outras pessoas, em roupas brancas, acorriam igualmente à pressa, para verificar o ocorrido, manteve-se a cavaleiro de qualquer atitude suspeitosa; no entanto, chamado a esclarecimento pelas autoridades, ele, que tudo sabia, nada revelou.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Protegeu o morto nos funerais, dispensou-lhe extremos cuidados, extensivos à família, portou-se como cristão fiel, esquivando-se, contudo, ao fornecimento de quaisquer indícios para que o criminoso fosse capturado, alegando desconhecer qualquer minúcia dos fatos que deram motivo ao acontecimento. E o caso policial foi<br />encerrado, na suposição de latrocínio. A única testemunha, que era ele, considerava preferível o silêncio ao escândalo que traria enormes dissidências domésticas e sociais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O narrador fixava os despojos e acentuava:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Boca segura! Não conheci homem mais discreto.<br />Certo ouvinte indagou, brejeiro:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mas, coronel, como veio a saber das particularidades, se Dimas não chegou a denunciar?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O interpelado fez um gesto de franca satisfação e acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vantagem da boa amizade com os sacerdotes. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Meu velho amigo, o padre F... que Deus guarde, contou-me o fato, sumamente impressionado. Ouviu o assassino, em confissão, antes da morte dele e obteve todos os pormenores da obscura ocorrência. O homicida, cuidadoso na exposição das faltas, não se esqueceu de nomear Dimas ao vigário, como exclusiva testemunha do pecado mortal cometido. O padre, contudo, excelente amigo, cheio de experiência do mundo, não trouxe o caso a público. As pessoas envolvidas no drama deixaram descendência distinta e seria crueldade rememorar acontecimento tão triste.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O narrador estampou curiosa expressão no rosto e rematou, apagando o cigarro:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tudo passa... Morreram a vítima, a adúltera, o assassino, o confessor e, agora, a testemunha. Certo, haverá lugar, fora deste mundo, para fazer-se a justiça.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse momento, horrível figura, seguida de outras, não menos monstruosas, surgiu de inesperado. Acercando-se do leviano comentador, ouviu-lhe, ainda, as últimas palavras, sacudiu-o e gritou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sou eu o assassino! Que quer você de mim? Porque me chama? É juiz?!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O narrador não enxergara o que eu via, mas seu corpo foi atingido por involuntário estremeção, que arrancou abafado riso dos presentes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, o homicida desencarnado, atraído talvez pelo cheiro forte das flores reunidas na eça improvisada, teve a perfeita noção do velório.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Abalou-se, precipitado, pondo-se na contemplação do morto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reconheceu-o, estampou um gesto de profunda surpresa, ajoelhou- se e gritou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Dimas, Dimas, pois também tu vens para a verdade? Onde estás, bom amigo, que me velaste a falta com o véu da caridade sem limites? Socorre-me! Estou desesperado! Onde encontrarei minha vítima para suplicar o perdão de que necessito? Ajuda-me, ainda! Tem compaixão!</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Deves saber o que ignoro! Socorre-me, socorre-me!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ao lado do infeliz, em rogativa, diversas entidades sofredoras permaneciam extáticas. Mas Fabriciano surgiu inesperadamente e ordenou aos invasores afastamento imediato.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Limpa a câmara, o novo amigo dirigiu-se a mim, observando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Garanto que este grupo entrou nesta casa por invocação direta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Narrei-lhe, impressionado, o que vira.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ouviu-me calmamente e ponderou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A observação, feita por nós mesmos, é sempre mais valiosa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas, não obstante dedicado à causa do bem e compelido a grande esforço de cooperação na obra coletiva, descuidou-se de incentivar a prática metódica da oração em família, no santuário doméstico. Por isso tem defesas pessoais, mas a residência conserva- se à mercê da visitação de qualquer classe.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A elucidação era significativa. Comecei a compreender a razão do sentimentalismo prejudicial da família inconformada. Desejando, porém, fixar o aprendizado da noite sobre assunto atinente à desencarnação, perguntei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nosso amigo recém-liberto terá ouvido a súplica do irmão desventurado?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Geme sob terrível pesadelo, nos braços maternos – explicou Fabriciano, solícito –, ao recordar o fato relatado. Desde alguns minutos acompanhamos a agitação dele, reparando que recebia choques desagradáveis, através do cordão final.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ouvindo e vendo os quadros invocados? – insisti, perguntando.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não chegou a ver, nem a ouvir, integralmente, em face da perturbação espontânea, mas vislumbrou, sentiu, oprimiu-se e torturou-se, prejudicando a reconquista de si mesmo. As forças mentais estão revestidas de maravilhoso poder. Indicando os grupos que continuavam conversando, acentuou, sem aspereza:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nossos amigos da esfera carnal são ainda muito ignorantes para o trato com a morte. Ao invés de trazerem pensamentos amigos e reconfortadores, preces de auxílio e vibrações fraternais, atiram aos recém-desencarnados as pedras e os espinhos que deixaram nas estradas percorridas. É por isso que, por enquanto, os mortos que entregam despojos aos solitários necrotérios da indigência são muito mais felizes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ainda não havia terminado, de todo, as considerações, quando a esposa de Dimas, num acesso de pranto, levantou-se do leito em que repousava e adiantou-se para o cadáver, repetindo-lhe o nome, comovedoramente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Dimas! Dimas! como ficarei? Estaremos separados, então, para sempre?...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Como Fabriciano se dirigisse apressado para o quarto humilde em que permanecia o desencarnado, acompanhei-o.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A genitora do médium fazia esforços para contê-lo, mas debalde. Pelo fio prateado, estabelecera-se vigoroso contacto entre ele e a companheira, porque Dimas se ergueu, cambaleante, apesar do carinho materno. Estava lívido, semilouco. Avançou para a sala mortuária, rogando paz, mas antes que pudesse aproximar-se muito dos despojos, Fabriciano aplicou energias de prostração na esposa imprudente, que foi novamente conduzida ao leito, agora sem sentidos, enquanto Dimas voltava ao regaço maternal, menos aflito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O amigo esclareceu-me, sereno:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Há situações em que o drástico deve ser medida inicial.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nosso irmão muito fez pela harmonia dos outros, durante a existência, e merece libertação pacífica. Sinto-me, pois, no dever de garanti-lo para que se desembarace dos últimos resíduos que ainda o inclinam à matéria densa. Outros amigos e afeiçoados do médium chegaram ao ambiente doméstico, interessados em ajudá-lo e, como a noite ia muito alta, despedi-me dos companheiros, pondo-me de regresso ao acolhedor asilo de Fabiano.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No outro dia, ao me avistar, disse-me o Assistente Jerônimo, após a saudação inicial:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Espero, André, que o velório lhe tenha trazido úteis e instrutivos ensinamentos.</span><br />
<span style="font-size: large;"><span style="font-size: x-large;"><br />Sim, o estimado Assistente falava com muita propriedade e razão. Eu aprendera muito, durante a noite. Aprendera que as câmaras mortuárias não devem ser pontos de referência à vida social, mas recintos consagrados à oração e ao silêncio</span>.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-39594292122484411062017-08-29T15:05:00.000-07:002017-09-03T07:23:47.609-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">15 - Aprendendo Sempre</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Duas horas antes de organizar-se o cortejo fúnebre, estávamos a postos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A residência de Dimas enchia-se de pessoas gradas, além de apreciável assembléia de entidades espirituais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo, resoluto, penetrou a casa, seguido de nós outros.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Encaminhou-se para o recanto onde o recém-desencarnado permanecia abatido e sonolento, sob a carícia materna. Reparei que o médium liberto tinha agora o corpo perispiritual mais aperfeiçoado, mais concreto. Tive a nítida impressão de que através do cordão fluídico, de cérebro morto a cérebro vivo, o desencarnado absorvia os princípios vitais restantes do campo fisiológico. Nosso dirigente contemplou-o, enternecido, e pediu informes à genitora, que os forneceu, satisfeita:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Graças a Jesus, melhorou sensivelmente. É visível o resultado de nossa influência restauradora e creio que bastará o desligamento do último laço para que retome a consciência de si mesmo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo examinou-o e auscultou-o, como clínico experimentado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, cortou o liame final, verificando-se que Dimas, desencarnado, fazia agora o esforço do convalescente ao despertar, estremunhado, findo longo sono.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Somente então notei que, se o organismo perispirítico recebia<br />as últimas forças do corpo inanimado, este, por sua vez, absorvia também algo de energia do outro, que o mantinha sem notáveis alterações. O apêndice prateado era verdadeira artéria fluídica, sustentando o fluxo e o refluxo dos princípios vitais em readaptação. Retirada a derradeira via de intercâmbio, o cadáver mostrou sinais, quase de imediato, de avançada decomposição.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A análise do cadáver de Dimas causava tristeza.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Inumeráveis germens microscópicos entravam, como exércitos vorazes, em combate aberto, libertando gases ocultos que revelavam o apodrecimento dos tecidos e líquidos em geral. Os traços fisionômicos do defunto achavam-se alterados, degenerando-se também a estrutura dos membros. Os órgãos autônomos, por seu turno, perdiam a feição característica, já tumefactos e imóveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em compensação, Dimas-livre, Dimas-espírito, despertava.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Amparado pela genitora, abriu os olhos, fixou-os em derredor, num impulso de criança alarmada, e chamou a esposa, aflitivamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dormira em excesso, mas alcançara sensível melhora. Sentia a casa cheia de gente e desejava saber alguma coisa a respeito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A mãezinha, porém, afagando-o brandamente, acalmou-o, esclarecendo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ouça, Dimas: A porta pela qual você se comunicava com o plano carnal, somático, cerrou-se com seus olhos físicos. Tenha serenidade, confiança, porque a existência, no corpo físico, terminou.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O desencarnado não dissimulou a penosa impressão de angústia e fitou-a com amargurado espanto, identificando-a pela voz, um tanto vagamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não me reconhece, filho?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Bastou a pergunta carinhosa, pronunciada com especial inflexão de meiguice, para que o desencarnado se abraçasse à velhinha, gritando, num misto de júbilo e sofrimento:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mãe! minha mãe!... será possível?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A anciã deteve-o ternamente nos braços e falou: – Escute! Refreie a emoção, que lhe será extremamente prejudicial.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sustente o equilíbrio, diante do fato consumado.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Estamos, agora, juntos, numa vida mais feliz. Não tenha preocupações acerca dos que ficaram. Tudo será remediado, como convém, no momento oportuno. Acima de qualquer pensamento que o incline à prisão no círculo que acabou de deixar, faça valer a confiança sincera e firme em nosso Pai Celestial.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ó minha mãe! e a esposa, os filhos?... A sábia benfeitora, todavia, cortou-lhe as palavras, consolando-o:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Os laços terrenos, entre você e eles, foram interrompidos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Restitua-os a Deus, certo de que o Eterno Senhor da Vida, a quem de fato pertencemos, permitirá sempre que nos amemos uns aos<br />outros.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Contemplou-a Dimas, através de espesso véu de pranto, e, antes que ele enunciasse novas interrogações, falou a genitora carinhosa, apresentando-lhe Jerônimo, que acompanhava a cena, comovido:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Eis aqui o amigo que o desligou das cadeias transitórias.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em breve, partirá você, em companhia dele, buscando o socorro eficiente de que necessita.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Embora atordoado, o filho esboçou silencioso gesto de contrariedade, ante a perspectiva de nova separação do convívio materno, mas a velhinha interveio, acrescentando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vim até aqui porque você me chamou, recorrendo à Mãe Divina; contudo, não estou habilitada a lhe proporcionar ingresso em meus trabalhos, por enquanto. O irmão Jerônimo, todavia, é o orientador dedicado que conduzirá o serviço de sua restauração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tenha confiança. Irei vê-lo quantas vezes for possível, até que nos possamos reunir noutro lar venturoso, sem as lágrimas da separação e sem as sombras da morte. Em seguida, sussurrou algumas palavras que somente Dimas pôde escutar e, sob funda emoção, vi-o desvencilhar-se dos braços maternos e avançar, cambaleante, para Jerônimo, osculando-lhe respeitosamente as mãos. O Assistente agradeceu o carinhoso preito de reconhecimento e amor e, de olhos marejados, explicou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nada efetuamos aqui, senão o dever que nos trouxe. Guarde o seu agradecimento para Jesus, o nosso Benfeitor Divino.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O trabalhador recém-liberto trazia o olhar nevoado de pranto, entre a alegria e a dor, a saudade e a esperança.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A devotada mãe amparou-o, mais uma vez, animando-o:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Dimas, congregam-se, aqui, diversos amigos seus, em manifestação inicial de regozijo pela sua vinda.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Entretanto, a sua posição é a do convalescente, cheio de cicatrizes a exigirem cuidado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fale pouco e ore muito. Não se aflija, nem se lastime. Por hoje, não pergunte mais nada, meu filho. Seja dócil, sobretudo, para que nosso auxílio não seja mal interpretado pela visão deficiente que você traz da esfera obscura. Acompanharemos seus despojos até à última morada, a fim de que você faça exercício preliminar para a grande viagem que levará a efeito, dentro de breves minutos, sustentado pelos nossos amigos, a caminho do restabelecimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não tema, pois já se preparou para receber-nos a cooperação, semeando o bem, em longos anos de atividades espiritistas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não dê guarida ao medo, que sempre estabelece perigosas vibrações de queda em transições como a em que você se encontra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, conduzindo-o à câmara mortuária, onde o corpo jazia imóvel, prestes a partir, acrescentou a anciã, sob o olhar de<br />aprovação que Jerônimo lhe dirigia:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Venha ver o aparelho que o serviu fielmente durante tantos anos. Contemple-o com gratidão e respeito. Foi seu melhor amigo, companheiro de longa batalha redentora. E como a viúva e os filhos chorassem lamentosamente, advertiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Deploro os sentimentos negativos a que se recolhem os seus entes amados, despercebidos das realidades do Espírito. Não se detenha, Dimas, nas lágrimas que derramam, absorvidos em devastadora incompreensão. Este pranto e estas exclamações angustiosas não traduzem a verdade dos fatos. Você sabe agora, mais que nunca, que a imortalidade é sublime. Nunca houve adeus para sempre, na sinfonia imorredoura da vida. Abstenha-se, pois, de<br />responder, por enquanto, às argüições que sua mulher e seus filhos dirigem ao cadáver. Quando você estiver refeito, voltará a auxiliá-los, consagrando-lhes, ainda e sempre, inestimável amor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas procurou conter-se ante a perturbação geral do ambiente doméstico e, vacilante, debruçou-se sobre o ataúde, vertendo grossas lágrimas. Via-se-lhe o inaudito esforço para manter serenidade naquela hora. Rente a ele, a esposa proferia frases de intensa amargura. Todavia, em obediência às recomendações maternas, ele guardava discreta atitude de tristeza e enternecimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Notei que Dimas sentia dificuldade para concatenar raciocínios, porque tentou em vão articular uma prece, em voz alta. Percebendo- lhe o intenso desejo, aproximou-se Jerônimo de sensível irmão encarnado, então presente, tocou-lhe a fronte com a destra luminosa e o companheiro, declarando sentir-se inspirado, levantou- se e pediu permissão para pronunciar breve súplica, no que foi atendido e acompanhado por todos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sob a influência do orientador espiritual, o companheiro orou sentidamente. Verifiquei que Dimas experimentava imensa consolação, graças ao gesto amigo de Jerônimo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, ante as exclamações dolorosas dos familiares, o ataúde foi cerrado e iniciou-se o préstito silencioso Seguíamos, ao fim do cortejo, em número superior a vinte entidades desencarnadas, inclusive o irmão recém-liberto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Abraçado à genitora, Dimas, em passos incertos e vagarosos, ouvia-lhe discretas exortações e sábios conselhos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entre os muitos afeiçoados do círculo carnal, reinava profundo constrangimento, mas entre nós imperava tranqüilidade efetiva e espontânea.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Prosseguíamos com as melhores notas de calma, quando nos acercamos do campo-santo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estranha surpresa empolgou-me de súbito. Nenhum dos meus companheiros, exceção de Dimas, que fazia visível esforço para sossegar a si mesmo, exteriorizou qualquer emoção, diante do quadro que víamos. Mas não pude sofrear o espanto que me tomou o coração. As grades da necrópole estavam cheias de gente da esfera invisível, em gritaria ensurdecedora. Verdadeira concentração de vagabundos sem corpo físico apinhava-se à porta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Endereçavam ditérios e piadas à longa fila de amigos do morto. No entanto, ao perceberem a nossa presença, mostraram carantonhas de enfado e um deles, mais decidido, depois de fitar-nos com desapontamento, bradou aos demais:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não adianta! É protegido...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Voltei-me, preocupado, e indaguei do padre Hipólito que significava tudo aquilo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O ex-sacerdote não se fez de rogado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nossa função, acompanhando os despojos – esclareceu ele, afavelmente –, não se verifica apenas no sentido de exercitar o desencarnado para os movimentos iniciais da libertação. Destina-se também à sua defesa. Nos cemitérios costuma congregar-se compacta fileira de malfeitores, atacando vísceras cadavéricas, para subtrair-lhes resíduos vitais. Ante a minha estranheza, Hipólito considerou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não é para admirar. O Evangelho, descrevendo o encontro de Jesus com endemoninhados, refere-se a Espíritos perturbados que habitam entre os sepulcros.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reconhecendo-me a inexperiência no trato com a matéria religiosa, Hipólito continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Como você não ignora, as igrejas dogmáticas da Crosta Terrena possuem erradas noções acerca do diabo, mas, inegavelmente, os diabos existem.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Somos nós mesmos, quando, desviados dos divinos desígnios, pervertemos o coração e a inteligência, na satisfação de criminosos caprichos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! mas que paisagem repugnante! – exclamei, surpreendido, interrompendo a instrutiva explanação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É verdade – concordou o interlocutor –, é quadro deveras ascoroso; todavia, é reflexo do mundo, onde, também nós, nem sempre fomos leais filhos de Deus.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A observação me satisfez integralmente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entramos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, ante meus olhos atônitos, Jerônimo inclinou-se piedosamente sobre o cadáver, no ataúde momentaneamente aberto antes da inumação, e, através de passes magnéticos longitudinais, extraiu todos os resíduos de vitalidade, dispersando-os, em seguida, na atmosfera comum, através de processo indescritível na linguagem humana por inexistência de comparação analógica, para que inescrupulosas entidades inferiores não se apropriassem deles.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Completada a curiosa operação, tive minha atenção voltada para gemidos lancinantes, emitidos de zonas diversas daquela moradia respeitável, agora semelhante a vasto necrotério de almas. Jerônimo entrara em conversação com vários colegas, enquanto<br />a maioria dos companheiros encarnados, em obediência à tradição, atiravam a clássica pazinha de cal ou poeira sobre o envoltório entregue à profunda cova.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Impressionado com os soluços que ouvia em sepulcro próximo, fui irresistivelmente levado a fazer uma observação direta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sentada sobre a terra fofa, infeliz mulher desencarnada, aparentando trinta e seis anos, aproximadamente, mergulhava a cabeça nas mãos, lastimando-se em tom comovedor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Compadecido, toquei-lhe a espádua e interroguei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que sente, minha irmã?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que sinto? – gritou ela, fixando em mim grandes olhos de louca – não sabe? Oh! o senhor chama-me irmã...</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Quem sabe me auxiliará para que minha consciência torne a si mesma? Se é possível, ajude-me, por piedade! Não sei diferençar o real do ilusório...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Conduziram-me à casa de saúde e entrei neste pesadelo que o senhor está vendo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tentava erguer-se, debalde, e implorava, estendendo-me as mãos:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Cavalheiro, preciso regressar! Conduza-me, por favor, à minha residência! Preciso retornar ao meu esposo e ao meu filhinho!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Se este pesadelo se prolongar, sou capaz de morrer!... Acorde-me, acorde-me!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pobre criatura! – exclamei, distraído de toda a curiosidade, em face da compaixão que o triste quadro provocava – Ignora que seu corpo voltou ao leito de cinzas! Não poderá ser útil ao esposo e ao filhinho, em semelhantes condições de desespero.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Olhou-me, angustiada, como a desfazer-se em ataque de revolta inútil. Mas, antes que explodisse em rugidos de dor, acrescentei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Jerônimo entrara em conversação com vários colegas, enquanto a maioria dos companheiros encarnados, em obediência à tradição, atiravam a clássica pazinha de cal ou poeira sobre o envoltório entregue à profunda cova.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Impressionado com os soluços que ouvia em sepulcro próximo, fui irresistivelmente levado a fazer uma observação direta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Olhou-me, angustiada, como a desfazer-se em ataque de revolta inútil. Mas, antes que explodisse em rugidos de dor, acrescentei:– Já orou, minha amiga? Já se lembrou da Providência Divina?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quero um médico, depressa! só ouço padres! – bradou irritadiça</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não posso morrer... Despertem-me! Despertem-me!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Jesus é nosso médico infalível – tornei – e indico-lhe a oração como remédio providencial para que Ele a assista e cure.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A infeliz, entretanto, parecia distanciada de qualquer noção de espiritualidade. Tentando agarrar-me com as mãos cheias de manchas estranhas, embora não me alcançasse, gritou estentoricamente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Chamem meu marido! Não suporto mais! Estou apodrecendo!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Oh! quem me despertará?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Da fúria aflita, passou ao choro humilde, ferindo-me a sensibilidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Compreendi, então, que a desventurada sentia todos os fenômenos da decomposição cadavérica e, examinando-a detidamente, reparei que o fio singular, sem a luz prateada que o caracterizava em Dimas, pendia-lhe da cabeça. penetrando chão a dentro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ia exortá-la, de novo, recordando-lhe os recursos sublimes da prece, quando de mim se aproximou simpática figura de trabalhador, informando-me, com espontânea bondade:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meu amigo, não se aflija.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A advertência não me soou bem aos ouvidos. Como não preocupar- me, diante de infortunada mulher que se declarava esposa e mãe? Como não tentar arrancá-la à perigosa ilusão? Não seria justo consolá-la, esclarecê-la? Não contive a série de interrogações que me afloraram do raciocínio à boca.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Longe de o interpelado perturbar-se, respondeu-me tranqüilamente: </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">– Compreendo-lhe a estranheza. Deve ser a primeira vez que freqüenta um cemitério como este. Falta-lhe experiência. Quanto a mim, sou do posto de assistência espiritual à necrópole.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desarmado pela serenidade do interlocutor, renovei a primeira atitude. Reconheci que o local, não obstante repleto de entidades vagabundas, não estava desprovido de servidores do bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Somos quatro companheiros, apenas – prosseguiu o informante –, e, em verdade, não podemos atender a todas as necessidades aparentes do serviço. Creia, porém, que zelamos pela solução de todos os problemas fundamentais. Apesar de nosso cuidado, não podemos todavia, esquecer o imperativo de sofrimento benéfico para todos aqueles que vêm dar até aqui, após deliberado desprezo pelos sublimes patrimônios da vida humana.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atingi o sentido oculto das explicações. O cooperador queria dizer, naturalmente, que a presença, ali, de malfeitores e ociosos desencarnados se justificava em face do grande número de ociosos e malfeitores que se afastam diariamente da Crosta da Terra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Era o similia similibus em ação, cumprindo-se os ditames da lei do progresso. Castigando-se e flagelando-se, mutuamente, alcançariam os desviados a noção do verdadeiro caminho salvador.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fitei a infeliz e expus meu propósito de auxiliá-la.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É inútil – esclareceu o prestimoso guarda, equilibrado nos conhecimentos de justiça e seguro na prática, pelo convívio diário com a dor –; nossa desventurada irmã permanece sob alta desordem emocional. Completamente louca. Viveu trinta e poucos anos na carne, absolutamente distraída dos problemas espirituais que nos dizem respeito. Gozou, à saciedade, na taça da vida física.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após feliz casamento, realizado sem qualquer preparo de ordem moral, contraiu gravidez, situação esta que lhe mereceu menosprezo<br />integral. Comparava o fenômeno orgânico em que se encontrava a ocorrências comuns e, acentuando extravagâncias, por demonstrar falsa superioridade, precipitou-se em condições fatais. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Chamada ao testemunho edificante da abelha operosa, na colméia do lar, preferiu a posição da borboleta volúvel, sequiosa de novidades efêmeras. O resultado foi funesto. Findo o parto difícil, sobrevieram infecções e febre maligna, aniquilando-lhe o organismo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Soubemos que, nos últimos instantes, os vagidos do filhinho tenro despertaram-lhe os instintos de mãe e a infortunada combateu ferozmente com a morte, mas foi tarde. Jungida aos despojos por conveniência dela própria, tem primado aqui pela inconformação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vários amigos visitadores, em custosa tarefa de benefício aos recém-desencarnados, têm vindo à necrópole, tentando libertá-la. A pobrezinha, porém, após atravessar existências de sólido materialismo, não sabe assumir a menor atitude favorável ao estado receptivo do auxilio superior. Exige que o cadáver se reavive e supõe-se em atroz pesadelo, quando nada mais faz senão agravar a desesperação. Os benfeitores, desse modo, inclinam-se à espera da manifestação de melhoras íntimas, porque seria perigoso forçar a libertação, pela probabilidade de entregar-se a infeliz aos malfeitores desencarnados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Indiquei, porém o laço fluídico que a ligava ao envoltório sepulto e observei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vê-se, entretanto, que a mísera experimenta a desintegração do corpo grosseiro em terríveis tormentos, conservando a impressão de ligamento com a matéria putrefata. Não teremos recursos para aliviá-la?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tomei atitude espontânea de quem desejava tentar a medida libertadora e perguntei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quem sabe chegou o momento? Não será razoável cortar o grilhão?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que diz? – objetou, surpreso, o interlocutor – Não, não pode ser! Temos ordens.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Porque tamanha exigência? – insisti. – Se desatássemos a algema benéfica, ela regressaria, intempestiva, à residência abandonada, como possessa de revolta, a destruir o que encontrasse. Não tem direito, como mãe infiel ao dever, de flagelar com a sua paixão desvairada o corpinho tenro do filho pequenino e, como esposa desatenta às obrigações, não pode perturbar o serviço de recomposição psíquica do companheiro honesto que lhe ofereceu no mundo o que possuía de melhor. É da lei natural que o lavrador colha de conformidade com a semeadura.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quando acalmar as paixões vulcânicas que lhe consomem a alma, quando humilhar o coração voluntarioso, de modo a respeitar a paz dos entes amados que deixou no mundo, então será libertada e dormirá sono reparador, em estância de paz que nunca falta ao necessitado reconhecido às bênçãos de Deus.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A lição era dura, mas lógica.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A infortunada criatura, alheia à nossa conversação, prosseguia gritando, qual demente hospitalizada em prisão dolorosa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tentei ampliar as minhas observações, mas o servidor chamou-me a outras zonas, de onde partiam gemidos estridentes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– São vários infelizes, na vigília da loucura – disse calmo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E designando um velhote desencarnado, de cócoras sobre a própria campa, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Venha e escute-o.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Acompanhando meu novo amigo, reparei que o sofredor mantinha- se igualmente em ligação com o fundo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ai, meu Deus! – dizia – quem me guardará o dinheiro?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quem me guardará o dinheiro?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Observando-nos a aproximação, rogava súplice:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quem são? Querem roubar-me! Socorram-me, socorram-me!... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Debalde enderecei-lhe palavras de encorajamento e consolação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não ouve – informou o sentinela, obsequioso –, a mente dele está cheia das imagens de moedas, letras, cédulas e cifrões. Vai demorar-se bastante na presente situação e, como vê, não podemos em sã consciência facilitar-lhe a retirada, porque iria castigar os herdeiros e zurzi-los diariamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Porque não pudesse dissimular o espanto que me tomara o coração, o servidor otimista acentuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não há motivo para tamanho assombro. Estamos diante de infelizes, aos quais não falecem proteção e esperança, porquanto outros existem tão acentuadamente furiosos e perversos que, do fundo escuro do sepulcro, se precipitam nos tenebrosos despenhadeiros das esferas subcrostais, tal o estado deplorável de suas consciências, atraídas para as trevas pesadas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sem fugir ao padrão de tranqüilidade do colaborador cônscio do serviço a realizar, acrescentou;</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Segundo concluímos, se há alegria para todos os gostos, há também sofrimento para todas as necessidades.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, Jerônimo chamou-me a postos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Agradeci ao amável informante, profundamente emocionado pelo que vira, e despedi-me incontinenti. Esvaziara-se de companheiros encarnados a necrópole e o próprio coveiro dirigia-se à saída.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Foi comovente o adeus entre Dimas e a genitora, que prometeu visitá-lo, sempre que possível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após agradecimentos mútuos e recíprocos votos de paz, sentimo-nos, enfim, em condições de partir por nossa vez.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Antes, porém, minha curiosidade inquiridora desejava entrar em ação. Como se sentiria Dimas, agora? Não seria interessante consultar-lhe as opiniões e os informes? Testemunho valioso poderia fornecer-me para qualquer eventualidade futura de esclarecer a outrem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em minha esfera pessoal de observação, não pudera colher pormenores, uma vez que a morte me surpreendera em absoluto alheamento das teses de vida eterna e, no derradeiro transe carnal, minha inconsciência fora completa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nosso dirigente percebeu-me o propósito e falou, bem humorado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pode perguntar a Dimas o que você deseja saber.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Manifestei-lhe reconhecimento, enquanto o recém-liberto aquiescia, bondoso, aos meus desejos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sente, ainda, os fenômenos da dor física? – comecei.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Guardo integral impressão do corpo que acabei de deixar – respondeu ele, delicadamente –. Noto, porém, que, ao desejar permanecer ao lado dos meus, e continuar onde sempre estive durante muitos anos, volto a experimentar os padecimentos que sofri; entretanto, ao conformar-me com os superiores desígnios, sinto-me logo mais leve e reconfortado. Apesar da reduzida fração de tempo em que me vejo desperto, já pude fazer semelhante observação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– E os cinco sentidos?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tenho-os em função perfeita.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sente fome?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Chego a notar o estômago vazio e ficaria satisfeito se recebesse algo de comer, mas esse desejo não é incômodo ou torturante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– E sede?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim, embora não sofra por isso. Ia continuar o curioso inquérito, mas Jerônimo, sorridente, desarmou-me a pesquisa, asseverando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Você pode intensificar o relatório das impressões, quanto deseje, interessado em colaborar na criação da técnica descritiva da morte, certo, porém, de que não se verificam duas desencarnações rigorosamente iguais. O plano impressivo depende da posição espiritual de cada um.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorrimos todos, ante meus impulsos juvenis de saber, e, amparando Dimas, carinhosamente, efetuamos, satisfeitos, a viagem de volta.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-58650091184661044812017-08-29T14:07:00.001-07:002017-09-03T07:13:58.516-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">16 - Exemplo Cristão </span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">De conformidade com o roteiro de serviço traçado pelo Assistente, Hipólito e Luciana ficariam na Casa Transitória, atendendo<br />as necessidades prementes de Dimas recém-liberto, enquanto nós ambos acompanharíamos Fábio, em processo desencarnacionista.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Fábio permanece em excelente forma – esclareceu-nos o orientador – e não exigirá cooperação complexa. Preparou, com<br />relação ao acontecimento, não somente a si mesmo, senão também os parentes, que, ao invés de nos preocuparem, como acontece comumente, serão úteis colaboradores de nossa tarefa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Falava Jerônimo com sólida razão porque, em verdade, mostrava-se Dimas em lastimável abatimento. Apesar da fé que lhe aquecia o espírito, as saudades do lar infundiam-lhe inexprimível angústia. Às vezes, finda a conversação serena em que se revelava calmo e seguro nas palavras, punha-se a gemer doridamente, chamando a esposa e os filhos, inquieto. Em tais momentos, tornava aos sintomas da moléstia que lhe vitimara o corpo denso e, com dificuldade, conseguíamos subtraí-lo à estranha psicose, fazendo- o regressar à posição normal. Tentava desvencilhar-se de nossa influência amiga, como se houvera enlouquecido repentinamente, no propósito de fugir sem rumo certo. Gritava, gesticulava, afligia-se, como sonâmbulo inconsciente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não pude dissimular a surpresa que me assaltou diante da ocorrência.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Se estivéssemos tratando com criatura alheia aos serviços da espiritualidade superior, compreensível seria o quadro que se desenrolava aos nossos olhos; mas Dimas fora instrumento dedicado do Espiritismo evangélico, consagrara a existência às benditas realizações da consoladora doutrina do túmulo vazio pela vida eterna. De antemão, sabia na esfera carnal que seria submeti do às lições da morte e que não lhe faltariam ricas possibilidades de continuar junto da parentela, já dele separada, aparentemente, segundo o simples ponto de vista material. Porque semelhantes distúrbios? não merecera ele excepcional atenção de nossos superiores hierárquicos?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vali-me de momento adequado e expus ao nosso dirigente as indagações que me absorviam o raciocínio. Sem qualquer nota admirativa, Jerônimo respondeu-me, bem humorado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Você deve saber, André, que cada qual de nós é, por si mesmo, todo um mundo. Esclarecimentos e consolações são dádivas de Deus, Nosso Pai, mas convicções e realizações constituem obra nossa. Cada servidor tem a escala própria de edificações, na tábua de valores imortais. A assembléia de aprendizes receberá a mesma bagagem de ensinamentos, de modo geral, organizada para todos os indivíduos que a integram. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Diferenciam-se, porém, os alunos, na série do aproveitamento particular, O mérito não é patrimônio comum, embora seja a glória do cume, a desafiar todos os caminheiros da vida para a suprema elevação. Dimas foi destacado discípulo do Evangelho, principalmente no setor de assistência e difusão, mas, quanto a si mesmo, não fez aproveitamento integral das lições recebidas. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Espalhou as sementes da luz e da verdade, dedicou-se largamente à causa do bem, merecendo, por isso mesmo, socorro especialíssimo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Contudo, no campo particular, não se preparou suficientemente. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Qual ocorre à maioria dos homens, prendeu-se demasiadamente às teias domésticas, sem maior entendimento. Conferiu excessivo carinho à roda familiar, sem noção de eqüidade, no caminho terrestre. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Certamente, sob o ponto de vista humano, consagrou-se o necessário à companheira e aos rebentos do lar; mas, se lhes prodigalizou muita ternura, não lhes proporcionou todo o esclarecimento de que dispunha, libertando- os da esfera pesada de incompreensão. E agora, muito naturalmente, sofre-lhes o assédio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A inquietude dos parentes atinge-o, através dos fios invisíveis da sintonia magnética.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorriu, benévolo e continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nosso irmão, inegavelmente, fez por merecer o auxilio de nosso plano, pois conseguiu enfileirar amigos prestigiosos que lhe dedicam valiosos serviços intercessórios, mas não se preparou, interiormente, considerando-se as necessidades do desapego construtivo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Gastará, desse modo, alguns dias para edificar a resistência.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O ensinamento significava muito para mim, que via tão dedicado servidor, cercado da mais honrosa consideração, por parte das autoridades de nosso plano, em porfiada luta consigo mesmo para restaurar seu próprio equilíbrio. E concluí, mais uma vez, que o amor pode improvisar infinitos recursos de assistência e carinho, acordando faculdades superiores do Espírito, mas que a lei Divina é sempre a mesma para todos. O obséquio é ofício sublime, no culto ativo da cooperação fraterna; todavia, cada homem, por si, elevar-se-á ao céu ou descerá aos infernos transitórios, em obediência às disposições mentais em que se prende.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atravessado curto período de proveitosas observações e marcada a libertação do novo amigo, Jerônimo e eu tornamos à Crosta, de modo a desobrigar-nos da incumbência.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Acercamo-nos do bairro pobre em que Fábio situara o ninho doméstico. A casinha singela encantava. Rodeada de folhagens e flores, via-se que todo o espaço merecera a ternura dos moradores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De longe, chegava o barulho da enorme cidade.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Espíritos vadios passavam de largo, em lamentável promiscuidade.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Nas adjacências erguiam-se alguns bangalôs novos, que lhes ofereciam livre acesso, fazendo-nos adivinhar a triste influenciação de que eram objeto. Naquela residência pequena e humilde, havia, no entanto, paz e silêncio, harmonia e bem-estar. À nossa apreciação, parecia delicioso oásis em meio de vasto deserto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entramos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Três amigos espirituais receberam-nos. Um deles, Aristeu Fraga, conhecido pessoal de Jerônimo, abraçou-nos, festivo, e anunciou que faziam visita ao enfermo, então nas últimas horas do corpo material. Agradeceu-nos o interesse pelo desencarnante e apresentou-nos o irmão Silveira, genitor de Fábio na Terra, que desejava colaborar conosco, em favor do filho querido. Estava satisfeito, informou. O filho arregimentara todas as medidas relacionadas com a próxima libertação, submetendo-se, dócil, aos desígnios superiores.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Tivera existência modesta; limitara o vôo das ambições mais nobres, no culto da espiritualidade redentora; esforçara-se suficientemente pela tranqüilidade familiar; fora acicatado por dificuldades sem conta, no transcurso da experiência que terminava; deixava a esposa e dois filhinhos amparados na fé viva e, embora não lhes legasse facilidades econômicas, afastava-se do corpo físico, jubiloso e confortado, com a glória de haver aproveitado todos os recursos que a esfera superior lhe havia concedido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Além de haver-se afeiçoado profundamente ao Evangelho do Cristo, vivendo-lhe os princípios renovadores, com todas as possibilidades ao seu alcance, Fábio conseguira iluminar a mente da companheira e construir bases sólidas no espírito dos filhinhos, orientando-os para o futuro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Elogiava-se de tal forma o companheiro, que, admitido à palestra, arrisquei uma pergunta:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Fábio desencarnará na ocasião prevista?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim – elucidou Jerônimo, com gentileza –, estamos de posse das instruções. Nosso amigo desencarnará no tempo devido. – É verdade – confirmou o pai emocionado –, ele aproveitou todos os recursos que se lhe conferiram, malgrado o corpo franzino e doente, desde a infância.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Traindo a condição de médico sempre interessado em estudar, considerei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É lamentável tenha renascido em semelhante organismo quem sabe servir com tanto valor à causa do bem...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O genitor sentiu-se na necessidade de esclarecer o assunto, porque prosseguiu, calmo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Este é, de fato, argumento humano dos mais ponderáveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quando na carne, freqüentes vezes surpreendi-me com a saúde frágil de Fábio, em criança. Desde cedo, notei-lhe a virtude inata, o pendor para a retidão e para a justiça, as disposições congênitas para os trabalhos da fé viva. Passei longas noites na justa preocupação de pai, em vista do porvir incerto. Como poderia nascer alma tão sensível e formosa, como a dele, em vaso tão imperfeito?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aos doze anos, foi atacado de pneumonia dupla, que quase o arrebatou de nosso convívio. Clínico amigo chamou-me a atenção para a debilidade do rapazinho. Éramos, no entanto, demasiadamente pobres para tentar tratamentos caros em estâncias de repouso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Antes dos catorze anos, terminado o curso das letras primárias, conduzi-o ao serviço pela exigência imperiosa do ganha-pão. Sabia, como pai, que Fábio desejava continuar estudando, para o aprimoramento das faculdades intelectuais, em face dos seus pendores para o desenho e para a literatura, porque, não poucas vezes, surpreendi-o namorando o educandário vizinho de nossa casa, ralado de inveja ao reparar os colegiais em bandos festivos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">As nossas condições de vida, no entanto, nos reclamavam esforço ingente; e meu filho, atirado à luta, desde muito cedo, não encontrou ensejo para as construções artísticas que idealizava. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Segregando- se na oficina de mecânica, em ambiente pesado demais para a sua constituição física, ele não o tolerou por muito tempo,<br />contraindo com facilidade a tuberculose pulmonar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mas chegou a saber a causa determinante da posição física de Fábio, ao regressar ao plano espiritual? – indaguei.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Isso representou um dos primeiros problemas que procurei elucidar. Passado algum tempo, fui devidamente esclarecido. Meu filho e eu fomos destacados fazendeiros na antiga nobreza rural fluminense. Nessa época, não muito recuada, Fábio, noutro nome e noutra forma, era igualmente meu filho. Eduquei-o com desvelado carinho e, por mais de uma vez, enviei-o à Europa, ansioso por elevar-lhe o padrão intelectual e cioso de nossa superioridade financeira. Ambos, porém, cometemos graves erros, mormente no trato direto com os descendentes de africanos escravos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Meu filho era sensível e generoso, mas excessivamente austero para com os servidores das tarefas mais duras. Congregava-os na senzala, com severidade rigorosa, e perdemos grande número de cooperadores em virtude do ar viciado pela construção deficiente que Fábio conservou inalterável, simplesmente para manter ponto de vista pessoal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os olhos do narrador brilharam mais intensamente.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Pareceu menos bem, ao contacto das recordações, e acentuou com melancolia:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O romance é longo e peço-lhes permissão para interrompê-lo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Senti remorsos por haver provocado a dificuldade, mas Jerônimo interveio em meu socorro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não pensemos mais nisso – exclamou o Assistente, bem humorado –, nunca me conformo com a exumação de cadáveres...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E enquanto a alegria tornava ao ambiente, meu orientador acrescentou: – Prestemos ao enfermo a assistência possível. Nesta noite, afastá-lo-emos definitivamente do corpo carnal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Levantamo-nos e penetramos o quarto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fábio, fundamente abatido, respirava a custo, acusando indefinível mal-estar. Junto dele, a esposa velava, atenta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Através da janela aberta, o doente reparou que a cidade acendia as luzes. Ergueu os tristes olhos para a companheira e observou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Interessante verificar como a aflição se agrava à noite...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É fenômeno passageiro, Fábio – afirmou a esposa, tentando sorrir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entre nós, todavia, iniciaram-se providências para socorro imediato, O pai do enfermo dirigiu-se a Jerônimo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sei que a libertação de Fábio exige grande esforço. Entretanto, desejava auxiliá-lo no derradeiro culto doméstico em que tomará parte fisicamente ao lado da família. Regra geral, as últimas conversações dos moribundos são gravadas com mais carinho pela memória dos que ficam. Em razão disso, ser-me-ia sumamente agradável ajudá-lo a endereçar algumas palavras de aviso e estímulo à companheira.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Com muita satisfação – aquiesceu o Assistente – colaboraremos também na execução desse propósito. É mais conveniente que a família esteja a sós.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Bem lembrado! – disse o genitor, agradecido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reparei que Jerônimo e Aristeu passaram a aplicar passes longitudinais no enfermo, observando que deixavam as substâncias nocivas à flor da epiderme, abstendo-se de maior esforço para alijá-las de vez.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Finda a operação, indaguei dos motivos que os levavam a semelhante medida. – Está muito enfraquecido, agonizando quase – informou o meu dirigente –, e fazemos o possível por beneficiá-lo, sem lhe aumentar o cansaço. As substâncias retidas nas paredes da pele serão absorvidas pela água magnetizada do banho, a ser usado em<br />breves minutos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Efetivamente, atendendo à influenciação dos amigos espirituais, que lhe davam intuições indiretamente, Fábio dirigiu-se à esposa, expressando o desejo de leve banho morno, no que foi atendido em reduzidos instantes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo e Aristeu ministraram à água pura certos agentes de absorção e ampararam a dedicada senhora, que, por sua vez, auxiliou o marido a banhar-se, como se estivesse satisfazendo o desejo de uma criança.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Notei, admirado, que a operação se fizera acompanhar de salutaríssimos efeitos, surpreendendo-me, mais uma vez, ante a capacidade absorvente da água comum. A matéria fluídica prejudicial fora integralmente retirada das glândulas sudoríparas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Terminado o banho, o enfermo voltou ao leito, em pijama, de fisionomia confortada e espírito bem disposto.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Algumas fricções de álcool, levadas a efeito, completaram-lhe a melhora fictícia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O relógio marcava alguns minutos além das dezenove horas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Silveira, que se havia ausentado, voltou depressa, falando particularmente a Jerônimo, a quem informou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tudo pronto. Conseguiremos a reunião exclusiva da família.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente mostrou satisfação e salientou a necessidade de acelerar o ritmo do trabalho. O bondoso pai desencarnado movimentou- se. A tecla mais sensível à nossa atuação foi quando Fábio se dirigiu à esposa, ponderando: – Creio não devermos adiar o serviço da prece. Sinto-me inexplicavelmente melhor e desejaria aproveitar a pausa do repouso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dona Mercedes, a abnegada senhora, trouxe ambas as crianças, que se sentaram na posição respeitosa de ouvintes. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">E enquanto a esposa se acomodava ao lado dos pequenos, o enfermo, auxiliado pelo pai, abriu o Novo Testamento, na primeira epístola de Paulo de Tarso aos Coríntios e leu o versículo quarenta e quatro do capítulo quinze:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual. Há corpo animal, e há corpo espiritual.”</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fez-se curto silêncio, que o doente interrompeu, iniciando a prece, comovido:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Rogo a Deus, nosso Eterno Pai, me inspire na noite de hoje para conversarmos intimamente e espero que a Divina Providência, por intermédio de seus abençoados mensageiros, me ajude a enunciar o que desejo, com a facilidade necessária. Enquanto possuímos plena saúde física, enquanto os dias e as noites correm serenos, supomos que o corpo seja propriedade nossa. Acreditamos que tudo gira na órbita de nossos impulsos, mas... ao chegar a enfermidade, verificamos que a saúde é tesouro que Deus nos empresta, confiante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorriu, calmo e conformado. Até ali, via-se bem que era Fábio o expositor exclusivo das palavras. Expressava-se em voz correntia, mas sem calor entusiástico, dada a sua situação de extrema fraqueza.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Findo intervalo mais longo, o genitor descansou a destra em sua fronte, mantendo-se na atitude de quem ora com profunda devoção. Reparei, surpreso, que luminosa corrente se estabelecera no organismo débil, desde a massa encefálica até o coração, inflamando as células nervosas, então semelhando a minúsculos pontos de luz condensada e radiante. Os olhos de Fábio, pouco a pouco, adquiriram mais brilho e a sua voz fez-se ouvir, de novo, com diferente inflexão. Dirigindo à esposa e aos filhinhos o olhar terno, agora otimista e percuciente, passou a dizer, inspirado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Estou satisfeito pela oportunidade de trocarmos idéias a sós, dentro da fé que nos identifica. É significativa a ausência dos velhos amigos que nos acompanham as orações familiares, desde muitos anos. Não é sem razão. Precisamos comentar nossas necessidades, cheios de bom ânimo, dentro da noção da próxima despedida. A palavra do apóstolo dos gentios é simbólica na situação presente. Assim como há corpos animais, há também corpos espirituais. E não ignoramos que meu corpo animal, em breve tempo, será restituído à terra acolhedora, mãe comum das formas perecíveis, em que nos movimentamos na face do mundo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Algo me diz ao coração que esta será talvez a última noite em que me reunirei com vocês, neste corpo... Nos momentos em que o sono<br />me abençoa, sinto-me nas vésperas da grande liberdade... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Vejo que amigos iluminados me preparam o coração e estou certo de que partirei na primeira oportunidade. Acredito que todas as providências já foram levadas a efeito, em beneficio de nossa tranqüilidade, nestes minutos de separação. Em verdade, não lhes deixo dinheiro, mas conforta-me a certeza de que construímos o lar espiritual de nossa união sublime, ponto indelével de referência à felicidade imorredoura...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fitou particularmente a esposa, tomado de maior emoção, e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Você, Mercedes, não tema os obstáculos da sombra. O trabalho digno ser-nos-á fonte bendita de realização. Creia que a saudade edificante estará sempre em meu espírito, seja onde for, saudade de sua convivência, de sua afetuosa dedicação. Isto, porém, não constituirá algema pesada, porque nós dois aprendemos<br />na escola da simplicidade e do equilíbrio que o amor legítimo e purificado não prescinde da compreensão santificante. Decerto,<br />necessitarei de muita paz, a fim de readaptar-me à vida diferente e, por isso, pretendo deixá-los com tranqüilidade suficiente para que todos nos ajustemos aos desígnios de Deus. Conheço-lhe a nobreza heróica de mulher afeiçoada ao trabalho, desde muito cedo, e entendo a pureza de seus ideais de esposa e mãe. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Entretanto, Mercedes, releve-me a franqueza neste instante expressivo da experiência atual; sei que minha ausência se fará seguir de problemas talvez angustiosos para o seu espírito sensível. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">A solidão torna-se aflitiva, para a mulher jovem, sem a vizinhança dos carinhosos laços de pais e irmãos consangüíneos, que já não possuímos neste mundo, quando não é possível conservar a mesma vibração de fé, através das diversas circunstâncias do caminho...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não posso exigir de você fidelidade absoluta aos elos materiais que nos unem, porque seria exercer cruel opressão a pretexto de amor. Além disso, nada quebrará nossa aliança espiritual, definitiva e eterna.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Observei que Fábio arquejava, fortemente emocionado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Transcorridos alguns segundos de breve pausa, continuou, irradiando seus olhos verdadeira afeição e sinceridade fiel:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Por isso, Mercedes, embora tenhamos providenciado sua posição futura no trabalho honesto, quero dizer a você que ficarei muito satisfeito se Jesus enviar-lhe um companheiro digno e leal irmão. Se isso acontecer, querida, não recuse. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Felizmente, para nós, cultivamos a ligação imperecível da alma, sem que o monstro do ciúme desvairado nos guarde o castelo afetivo... Não sabemos quantos anos lhe restam de peregrinação por este mundo. É provável que a Vontade Divina prolongue por mais tempo a sua permanência na Terra e, se me for possível, cooperarei para que não<br />fique sozinha. Nossos filhos, ainda frágeis, necessitam de amparo amigo na orientação da vida prática... Dona Mercedes, enxugando os olhos lacrimosos, esboçou gesto de quem ia protestar, todavia, adiantou-se-lhe o doente, acrescentando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já sei o que dirá. Nunca duvidei de sua virtude incorruptível, de seu desvelado amor. Nem estou a desinteressar-me da abnegada companheira de luta que o Senhor me confiou.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Reconheça, porém, que temos vivido em profunda comunhão espiritual e devemos encarar, com sinceridade e lógica, minha partida próxima.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Se você conseguir triunfar de todas as necessidades da vida humana, mantendo-se a cavaleiro das exigências naturais da existência terrestre, certamente Jesus compensará seu esforço com a láurea dos bem-aventurados. Todavia, não procure escalar o cume glorioso da plena vitória espiritual num só vôo. Nossos corações, Mercedes, são como as aves: alguns já conquistaram a prodigiosa força da águia; outros, contudo, guardam, ainda, a fragilidade do beija-flor. Sofreria, de fato, por minha vez, se a visse afrontando a montanha redentora, com falsa energia. Não tenha medo. Criaturas perversas não amedrontam almas prudentes. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Concedeu-nos o Senhor bastante luz espiritual para discernir. Você jamais poderá ser vítima de exploradores inconscientes, porque o Evangelho de Jesus está colocado diante de seus olhos para iluminar o caminho escolhido. Portanto, a observação e o juízo, o exercício espiritual e a inspiração de ordem superior permanecerão a serviço de suas decisões sentimentais. E creia que farei tudo, em espírito, por auxiliá-la nesse sentido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sorriu, com esforço, enquanto a esposa chorava, discreta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após longo interregno, frisou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Se eu puder, trarei estrelas do firmamento para enfeite de suas esperanças. Você estará sempre mais viva em meu coração; amarei também a todos aqueles que forem assinalados por sua estima enobrecedora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, após fitar demoradamente os filhinhos, aduziu: – A palavra apostólica no Evangelho conforta-nos e esclarece-nos, como se faz indispensável. Em breve tempo, reunir-me-ei aos nossos na Vida Maior. Perderei meu corpo animal, mas conquistarei a ressurreição no corpo espiritual, a fim de esperá-los,<br />alegremente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Verificava-se que o enfermo despendera muito esforço. Fatigara-se.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O genitor retirou a destra da fronte de Fábio, desaparecendo a corrente fluídico-luminosa que o ajudara a pronunciar aquela impressionante alocução de amor acrisolado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Demonstrando sublime serenidade nos olhos brilhantes, recostou- se nos volumosos travesseiros, algo abatido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dona Mercedes compôs a fisionomia, afastando os vestígios das lágrimas, e falou para o filhinho mais velho:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Você, Carlindo, fará a prece final.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fábio mostrou satisfação no semblante, enquanto o rapazinho se erguia, obediente à recomendação ouvida. Com naturalidade, recitou curta oração que aprendera dos lábios maternos:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Poderoso Pai dos Céus, abençoa-nos, concedendo-nos a força precisa para a execução de tua lei, trazida ao mundo com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo. Faze-nos melhores no dia de hoje para que possamos encontrar-te amanhã. Se permites, ó meu Deus, nós te pedimos a saúde do papai, de acordo com a tua soberana vontade. Assim seja!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Terminada a rogativa e quando os pequenos beijavam sua mamãe, antes do sono tranqüilo, o enfermo pediu à esposa, com humildade:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mercedes, se você concorda, sentir-me-ia feliz por beijar, hoje, os meninos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A senhora aquiesceu, comovida. – Traga-me um lenço novo – solicitou o esposo, enternecido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A dona da casa, em poucos instantes, apresentava-lhe alvo fragmento de linho. Emocionado, vi que o pai cristão aplicou o nevado pano à cabeleira das crianças e beijou o linho, ao invés de<br />oscular-lhes os cabelos. Contudo, havia tanta alma, tanto fervor afetivo naquele gesto, que reparei o jato de luz que lhe saia da boca, atingindo a mente dos pequeninos. O beijo saturava-se de magnetismo santificante. Jerônimo, comovido de maneira especial, dirigiu-me a mim, em voz sussurrante:<br /> </span><br />
<span style="font-size: x-large;">– Outros verão micróbios; nós vemos amor... </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, a pequena família recolheu-se. O enfermo sentia-se singularmente melhorado, bem disposto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em nosso grupo havia geral contentamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />As crianças dormiram sem demora e foram, por Aristeu, conduzidas, fora do corpo físico, a uma paisagem de alegria, de modo a se entreterem, descuidadas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A sós com o doente e a esposa, que tentavam conciliar o sono, encetamos o serviço de libertação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enquanto Silveira amparava o filho, com inexcedível carinho, Jerônimo aplicou ao enfermo passes anestesiantes. Fábio sentiu-se bafejado por deliciosas sensações de repouso. Em seguida, o Assistente deteve-se em complicada operação magnética sobre os órgãos vitais da respiração e observei a ruptura de importante vaso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O paciente tossiu e, num átimo, o sangue fluiu-lhe à boca aos borbotões.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dona Mercedes levantou-se, assustada, mas o esposo, falando dificilmente, tranqüilizou-a:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pode chamar o médico... Entretanto, Mercedes... não se preocupe... é justamente o fim... Enquanto prosseguia Jerônimo separando o organismo perispiritual do corpo débil, Dona Mercedes pediu o socorro de um vizinho, que saiu prestativo, em busca do clínico especializado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O médico não tardou, trazido celeremente por automóvel, mas embalde aplicaram a solução de adrenalina, a sangria no braço, os sinapismos nos pés e as ventosas secas no peito.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">O sangue em golfadas rubras, fluía sempre, sempre...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reparei que Jerônimo repetia o processo de libertação praticado em Dimas, mas com espantosa facilidade. Depois da ação desenvolvida sobre o plexo solar, o coração e o cérebro, desatado o nó vital, Fábio fora completamente afastado do corpo físico. Por fim, brilhava o cordão fluídico-prateado, com formosa luz. Amparado pelo genitor, o recém-liberto descansava, sonolento, sem<br />consciência exata da situação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Supus que o caso de Dimas se repetiria, ali, minudência por minudência; porém, uma hora depois da desencarnação, Jerônimo cortou o apêndice luminoso.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Está completamente livre – declarou meu orientador, satisfeito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O pai enternecido depositou sobre a fronte do filho desencarnado, em brando sono, um beijo repassado de amor e entregou-o a Jerônimo, asseverando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não desejo que ele me reconheça de pronto. Não seria aproveitável levá-lo agora a recordações do passado. Encontrálo-ei mais tarde, quando tenha de partir da instituição socorrista para as zonas mais altas. Pode conduzi-lo sem perda de tempo. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Incumbir- me-ei de velar pelo cadáver, inutilizando os derradeiros resíduos vitais contra o abuso de qualquer entidade inconsciente e<br />perversa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente agradeceu, emocionado, e partimos, conduzindo o sagrado depósito que nos fora confiado. Enquanto prosseguíamos, espaço acima, contemplei, respeitoso, o primeiro anúncio da aurora e, observando Fábio adormecido, tive a impressão de que gloriosos portos do Céu se iluminavam de sol para receber aquele homem, de sublime exemplo cristão, que subia vitorioso, da Terra...</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-1104821657526335482017-08-29T13:50:00.002-07:002017-09-03T07:02:41.940-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">17 - Rogativa Singular</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8YdVK-w-X93K5LA2WFhxZvTDyEoHw2k2WeL_IgpvoJC5qFngqRfHyEJ4_Lrard9Y4jhQnZpgi3C4y8TH-tIF3gC2TSwTZLe7oCP8aq7ha80sjbUB9MTQkAUPPKGxdvNYMWUFPb62WN3U/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Enquanto Dimas se restaurava paulatinamente, Fábio cobrava<br />forças de modo notavelmente rápido. Os longos e difíceis exercícios de espiritualidade superior, levados a efeito na Crosta, frutificavam, agora, em bênçãos de serenidade e compreensão. Ambos repousavam, na Casa Transitória, amparados pela simpatia geral da instituição que a irmã Zenóbia dirigia. Ao mesmo tempo, prosseguíamos em constante cuidado, junto aos demais amigos, principalmente ao pé de Cavalcante, cuja situação orgânica piorava sempre, nas vizinhanças do fim.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Dimas, com o exemplo de Fábio, criara novo ânimo. Reagia, com mais calor, perante as exigências da família terrena e consolidava a serenidade própria, com a precisa eficiência. O extuberculoso, iluminado e feliz, notava que outros horizontes se lhe abriam ao espírito sensível e bondoso. Podia levantar-se à vontade, transitar nas diversas secções em que se subdividiam os trabalhos do instituto e dava gosto vê-lo interessado nos estudos referentes aos planos elevados do Universo sem fim. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Experimentava tranqüilidade. Não era um gênio das alturas, não completara suas necessidades de sabedoria e amor; entretanto, era servo distinto, em posição invejável pelos débitos pagos e pela venturosa possibilidade de prosseguir a caminho de altos e gloriosos cumes do conhecimento. A irmã Zenóbia dava-se ao prazer de ouvi-lo, nos rápidos minutos de lazer, e, freqüentemente, manifestava a Jerônimo suas agradáveis impressões a respeito dele.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tanta alegria provocou o discípulo fiel, com a disciplina emotiva de que dava testemunho, que o nosso Assistente tomou a iniciativa de trazer-lhe a esposa, em visita ligeira. Lembro-me da comoção de Mercedes ao penetrar o pórtico do instituto, pelo braço amigo de nosso orientador. Estava atônita, deslumbrada, extática.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não possuía consciência perfeita da situação, mas demonstrava sublime agradecimento. Conduzida à câmara em que o companheiro a esperava, ajoelhou-se instintivamente. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Sensibilizamo-nos todos, ante o gesto de espontânea humildade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fábio, sorridente, disfarçando a forte emoção, dirigiu-lhe a palavra, exclamando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Levante-se, Mercedes! Comungamos agora na felicidade imortal!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A esposa, porém, inebriada de ventura, fechara-se em compreensível silêncio. O amigo adiantou-se, ergueu-a e abraçou-a com infinito carinho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não se amedronte com a viuvez, minha querida! – continuou – Estaremos sempre juntos. Lembra-se de nosso entendimento derradeiro?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mercedes entreabriu os lábios e fez sinal afirmativo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Dê-me notícias dos filhinhos! – pediu o consorte desencarnado, a sorrir – nada disse ainda... Porquê? fale, Mercedes, fale!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mostre-me sua alegria vitoriosa!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A esposa fixou nele, com mais atenção, os olhos meigos e brilhantes e disse, chorando de júbilo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Fábio, estou agradecendo a Jesus a graça que me concede... como sou feliz, tornando a vê-lo!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Lágrimas copiosas corriam-lhe das faces.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em seguida, após curto intervalo, informou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nossos pequenos vão bem. Lembramo-nos de você, incessantemente...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todas as noites, reunimo-nos em oração, implorando a Deus, nosso Pai, conceda a você alegria e paz na vida diferente que foi chamado a experimentar.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Outra pausa em que a nobre senhora tentou conter o pranto. – Quero avisá-lo – prosseguiu – de que já estou trabalhando.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O senhor Frederico, nosso velho amigo, deu-me serviço. Carlindo vela pelo irmão, enquanto me ausento, e creio que nada nos falta em sentido material. Temos apenas...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E a esposa dedicada interrompeu-se nas expressivas reticências, receosa talvez de ofendê-lo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Continue! – falou o companheiro sensibilizado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não se zangará – disse Mercedes, reanimando-se – se eu reclamar contra as saudades imensas? Em nossas refeições e preces, há um lugar vazio, que é o seu. Creia, porém, que faço o possível por não feri-lo. Coloquei mentalmente a presença de Jesus, o nosso Mestre invisível, onde você sempre esteve. Desse modo, sua ausência em casa está cheia da confiança fervorosa nesse Amigo Certo que você me ensinou a encontrar...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reparei que o esposo, não obstante a elevação que o caracterizava, desenvolveu visível esforço para não chorar. Fazendo-se otimista, observou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não apague a luz da esperança. Não me zango em sabê-los saudosos, pois também eu sinto falta de sua presença, de sua ternura, da carícia de nossos filhos, mas ficaria contrariado se soubesse que a tristeza absorveu nosso ninho alegre. Tenha coragem<br />e não desfaleça. Logo que for possível, retomarei meu lugar, em espírito. Estarei com você no ganha-pão, assisti-la-ei nos exercícios da prece e respirarei a atmosfera de seu carinho. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Para isso, por enquanto, preciso escorar-me em sua fortaleza de ânimo e não dispenso o seu amoroso auxílio. Sinto-me cercado de bons amigos que não nos esquecem e, quem sabe, estaremos, lado a lado, de novo, em porvir não remoto? Avisaram-me de que a Divina Bondade me concedeu ingresso em colônia de trabalho santificador, a fim de prosseguir em meus serviços de elevação. Poderei talvez<br />tecer diferente e mais belo ninho para aguardá-la. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ouço dizer, Mercedes, que o Sol é muito mais lindo nessa paisagem de encantadora luz e que, à noite, as árvores floridas assemelham-se a formosos lampadários, porque as flores maravilhosas retêm o luar Divino...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, determinada interrogação irrompeu-me no raciocínio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Se Fábio havia feito tantos amigos em nosso núcleo de serviço, desde outro tempo, a ponto de merecer-lhes especial consideração, como se mostrava adventício, a respeito do noticiário de nossa esfera? </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Sintetizando compridas indagações em pequenina pergunta ao Assistente Jerônimo, respondeu-me o orientador em duas sentenças curtas:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A morte não faz milagres. Retomar a lembrança é também serviço gradual, como qualquer outro que envolva atividades Divinas da Natureza.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Calei-me, atento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fitando a visitante, enternecido, o marido recém-liberto considerava:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Acredita que não vale a pena sofrer, de algum modo, para conseguir tão sagrado patrimônio? Nossos filhos crescerão depressa, as lutas serão breves, as situações carnais transitórias. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Não desanime, portanto. A Providência jamais se empobrece e nos enriquecerá de bênçãos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mostrou a esposa formosa expressão de conforto no semblante feliz e, mobilizando as mais íntimas energias da alma humilde, manteve-se, por alguns instantes, de mãos postas, como a agradecer a Deus o imenso júbilo daquela hora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo fez significativo sinal, avisando em silêncio que findara o tempo da visita.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A irmã Zenóbia, que acompanhou a cena, comovida, junto de nós, tomou de uma flor semelhante a uma grande camélia dourada e deu-a a Fábio, para que presenteasse a companheira.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Mercedes recebeu a dádiva, conchegando-a ao coração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nosso dirigente aproximou-se de mim e notificou-me:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– André, acompanhe-nos à Crosta. Nossa amiga perdeu grande porção de forças com a emoção e ser-nos-á útil sua cooperação na volta.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Despediu-se a viúva e, em breve, era por nós reconduzida ao lar. E, ainda agora, ao relatar a experiência, recordo-me da estranha sensação de felicidade que Mercedes sentiu, ao despertar no leito com a perfeita impressão de guardar a delicada flor entre os<br />dedos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tudo, pois, corria bem no círculo dos trabalhos que nos foram cometidos, quando nosso mentor foi chamado por autoridade superior de nossa colônia.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Esperei impaciente o regresso dele, porque Jerônimo, em obediência às determinações recebidas, deveria partir, imediatamente, para entendimento inadiável.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recomendou-nos aguardá-lo, em serviço na Casa Transitória, acentuando que seria breve.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />De fato, não se demorou mais de um dia. E, ao regressar, cientificou- nos da novidade. A irmã Albina fora autorizada a permanecer na Crosta Planetária por mais tempo, razão por que a<br />desencarnação fora adiada “sine die”. Certa rogativa influíra decisivamente no assunto. Entrara em jogo imperiosa exigência que nossa colônia examinara com a devida consideração. Em vista disso, renovara-se o programa da missão que trazíamos. Ao invés de auxílio para a liberação, a velha educadora receberia forças para se demorar na Crosta. Devíamos procurar-lhe a residência, sem perda de oportunidade, propiciando-lhe ao organismo os possíveis recursos magnéticos ao nosso alcance.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quis perguntar alguma coisa, inteirar-me das particularidades.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Todavia, Jerônimo costumava dizer com proveito tudo o que necessitávamos saber e não me cabia constrangê-lo a qualquer informação antecipada.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Porque se modificara decisão de tamanho relevo?</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Quem possuía, afinal, tanto poder na oração, para ter influência nas diretivas de nossa colônia espiritual? Seria justo o adiamento? Por que motivo determinada súplica impunha a renovação do roteiro a seguir?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente percebeu as indagações que se me entrechocavam no cérebro e adiantou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não se torture, André. Saberá tudo no momento oportuno.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, traçando sintética programação de serviço, acrescentou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vamo-nos. Hipólito e Luciana velarão pelos convalescentes.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em caminho, porém, não resisti. Pedi permissão para ouvi-lo, de maneira sumária, quanto à nova deliberação, e Jerônimo aquiesceu, esclarecendo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A medida não deve provocar admiração. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ninguém, senão Deus, detém poderes absolutos. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Todos nós, no desenvolvimento das tarefas conferidas às nossas responsabilidades, experimentaremos limitações nos atributos ou no acréscimo de deveres, segundo os desígnios superiores, O futuro pode ser calculado em linhas gerais, mas não podemos prejulgar quanto ao setor da interferência Divina, O Pai efetua a organização universal com independência ilimitada no campo da sabedoria infalível. Nós cooperamos com relativa liberdade na obra do mundo, sujeitos a necessária e esclarecedora interdependência, em virtude da imperfeição da nossa individualidade. Deus sabe, enquanto nós nem sequer imaginamos saber.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, com expressivo gesto de bom humor, prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não existe, portanto, novidade propriamente dita.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Aliás, é justo considerar que a desencarnação de Albina não é suscetível de ser adiada por muito tempo – O organismo que a serve está gasto e a nova resolução destina-se apenas a remediar difícil situação, de modo a trazer benefícios para muita gente. A prece, em qualquer ocasião, melhora, corrige, eleva e santifica. Mas somente quando estabelece modificação de roteiro, igual à de hoje, é que paira, acima das circunstâncias comuns, o interesse coletivo. Ainda assim, a medida prevalecerá por reduzido tempo, isto é, apenas enquanto perdurar a causa que a motiva.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recordei uma experiência anterior<span style="font-size: small;">2</span>, em que observara certo irmão recebendo alguns dias de acréscimo à existência no corpo, para poder solucionar problemas particulares, e compreendi a alteração havida. De qualquer modo, porém, minha surpresa não era desarrazoada, porque constituíamos comissão de trabalho definido, com atividades traçadas por superiores hierárquicos. No caso a que me reportava, vira amigos de nossa esfera intercedendo junto de outros amigos, em benefício de terceiro. Todavia, na questão em exame, tratava-se de pedido da Crosta, atuando diretamente em nosso núcleo distante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Conservando, pois, minha curiosidade insatisfeita, acompanhei o Assistente até ao apartamento confortável em que residia a interessada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os prognósticos acerca do estado físico da enferma eram desanimadores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Seu espírito, no entanto, mantinha-se calmo e confiante, a despeito da profunda perturbação orgânica.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não só o coração e as artérias apresentavam sintomas graves: também o fígado, os rins, o aparelho gastrintestinal.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A dispnéia castigava-a, intensamente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Chegáramos no instante em que gracioso grupo de jovens, catorze ao todo, fazia em derredor da enferma o culto doméstico do Evangelho. Enquanto oravam, antes dos comentários construtivos, de alma voltada para a sublime fonte da fé viva, atiramo-nos ao trabalho, seguidos, de perto, por outros amigos de nosso plano, ligados à missão da nobre educadora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O ambiente equilibrado pela prece e pelos pensamentos de elevação moral contribuíam eficazmente na execução de nossos propósitos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A zona perigosa do corpo abatido era justamente a que situava o aneurisma, provável portador da libertação. O tumor provocara a degenerescência do músculo cardíaco e ameaçava ruptura imediata.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Jerônimo, entretanto, revelou-se, mais uma vez, o médico experimentado e competente de nosso plano de ação. Começou aplicando passes de restauração ao sistema de condução do estímulo, demorando-se, atencioso, sobre os nervos do tônus. Em seguida, forneceu certa quantidade de forças ao pericárdio, bem como às estrias tendinosas, assegurando a resistência do órgão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, meu orientador magnetizou, longamente, a zona em que se localizava o tumor bastante desenvolvido, isolando certos complexos celulares, e esclareceu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Poderemos confiar em grande melhora, que persistirá por alguns meses.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Com efeito, finda a complexa operação magnética, observei que o coração doente funcionava com diferente equilíbrio. As válvulas cardíacas passaram a denotar regularidade. Cessou a aflição, o que foi atribuído, e de fato, com razões poderosas, ao efeito da prece.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Albina sentiu-se reconfortada, mais calma. Fitou, comovida, as discípulas que se achavam presentes em afetuosa homenagem a ela, e considerou, satisfeita:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Como me sinto melhor! Motivos fortes possuía o apóstolo Tiago, recomendando a prece aos enfermos! As alunas e as filhas riram-se de contentamento e ergueram, em seguida, formosa oração gratulatória, emocionando-nos o coração.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Contrariando a expectativa geral, a enferma aceitou o oferecimento de um caldo confortante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em face da alegria que a todos empolgava, perguntei de súbito ao Assistente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Teria sido a súplica das discípulas o móvel da alteração?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quem sabe? Talvez lhes fizesse falta a venerável professora...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não, não é bem isto – elucidou o mentor –; a intercessão das meninas trouxe-lhe a cota natural de benefícios comuns; no entanto, acresce notar que Albina já cumpriu tarefa junto delas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Deu-lhes o que pôde, devotou-se quanto devia. Em virtude da abnegação da enferma, as aprendizes trazem o cérebro cheio de boas sementes... </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Compete agora às interessadas organizar condições favoráveis ao desenvolvimento intensivo dos tesouros espirituais de que são portadoras.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Curioso, arrisquei:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Estaríamos, porventura, ante o resultado de requisição sentimental das filhas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo fitou ambas as senhoras que assistiam a doente com desvelada ternura, abanou a cabeça com gesto negativo e retrucou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Também não. Não se trata de resposta a semelhante rogativa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No desempenho dos sagrados deveres de mãe, Albina fez tudo pelo bem-estar das filhas. Desvelou-se, quanto lhe era possível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Por elas perdeu compridas noites de vigília e encheu laboriosos dias de preocupação absorvente e redentora. Educou-as carinhosamente, encaminhou-as na estrada da santificação e, sobretudo, ao prepará-las para a vida, entregou-as ao Pai Eterno, sem egoísmo destruidor. O trabalho materno foi completamente satisfeito. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Doravante, cumpre às filhas seguir-lhe o exemplo, imitando-lhe a conduta cristã. Os bons pensamentos de Loide e Eunice envolvem-na toda em repousante atmosfera de amor. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Entretanto, não seriam os rogos filiais, em circunstâncias como esta, que modificariam o roteiro das autoridades superiores no cumprimento das leis divinas. As súplicas de ambas partem de esferas de serviço<br />perfeitamente atendidas pela missionária em processo de liberação e de modo algum as filhas poderiam retê-la.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, sentindo-se a enferma confortada pela inopinada melhora, dirigiu-se à filha mais velha, indagando:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Loide, acredita você na possibilidade de trazerem o Joãozinho até aqui?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A interrogação enternecida, seguiu-se plena aprovação da filha e o telefone tilintou chamando alguém.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ao passo que a senhora se entendia com o esposo, a distância, meu orientador anunciou, bem humorado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Em breves momentos, receberá você a chave do problema.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Continuamos socorrendo a organização fisiológica da enferma, observando a alegria sincera das discípulas, que se retiravam, contentes. Mãe e filhas voltaram a permanecer a sós conosco, junto de outros amigos espirituais que se dedicavam, no compartimento, à tarefa de auxílio, inclusive a simpática irmã que nos acolhera na visita inicial, falando-nos, aliás, da probabilidade de prorrogação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Processavam-se com extremado carinho os serviços de assistência, quando cavalheiro bem-posto deu entrada, conduzindo um menino miúdo, de oito anos presumíveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Varando a porta do quarto, o pequeno mostrou-se cônscio do lugar em que se achava, cumprimentou as senhoras, respeitoso, e voltou-se, de olhos ansiosos, para a enferma, beijando-lhe a destra com indescritível ternura. Albina rogou a Deus o abençoasse e o menino perguntou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Vovó, como vai?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Designando-o, o Assistente esclareceu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A súplica dessa criança alcançou-nos a colônia espiritual e modificou-nos o roteiro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Quê?... – interroguei, sumamente surpreendido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo, todavia, continuou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não é neto consangüíneo da doente, embora se considere tal. É órfão que lhe abandonaram à porta, após o nascimento, e que Loide mantém no lar, desde que nossa irmã se recolheu à cama.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não obstante a prova, Joãozinho é grande e abnegado servo de Jesus, reencarnado em missão do Evangelho. Tem largos créditos na retaguarda. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ligado à família de Albina, há alguns séculos, torna ao seio de criaturas muito amadas, a caminho do serviço apostólico do porvir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ia formular perguntas novas, mas meu orientador, indicando a enferma que se abraçara à criança, aconselhou-me, solícito:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Observe por si mesmo...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O diálogo entre ela e o pequenino adquirira encantadora suavidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tenho passado mal, meu filho – exclamava a respeitável senhora em desabafo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! vovó! – tornou o rapazinho, olhos radiantes de fé – tenho rezado sempre para que a senhora fique boa, depressa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tem fé?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Confio em Jesus. Na última vez em que estive na igreja, pedi a todos me ajudarem a rogar ao Céu pela sua saúde.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– E se Deus me chamar?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Os olhos se lhe umedeceram, mas acentuou em voz firme: – </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Precisamos da senhora neste mundo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Albina abraçou-o e beijou-o com meiguice maternal e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– João, tenho sentido muita saudade de seus hinos na escola.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tem louvado o Senhor, pontualmente?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tenho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Cante para mim, meu filho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O pequeno sorriu, jubiloso, por haver encontrado motivo de alegrar a doente querida e indagou, com naturalidade:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Qual?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A enferma pensou, pensou, e disse:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Jesus, sendo meu”.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O menino modificou a expressão fisionômica, entristeceu-se instantaneamente, mas, colocando-se junto ao leito e na postura do crente submisso, ergueu os olhos ao alto e começou a cantar antigo e delicado hino das igrejas evangélicas:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />“Jesus, sendo meu, Sou muito feliz, Eu vou para o Céu, Meu lindo país....“</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Expressava-se em voz tão dorida que o hino parecia amarguroso lamento. Finda a primeira quadra, esforçou-se para continuar, mas não conseguiu. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Profunda emoção sufocou-lhe a garganta, as lágrimas saltaram-lhe, espontâneas; tentou debalde fixar Loide para ganhar coragem e, reparando que sua comoção contagiara a família, precipitou-se nos braços da doente e gritou, com força:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não, vovó, não! A senhora não pode ir agora para o Céu!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />não pode! Deus não deixará!... Albina recolheu-o, carinhosa, feliz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que é isto, João? – perguntou, buscando sorrir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Observei a mim mesmo e só então reconheci que eu também chorava...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo, porém, mantinha-se firme e, rindo-se, bondoso, reafirmou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O menino tem razão. Albina não irá mesmo desta vez...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atendendo-me à curiosidade, entrou em explicações finais, advertindo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que nota você de particular em Loide?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Recorrendo a observações que já levara a efeito, respondi sem hesitar:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Reparo que aguarda alguém; uma filhinha que já entrevimos...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desde o primeiro encontro, verifiquei que está em período ativo de maternidade, em vésperas da delivrança.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Isto mesmo – confirmou o mentor amigo –, a prece de João é importante porque se reveste de profunda significação para o futuro. A menina, em processo reencarnacionista, é-lhe abençoada companheira de muitos séculos.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ambos possuem admirável passado de serviço à Crosta Planetária e escolheram nova tarefa com plena consciência do dever a cumprir. Foram associados de Albina em várias missões e, muito cedo, ser-lhe-ão continuadores na obra de educação evangélica. Não são Espíritos purificados, redimidos, mas trabalhadores valiosos, com suficiente crédito moral para a obtenção de oportunidades mais altas.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Apesar da condição infantil, o servo reencarnado, pelas ricas percepções que o caracterizam fora da esfera física, recebeu conhecimento da morte próxima de nossa venerável irmã. Compreendeu, de antemão, que o fato repercutiria angustiosamente no organismo de Loide, compelindo- a talvez a claudicar no trabalho gestatório, em andamento. A carga de dor moral conduzi-la-ia efetivamente ao aborto, imprimindo profundas transformações no rumo do serviço de que João é feliz portador. Socorreu-se, então, de todos os valores intercessórios, nos instantes em que sua alma lúcida pode operar na ausência da instrumentalidade grosseira, que triunfou com as súplicas insistentes, obtendo reduzida dilatação de prazo para a desencarnação de Albina.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sempre comedido nas informações, Jerônimo calou-se, preparando a retirada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A singular ocorrência enchia-me de encantamento e surpresa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E contemplando, sob forte enlevo, a pequena família em santificado júbilo doméstico, eu chegava à conclusão de que, ainda ali, numa câmara de moléstia grave, a oração, filha do trabalho com amor, vencia o vigoroso poder da morte.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: small;">2 Vide cap. 7º de “Missionários da Luz” — Nota do Autor espiritual. </span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-14771680523916951752017-08-29T13:35:00.002-07:002017-09-03T06:05:18.562-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">18 - Desprendimento Difícil</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZRNHzX5PNZSnrzHv1BxuhlVvCMxYArW25olsFa3C-78wgiyUCAe_KTs9OzQeA73WSIgPRGd2jUtRlewnMB_-nWfZhcDYpzObKkH-hc9RFTGda7-I53S3wBEDlVZqZepQz6Qtkb5dma04/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZRNHzX5PNZSnrzHv1BxuhlVvCMxYArW25olsFa3C-78wgiyUCAe_KTs9OzQeA73WSIgPRGd2jUtRlewnMB_-nWfZhcDYpzObKkH-hc9RFTGda7-I53S3wBEDlVZqZepQz6Qtkb5dma04/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<br />
<span style="font-size: x-large;">Agora, tínhamos sob os olhos o caso Cavalcante em processo final.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O pobre amigo permanecia agarrado ao corpo pela vigorosa vontade de prosseguir jungido à carne. A intervenção no apêndice inflamado, ao mesmo tempo que se buscava remediar a situação do duodeno, fizera-se tardia. Estendera-se a supuração ao peritônio e debalde se combatia a rápida e espantosa infecção.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O enfermo perdia forças e, porque não conseguia alimentar-se como devia, não encontrava recursos para compensar as perdas vultosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O intestino inspirava repugnância e compaixão. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Qual estranho vaso destinado a fermentação, continha o ceco trilhões de bacilos de variadas espécies. Profundo desequilíbrio afetava as funções dos vasos sanguíneos e linfáticos no intestino delgado. O cólon transverso e o descendente semelhavam-se a pequenos túneis, repletos das mais diversas coletividades microbianas. As vilosidades permaneciam cheias de sangue purulento e, de quando em quando, abriam-se veias mais frágeis, provocando abundante hemorragia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em todo o aparelho intestinal, verificava-se o gradual desaparecimento do tônus das fibras. O pâncreas não mais tolerava qualquer trabalho, na desintegração dos alimentos, e o estômago deixava perceber avançada incapacidade. As glândulas gástricas jaziam quase inertes. Distúrbios destrutivos campeavam no fígado, onde animálculos vorazes se valiam da progressiva ausência de controle psíquico, manifestando-se ao léu, como microscópicos salteadores em sanha festiva.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O doente, por fim, já não suportava nenhuma alimentação. O estômago expulsava até a própria água simples, deixando-o exausto, em vista do tremendo esforço despendido nos reiterados acessos de vômito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O sistema nervoso central e o abdominal, bem como os sistemas autônomos, acusavam desarmonia crescente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reconhecia, entretanto, ali, naquele agonizante que teimava em viver de qualquer modo no corpo físico, o gigantesco poder da mente, que, em admirável decreto da vontade, estabelecia todo o domínio possível nos órgãos e centros vitais em decadência franca.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Decorridos mais de quatro dias, em que atentávamos para o moribundo, cuidadosamente, Jerônimo deliberou fossem desatados os laços que o retinham à esfera grosseira.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Bonifácio, prestimoso e gentil, coadjuvava-nos o trabalho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Informando-se de nossa resolução, de modo vago, através dos canais intuitivos, o doente, pela manhãzinha, chamou o capelão, a fim de ouvi-lo, e, após breve confissão, que o sacerdote reduziu ao mínimo de tempo, em virtude das emanações desagradáveis que se desprendiam da organização fisiológica em declínio, o pobre Cavalcante, mal suspeitando a paz que o aguardaria na morte, procurou reter o eclesiástico, em contristadora conversação:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Padre – dizia ele, em voz súplice –, sei que morro, sei que estou no fim...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Entregue-se a Deus, meu amigo. Só Ele pode saber em definitivo o que surgirá. Quem sabe se ainda tem longos anos à sua frente? Tudo pode acontecer..</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O capelão falava apressado, abreviando a palestra e tentando dissimular suas penosas impressões olfativas, mas o moribundo continuou, ingênuo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tenho medo, muito medo de morrer... – Bem – obtemperou o religioso, não ocultando um gesto de enfado que passou despercebido aos olhos do crente –, precisamos preparar o espírito para o que der e vier.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ouça, padre!... acredita que me salvarei?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sem dúvida. Você foi sempre bom católico...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Mas... escute! – e a voz do enfermo fez-se triste, mais chorosa e sufocada – eu desejaria morrer noutras condições. Segundo lhe confessei, fui abandonado pela mulher, há muitos anos... Sabe que ela me trocou por outro homem e fugiu para nunca mais...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sempre admiti que experimentei semelhante prova por incapacidade de compreensão da parte dela, mas, agora, padre... encarando a morte, frente a frente, reflito melhor... Quem sabe se não fui o culpado direto? Talvez tivesse levado longe demais meu propósito de viver para a religião, faltando-lhe com a assistência necessária...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Lembro-me de que, às vezes, chamava-me “padre sem batina”. Possivelmente minha atitude impensada teria dado origem ao desvio da minha companheira...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Após fitar o clérigo demoradamente, implorou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Poderá sua caridade continuar indagando por mim? Necessito vê-la, a fim de apaziguar a consciência... Há onze anos, perdia de vista...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O sacerdote, no entanto, não parecia intimamente interessado em satisfazê-lo e repetia com impaciência:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Descanse, descanse... Prosseguirei nas diligências.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;"> Tenha coragem, Cavalcante! É provável que tudo venha ao encontro de nossos desejos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O moribundo, voz entrecortada pelo cansaço. murmurou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Obrigado, padre, obrigado!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O religioso intentou sair, mas Cavalcante, amedrontado, perguntou, ainda: – Acha que me demorarei muito tempo no purgatório?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Que idéia! – resmungou o interlocutor, entediado – Falta-lhe suficiente confiança no poder de Deus?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enunciou as últimas palavras com tamanha irritação que o enfermo lhe percebeu o descontentamento, sorriu humilde e calou-se.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O sacerdote, ao se afastar, aliviado, encontrou certo médico e indagou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Afinal, que acontece ao Cavalcante? Morre ou não morre?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estou cansado de tantos casos compridos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Tem sido gigante na reação – informou o clínico, bem humorado –. Considerando-lhe, porém, os males sem cura, venho examinando a possibilidade da eutanásia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Parece-me caridade – redargüiu o religioso –, porque o infeliz apodrece em vida...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O esculápio abafou o riso franco e despediram-se.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A cena chocava-me pelo desrespeito. Ambos os profissionais, o da Religião e o da Ciência, notavam situações meramente superficiais, incapazes de penetração nos sagrados mistérios da alma.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entretanto, para compensar tão descaridosa incompreensão, Cavalcante era objeto de nosso melhor carinho. Por mim, não saberia ministrar-lhe benefícios, dada a insipiência de minha singela colaboração, mas Jerônimo e Bonifácio cercavam-no de singular cuidado, amparando-o como se fora bem-amada criança.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quando o eclesiástico pisava mais longe, o meu Assistente considerou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– O pobre sacerdote ainda não possui “olhos de ver”. Cavalcante foi, antes de tudo, perseverante trabalhador do bem.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enquanto isso, o enfermo buscava enxugar as lágrimas copiosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A atitude do capelão advertira-o do deplorável estado de seu corpo físico. Passou a sentir o cheiro desagradável das próprias vísceras, agravando-se-lhe o mal-estar. Sob incoercível angústia, pediu o comparecimento de determinada religiosa, dentre as diversas que atendiam a casa. Experimentava funda sede de consolo, necessitava coragem que lhe viesse do exterior. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Provavelmente encontraria no coração feminino o reconforto que o confessor não lhe soubera prodigalizar. Porém, a “irmã de caridade” não trazia consigo melhor humor. Fez questão de escutá-lo, alçando desinfetante enérgico ao nariz, a infundir-lhe surpresa ainda mais dolorosa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cavalcante chorou, queixou-se. Precisava viver mais alguns dias, declarou, humilhado. Não desejava partir sem a reconciliação conjugal. Rogava providências médicas mais eficientes e prometia pagar todas as despesas, logo pudesse tomar ao serviço comum. Pretendia recorrer a parentes endinheirados que residiam a distância. Resgataria o débito até o derradeiro centavo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A “irmã de caridade”, depois de ouvi-lo, com impassível frieza, foi mais sucinta:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Meu amigo – disse, áspera –, tenha fé. A casa está repleta de enfermos, alguns em piores condições.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Como o doente insistisse nas solicitações, concluiu ríspida e secamente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não tenho tempo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O agonizante deu curso ao pranto silencioso. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Recordou, de alma oprimida por angustiosa saudade, a infância e a juventude.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Percorrera as estradas terrenas, de coração aberto à prática do bem. Não compreendia Jesus encerrado nos templos de pedra, a distância dos famintos e sofredores que choravam por fora. A doutrina que abraçara não lhe oferecia ensejo de mais vasta aplicação ao exemplo evangélico. Era compelido a satisfazer obrigações convencionais e a perder grande tempo através de manifestações do culto externo; entretanto, valera-se de toda oportunidade para testemunhar entendimento cristão. Porque amara o exercício do bem, constante e fiel, era aborrecido aos sacerdotes e familiares em geral. A parentela, inclusive a esposa, considerava-o fanático, desequilibrado, imprestável. Perseverava mesmo assim. Embora as condições elevadas em que desenvolvera a fé, ignorava as lições do Além-Túmulo e receava a morte. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Estimaria obter a certeza do destino a seguir. A visão mental do inferno, segundo as concepções católicas, punha-lhe arrepios no espírito exausto. A probabilidade dos sofrimentos purgatoriais enchia-o de temor.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Desejava algo de melhor, de mais belo que o velho mundo em que vivera até então... Suspirava por ingressar em coletividade diferente, em que pudesse encontrar corações a pulsarem sintonizados com o dele; sentia fome e sede de compreensão, de profunda compreensão, mas, prejudicado pelos princípios dogmáticos da escola religiosa a que se filiara, repelia-nos a ação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O Assistente, pondo em prática recursos magnéticos, tentou propiciar-lhe sono brando, de maneira a subtrair-lhe os temores em socorro direto, fora do corpo físico. Contudo, o moribundo lutou por manter-se vigilante. Temia dormir e não despertar, pensava, ansioso. Queria ver a esposa, antes do fim, dizia de si para consigo. Não era, efetivamente, provável? Não seria justo morrer tranqüilo? Oh! se ela surgisse! – acariciava a possibilidade – penitenciar- se-ia dos erros passados, pedir-lhe-ia perdão. Tamanha<br />humildade assomava-lhe ao ser, naquela hora de grande abatimento, que não se magoaria em receber-lhe a visita junto do “outro”.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Porque odiar? Porventura, não lhe ensinava a lição de Jesus que a fraternidade constitui sempre a bênção do Altíssimo? Quem seria mais culpado? ele, que mantinha dobrada indiferença para com as exigências afetivas da companheira, pelo arraigado devotamento à fé, ou aquele homem, despreocupado de qualquer responsabilidade, que a recolhera, talvez em desesperação? Se pugnara sempre pela prática da caridade, por que motivo ele, Cavalcante, faltara com a necessária demonstração, portas a dentro do próprio lar?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em verdade, as sugestões sublimes da fé religiosa inflamaram-lhe o espírito de amor universal. Não tolerava a sufocação do idealismo ardente. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Ninguém poderia reprová-lo. Mas, se era esse o caminho escolhido, que razões o levaram a desposar pobre criatura, incapaz de apreender-lhe a fome de luz? Porque fizera firmes promessas a um coração feminino, ciente de que ele não poderia atendê-las? A dor desenha a tela da lógica no fundo da consciência, com muito mais nitidez que todos os compêndios do mundo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A morte próxima enchia aquela alma formosa de sublimes reflexões.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entretanto, o medo alojara-se dentro dela como sicário invisível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cavalcante, que via tão bem na paisagem dos sentimentos humanos, permanecia cego para o “outro lado da vida”, de onde tentávamos auxiliá-lo, em vão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo poderia aplicar-lhe recursos extremos, mas abstevese.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Inquirido por mim acerca de seus infindos cuidados, explicou, muito calmo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ninguém corte, onde possa desatar...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A resposta calou-me fundo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Debalde, porém, procurou-se prodigalizar ao doente a trégua do sono preparatório e reconfortador. Cavalcante reagia, insistente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sentindo-nos a aproximação e interferência, de leve, fazia apressados movimentos labiais, recitando orações em que implorava a graça de ver a companheira, antes de morrer.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Desventurado irmão! – comentou Bonifácio, comovido – Não sabe que a consorte desencarnou há mais de ano, num catre, vítima de uma infecção luética.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo não se moveu, mas lutei contra mim para não disparar interrogações, a torto e a direito, em busca de pormenores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Coibi-me, felizmente. A hora não comportava perguntas inúteis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Meu Assistente, como se houvera recebido a mais natural das informações, dirigiu a palavra ao companheiro, recomendando: – Bonifácio, nosso amigo não pode suportar por mais tempo a<br />existência do corpo carnal. A máquina rendeu-se. Dentro de algumas horas, a necrose ganhará terreno e precisamos libertá-lo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Teima em agarrar-se à carne apodrecida e pede, comovedoramente, a presença da esposa. Já tentamos auxiliá-lo a desprender-se, afrouxando os laços da encarnação no plexo solar, mas ele reage com espantoso poder. Resolvi, em vista disso, abrir pequenos vasos do intestino para que a hemorragia se faça ininterrupta, até à noite, quando efetuaremos a liberação. Peço a você trazer-lhe a companheira desencarnada, por instante, até aqui. O enfraquecimento físico acentuar-se-á vertiginosamente, de ora em diante, e, com espaço de algumas horas, as percepções espirituais de Cavalcante se farão sentir. Verá, desse modo, a esposa, antes do decesso que se aproxima e dormirá menos inquieto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Bonifácio pôs-se pronto para cumprir a ordem e assegurou integral cooperação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, o Assistente operou, cauteloso, sobre a região intestinal, rompendo certas veias de menor importância, atenuando-lhe a capacidade de resistência.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ausentar-nos-íamos, por breves horas, considerando que o relógio assinalava poucos minutos além do meio-dia. Antes, porém, de nos afastarmos, observando o quadro emocionante da enfermaria gratuita, a que o moribundo se recolhera, perguntei a Jerônimo, admirado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Já que o nosso tutelado se enfraquecerá, a ponto de fazer observações no plano invisível aos olhos mortais, chegará a ver também as paisagens de vampirismo que me impressionam no recinto?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Sim – informou o orientador com espontaneidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! mas terá energia suficiente para tudo ver sem perturbar-se? – Não posso garantir – respondeu, sorrindo –. Naturalmente, qualquer Espírito encarnado, diante de um quadro desses, poderia ser vítima da loucura e, possivelmente, atravessaria algumas poucas horas em franco desequilíbrio, dada a novidade do espetáculo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quando a luz aparece, em determinado plano, onde a criatura esteja “apta para ver”, tanto se enxerga o pântano como o céu.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Questão de claridade e sintonia, simplesmente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A notícia pôs-me frêmitos de piedade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A enfermaria estava repleta de cenas deploráveis.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Entidades inferiores, retidas pelos próprios enfermos, em grande viciação da mente, postavam-se em leitos diversos, inflingindo-lhes padecimentos atrozes, sugando-lhes vampirescamente preciosas forças, bem como atormentando-os e perseguindo-os.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"><br />Desde o serviço inicial do tratamento de Cavalcante, desagradaram-me tais demonstrações naquele departamento de assistência caridosa e cheguei mesmo a consultar o Assistente quanto à possibilidade de melhorar a situação, mas Jerônimo informou, sem estranheza, que era inútil qualquer esforço extraordinário, pois os próprios enfermos, em face da ausência de educação mental, se incumbiriam de chamar novamente os verdugos, atraindo-os para as suas mazelas orgânicas, só nos competindo irradiar boa-vontade e praticar o bem, tanto quanto fosse possível, sem, contudo, violar as posições de cada um.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Confesso que experimentava enorme dificuldade para desempenhar os deveres que ali me retinham, porquanto as interpelações de infelizes desencarnados atingiam-me insistentemente. Pediam toda a sorte de benefícios, reclamavam melhoras, explodiam em lamúrias sem fim. Sereno e forte, o meu orientador conseguia trabalhar de mente centralizada na tarefa, inacessível às perturbações exteriores. Quanto a mim, entretanto, não alcançara ainda semelhante poder. Os pedidos, os lamentos, os impropérios, feriam-me a observação, impedindo-me de conservar a paz íntima.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Por isso mesmo, ao me retirar, pensei na surpresa amargurosa do moribundo, ao se lhe abrir a cortina que lhe velava a visão espiritual.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Aguardei, curioso, o cair da noite, quando, em companhia do orientador, atravessei, de volta, o pórtico do hospital.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cavalcante avizinhava-se do coma. O sangue alagava lençóis, que eram substituídos repetidamente. O enfraquecimento geral progredia, rápido.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O agonizante inspirava dó. Abriram-se-lhe certos centros psíquicos, no avançado abatimento do corpo, e o infeliz passou a enxergar os desencarnados que ali se encontravam, não longe dele, na mesma esfera evolutiva. Não nos identificava, ainda, a presença como seria de desejar, mas observava, estarrecido, a paisagem interior. Outros enfermos encaravam-no, agora, amedrontados.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Para todos eles, o colega de sofrimento delirava, inconsciente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Estarei no inferno ou vivemos em casa de loucos? – bradava sob horrível tormento moral – Oh! os demônios, os demônios!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vejam o “espírito mau” roendo chagas!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, de fácies contraída, apontava mísero ancião de pernas varicosas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Oh! que diz ele? – prosseguia, com visível espanto – Diz que não é o diabo, afirma que o doente lhe deve...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ouvidos à escuta, silenciava, ansioso por registrar as palavras impensadas e criminosas do algoz desencarnado, mas, não conseguindo, desabafava-se em gritos lamentosos, infundindo compaixão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não fora a fraqueza invencível, ter-se-ia levantado com impulsos de louco. Doentes e enfermeiros, alarmados, optavam pela remoção do moribundo. Tinham medo. Cavalcante desvairava.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Consolavam-se, todavia, na expectativa de que a hemorragia abundante prenunciasse termo próximo. Jerônimo ministrou-lhe, então, piedosamente, recursos de reconforto e o agonizante aquietou-se, devagarinho...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não se passou muito tempo e Bonifácio entrou conduzindo verdadeiro fantasma. A ex-consorte, convocada à cena, semelhava-se, em tudo, a sombra espectral. Não via o nosso cooperador, mas obedecia-lhe à ordem. Penetrou o recinto, arrastando-se, quase.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Satisfazendo o guia, automaticamente, veio ter ao leito de Cavalcante; fitou-o com intraduzível impressão de horror e gritou, longamente, perturbando-lhe a hora de alívio.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O moribundo voltou-se e viu-a. Alegre sorriso estampou-selhe no escaveirado rosto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Pois és tu, Bela? Graças a Deus, não morrerei sem pedir-te desculpas!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A ternura com que se dirigia a tão miserável figura causava compaixão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A esposa abeirou-se do leito, tentando ajoelhar-se. Ouvindoo, assombrada, retrucou, aflita:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Joaquim, perdoa-me, perdoa-me!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Perdoar-te de quê? – replicou ele, buscando inutilmente afagá- la –. Eu, sim, fui injusto contigo, abandonando-te ao léu da sorte... Por favor, não me queiras mal. Não te pude compreender noutro tempo e facilitei-te o passo em falso, colaborando, impensadamente, para que te precipitasses em escuro despenhadeiro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não entendi o problema doméstico tanto quanto devia... Hoje, porém, que a morte me busca, desejo a paz da consciência. Confesso minha culpa e rogo-te perdão... Desculpa-me...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Falava vencendo enormes obstáculos. No entanto, notava-se que aquele entendimento lhe fazia imenso bem. A mente apaziguara- se-lhe. Contemplava a esposa, reconhecido, quase feliz. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">– Ó Joaquim! – suplicou a mísera – perdoa-me! Nada tenho contra ti. O tempo ensinou-me a verdade. Sempre foste meu leal amigo e dedicado marido!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O moribundo escutou-a, esboçando expressão fisionômica de intensa alegria. Fitou-a, em êxtase, totalmente modificado e murmurou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Agora, estou satisfeito, graças a Deus!...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Nesse instante, o mesmo médico que víramos, pela manhã, avizinhou-se do leito para a inspeção noturna, acompanhado de diligente enfermeira.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Chamado por ele, voltou-se Cavalcante e, pondo na boca todas as forças que lhe restavam, notificou, feliz:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Veja, doutor, minha esposa chegou, enfim!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, interessado em conquistar a atenção do interlocutor, prosseguia:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Estou contente, conformado... Mas minha pobre Bela parece enferma, abatida... Ajude-a por amor de Deus!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Relanceando, em seguida, o olhar pela extensa enfermaria e fixando os quadros tristes, entre encarnados e desencarnados, inquiriu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Por que motivo tantos loucos foram internados aqui? Olhem, olhem aquele! Parece sufocar o infeliz...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Indicava particularidade dolorosa, em que certa entidade assediava pobre doente atacado de asma cardíaca.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O médico, no entanto, contemplou-o, compadecido, e disse à servente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É o delírio, precedendo o fim.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Entrementes, Jerônimo recomendou a Bonifácio retirasse a sombria figura da ex-consorte de Cavalcante, acentuando: – Não nos convém doravante a permanência de semelhante criatura. Já cumpriu as obrigações que a trouxeram aqui e ainda possui numerosos credores à espera.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A desventurada reagiu, procurando ficar, mas Bonifácio empregou força magnética mais ativa para alcançar o objetivo necessário.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reparando, porém, que a ex-companheira se afastava aos gritos, o agonizante pôs-se a bradar, alucinado:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Volta, Bela! Volta!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Esforçou-se o clínico por trazê-lo à esfera de observações que lhe era própria, mas debalde. Cavalcante continuava invocando a presença da esposa, em voz rouquenha, opressa, sumida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O médico abanou a cabeça e exclamou quase num sussurro:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– É impossível continuar assim. Será aliviado. Jerônimo penetrou-lhe o íntimo, porque passou a mostrar extrema preocupação, comunicando-me, gravemente:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Beneficiemos o moribundo, por nossa vez, empregando medidas drásticas, O doutor pretende impor-lhe fatal anestésico.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atendendo-lhe a ordem, segurei a fronte do agonizante, ao passo que ele lhe aplicava passes longitudinais, preparando o desenlace.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mas o teimoso amigo continuava reagindo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não – exclamava, mentalmente –, não posso morrer! Tenho medo! Tenho medo!</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O clínico, todavia, não se demorou muito e como o enfermo lutava, desesperado, em oposição ao nosso auxílio, não nos foi possível aplicar-lhe golpe extremo. Sem qualquer conhecimento das dificuldades espirituais, o médico ministrou a chamada “injeção compassiva”, ante o gesto de profunda desaprovação do meu orientador. Em poucos instantes, o moribundo calou-se. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Inteiriçaramse-lhe os membros, vagarosamente. Imobilizou-se a máscara facial.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Fizeram-se vítreos os olhos móveis.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Cavalcante, para o espectador comum, estava morto. Não para nós, entretanto. A personalidade desencarnante estava presa ao corpo inerte, em plena inconsciência e incapaz de qualquer reação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Sem perder a serenidade otimista, o orientador explicou-me:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A carga fulminante da medicação de descanso, por atuar diretamente em todo o sistema nervoso, interessa os centros do organismo perispiritual. Cavalcante permanece, agora, colado a trilhões de células neutralizadas, dormentes, invadido, ele mesmo, de estranho torpor que o impossibilita de dar qualquer resposta ao<br />nosso esforço.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Provavelmente, só poderemos libertá-lo depois de decorridas mais de doze horas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Regressando Bonifácio, o meu dirigente prestou-lhe informações exatas e confiou-lhe o pobre amigo, que foi imediatamente transportado ao necrotério.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, conforme a primeira suposição de Jerônimo, somente nos foi possível a libertação do recém-desencarnado quando já haviam transcorrido vinte horas, após serviço muito laborioso para nós.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ainda assim, Cavalcante não se retirou em condições favoráveis e animadoras. Apático, sonolento, desmemoriado, foi por nós conduzido ao asilo de Fabiano, demonstrando necessitar maiores cuidados.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-3298433190974160922017-08-28T16:07:00.005-07:002017-09-03T05:52:58.533-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;">19 - A Serva Fiel</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx3tUtFd3yxrAvG8h8DsMRFbEYsmb7pNDUqetOoL4hgd-VdpksWhEFN_ja8yoV5gP_sOv8jC7F9BXGCwmGkXRLcIcP7vhLnajQMA8fApcLSmkyMptcYT0b4RPV9Y3my_wWj03SSC_yltM/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjx3tUtFd3yxrAvG8h8DsMRFbEYsmb7pNDUqetOoL4hgd-VdpksWhEFN_ja8yoV5gP_sOv8jC7F9BXGCwmGkXRLcIcP7vhLnajQMA8fApcLSmkyMptcYT0b4RPV9Y3my_wWj03SSC_yltM/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<span style="font-size: x-large;">Liberto, Cavalcante oferecia-me amplo ensejo a infatigáveis pesquisas. A injeção sedativa, veiculando anestésicos em dose alta, afetara-lhe o corpo perispirítico, como se fora choque elétrico.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Devido a isso, ele permanecia quase inerte, ignorando-se a si mesmo. Inquirido por mim, vezes diversas, não sabia concatenar raciocínios para responder às questões mais rudimentares, alusivas à própria identidade pessoal.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Notando o meu interesse a respeito do assunto, Jerônimo, após ministrar-lhe os primeiros socorros magnéticos, na Casa Transitória, prestou-me os seguintes esclarecimentos:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Qualquer droga, no campo infinitesimal dos núcleos celulares, se faz sentir pelas propriedades elétricas específicas. Combinar aplicações químicas com as verdadeiras necessidades fisiológicas, constituirá, efetivamente, o escopo da Medicina no porvir.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O médico do futuro aprenderá que todo remédio está saturado de energias eletromagnéticas em seu raio de ação. É por isso que o veneno destrói as vísceras e o entorpecente modifica a natureza das células em si, impondo-lhes incapacidade temporária. A gota medicamentosa tem princípios elétricos, como também acontece às associações atômicas que vão recebê-la. Segundo sabemos, em plano algum a Natureza age aos saltos. O perispírito, formado à base de matéria rarefeita, mobiliza igualmente trilhões de unidades unicelulares da nossa esfera de ação, que abandonam o campo físico saturadas da vitalidade que lhe é peculiar. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Daí os sofrimentos e angústias de determinadas criaturas, além do decesso. Os suicidas costumam sentir, durante longo tempo, a aflição das células violentamente aniquiladas, enquanto os viciados experimentam tremenda inquietação pelo desejo insatisfeito. A elucidação era lógica e humana. Fui compreendendo, por minha vez, pouco a pouco, a importância do desapego às emoções inferiores para os homens e mulheres encarnados na Crosta. Matéria e espírito, vaso e conteúdo, forma e essência, confundiam-se aos meus olhos como a chama da vela e o material incandescente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Integrados um no outro, produziam a luz necessária aos objetivos da vida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O exame dos casos de morte trouxera-me singular enriquecimento no setor da ciência mental. O Espírito, eterno nos fundamentos, vale-se da matéria, transitória nas associações, como material didático, sempre mais elevado, no curso incessante da experiência para a integração com a Divindade Suprema.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Prejudicando a matéria, complicaremos o quadro de serviços que nos é indispensável e estacionaremos, em qualquer situação, a fim de restaurar o patrimônio sublime posto à nossa disposição pela bondade imperecível. Tanto seremos compelidos ao trabalho regenerador, na encarnação, quanto na desencarnação, na existência da carne quanto na morte do corpo, tanto no presente quanto no futuro.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ninguém se colocará vitorioso no cume da vida eterna, sem aprender o equilíbrio com que deve elevar-se. Daí as atividades complexas do caminho evolutivo, as diferenciações inumeráveis, a multiplicidade das posições, as escalas da possibilidade e os graus da inteligência, nos variados planos da vida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Para solucionar instantes problemas de Cavalcante, o nosso dirigente designou o padre Hipólito para segui-lo de mais perto, orientando-o quanto à renovação. O “convalescente” fixava-nos, receoso, crendo-se vítima de pesadelo, em hospital diferente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;"> Declarava- se interessado em continuar no corpo terrestre, chamava a esposa insistentemente, repetia descrições do passado com admirável expressão emotiva. Por mais de uma vez, repeliu Jerônimo, com severa argumentação. Ao lado de Hipólito, porém, aquietava-se, humilde. Influíam nele o respeito e a confiança que se habituara a consagrar aos sacerdotes. Nosso companheiro possuía sobre o recém-liberto importante ascendente espiritual. Poderia beneficiá-lo com mais facilidade e em menos tempo. Apesar disso, contudo, nosso Assistente ministrava-lhe com regularidade recursos magnéticos, erguendo-lhe o padrão de saúde espiritual.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O desencarnado ia despertando com extremo vagar, demorando- se longo tempo a reapossar-se de si. Eram, todavia, impressionantes seus colóquios com o irmão Hipólito, nos quais crivava o ex-sacerdote de intempestivas interrogações. À medida que as suas condições mentais melhoravam, apertava o cerco.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Queria saber onde se localizavam o céu e o inferno; pedia notícias dos santos, pretendendo visitar aqueles a quem consagrava mais entranhada devoção; rogava explicações referentes ao limbo; reclamava o encontro com parentes que o haviam precedido no túmulo; solicitava elucidações sobre o valor dos sacramentos da Igreja Católica; comentava a natureza dos diversos dogmas, até que, certo dia, chegou ao despautério de perguntar se não lhe seria possível obter uma audiência com Deus, na Corte Celeste. Hipólito precisava mobilizar infinita boa-vontade para tratar com respeito e proveito tamanha boa-fé.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A irmã Zenóbia vinha freqüentemente assistir ao curso dos surpreendentes diálogos e, de uma feita, quando nos achávamos juntos, a pequena distância do enfermo, comentou, risonha:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Nossa antiga Igreja Romana, tão venerável pelas tradições de cultura e serviço ao progresso humano, é, de fato, na atualidade, grande especialista em “crianças espirituais”...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Examinando as dificuldades naturais do serviço de esclarecimento, Jerônimo recomendou a Hipólito e a Luciana dispensarem ao recém-liberto os recursos possíveis, em virtude da escassez de tempo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Vinte e cinco dias já haviam transcorrido sobre o início da tarefa. – Precisamos regressar – informou o Assistente –, precisamos regressar logo se verifique a vinda de Adelaide, que não se demorará nesta fundação mais de um dia. Cumpre-nos, pois, acelerar a preparação de Cavalcante, com todas as possibilidades ao nosso alcance.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E os companheiros desvelavam-se, carinhosos. No fundo, todos sentíamos saudades do lar distante, que nos congregava em bênçãos de paz e luz. O próprio Fábio, equilibrado e bem disposto, colaborava para a solução do assunto, suspirando pela penetração nos santuários de Mais Alto.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Atendendo à divisão dos serviços, Jerônimo e eu continuamos em ação no instituto evangélico, onde a serva leal de Jesus receberia a carta liberatória. Adelaide, porém, parecia não depender de algemas físicas. Não consegui, por minha vez, auscultar-lhe o espesso organismo, porque a nobre missionária, em virtude do avançado enfraquecimento do corpo, abandonava-o ao primeiro sinal de nossa presença, colocando-se, junto de nós, em sadia palestra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Geralmente, companheiros distintos de nosso plano participavam-nos dos ágapes fraternos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Na antevéspera do desenlace, tive ocasião de observar a extrema simplicidade do abnegado Bezerra de Menezes, que se encontrava em visita de reconforto junto à servidora fiel.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não desejo dificultar o serviço de meus benfeitores – dizia ela, algo triste – e, por isso, estimaria conservar boa forma espiritual no supremo instante do corpo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Ora, Adelaide – considerou o apóstolo da caridade –, morrer é muito mais fácil que nascer. Para organizar, na maioria das circunstâncias, são precisos, geralmente, infinitos cuidados; para desorganizar, contudo, basta por vezes leve empurrão. Em ocasiões como esta, a resolução é quase tudo. Ajude a você mesma, libertando a mente dos elos que a imantam a pessoas, acontecimentos, coisas e situações da vida terrena. Não se detenha. Quando for chamada, não olhe para trás.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E sorrindo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Lembre-se de que a mulher de Lot, convertida em estátua de sal, não é símbolo inexpressivo. Há criaturas que, no instante justo de abandonarem a carne, às vezes doente e imprestável, voltam o pensamento para o caminho palmilhado, revivendo recordações menos construtivas... Tropeçam nas próprias apreensões, como se estas fossem pedras soltas ao léu, na senda percorrida, e ficam longos dias fisgadas no anzol do incoerente e insatisfeito desejo, sem suficiente energia para uma renúncia nobilitante.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Espero – asseverou a interlocutora, em tom grave – que os amigos me auxiliem. Sinto-me socorrida, amparada, mas... tenho medo de mim mesma.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Preocupada assim, minha amiga? – tornou o antigo médico, satisfeito. Não vale a pena.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Compreendo-lhe, todavia, a ansiedade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Também passei por aí. Creia, entretanto, que a lembrança de Jesus, ao pé de Lázaro, foi ajuda certa ao meu coração, em transe igual. Busquei insular-me, cerrar ouvidos aos chamamentos do sangue, fechar os olhos à visão dos interesses terrenos, e a libertação, afinal, deu-se em poucos segundos. Pensei nos ensinamentos do Mestre, ao chamar Lázaro, de novo, à existência, e recordei-lhe as palavras:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– “Lázaro, sai para fora!” Centralizando a atenção na passagem evangélica, afastei-me do corpo grosseiro sem obstáculo algum.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A simplicidade do narrador encantava.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Adelaide sorriu, sem, no entanto, disfarçar a preocupação íntima.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Valendo-se da pausa, Jerônimo aduziu: – Aliás, cumpre-nos destacar as condições excepcionais em que partirá nossa amiga. Em tais circunstâncias, apenas lastimo aqueles que se agarram em demasia aos caprichos carnais. Para esses, sim, a situação não é agradável, porquanto o semeador de espinhos não pode aguardar colheita de flores. Os que se consagram à preparação do futuro com a vida eterna, através de manifestações de espiritualidade superior, instintivamente aprendem todos os dias a morrer para a existência inferior.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Reparei que a abnegada irmã se mostrava mais calma e confortada, a essa altura.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Interrompeu-se a conversação, porque Adelaide foi obrigada a reanimar repentinamente o corpo, a fim de receber a última dose de medicação noturna. Ao regressar ao nosso plano, Jerônimo ofereceu-lhe o braço amigo para rápida excursão ao estabelecimento de Fabiano.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A irmã Zenóbia desejava vê-la, antes do desenlace.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A grande orientadora do asilo errático admirava-lhe os serviços terrestres e, por mais de uma vez, valeu-se de seu fraternal concurso em atividades de regeneração e esclarecimento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Adelaide acompanhou-nos, contente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Em breves minutos, recebidos pela administradora, como que se repetia a mesma palestra de minutos antes, apenas com a diferença de que Zenóbia tomara a posição reanimadora do devotado Bezerra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A bondosa discípula de Jesus, em vias de retirar-se da Crosta, era alvo do carinho geral.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Depois de considerações convincentes por parte de Zenóbia, que se esmerava em ministrar-lhe bom ânimo, Adelaide, humilde, expôs-lhe as derradeiras dificuldades.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ligara-se, fortemente, à obra iniciada nos círculos carnais e sentia-se estreitamente ligada, não somente à obra, mas também aos amigos e auxiliares. Por força de circunstâncias imperiosas, acumulava funções diversas no quadro geral dos serviços. Possuía toda uma equipe de irmãs dedicadíssimas, que colaboravam com sincero desprendimento e alto valor moral, no amparo à infância desvalida. Se estimava profundamente as cooperadoras, era, igualmente, muito querida de todas elas. Como se haveria ante as dificuldades que se agravavam? No íntimo, estava preparada; no entanto, reconhecia a extensão e a complexidade dos óbices mentais.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Seu quarto de dormir, na casa terrena, semelhava a redoma de pensamentos retentivos a interceptarem-lhe a saída. Quanto menos se via presa ao corpo, mais se ampliava a exigência dos parentes, dos ....... </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Como portar-se ante essa situação? Como fazer-lhes sentir a realidade? Enlaçara-se em vastos compromissos, tornara-se, involuntariamente, a escora espiritual de muitos. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Entretanto, ela mesma reconhecia a imprestabilidade do aparelho físico. A máquina fisiológica atingira o fim. Não conseguiria manter-se, ainda mesmo que os valores intercessórios lhe conseguissem prorrogação de tempo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A orientadora escutou-a, atenta, qual médico experimentado em face de doente aflito, e observou, por fim:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Reconheço os obstáculos, mas não se amofine. A morte é o melhor antídoto da idolatria. Com a sua vinda operar-se-á a necessária descentralização do trabalho, porque se dará a imposição<br />natural de novo esforço a cada um. Alegre-se, minha amiga, pela transformação que ocorrerá dentro em pouco. Reanime-se, sobretudo, para que a sua situação se reajuste naturalmente sem qualquer ponto de interrogação ao término da experiência atual.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Silenciou durante alguns momentos e notificou, em seguida:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Temos ainda a noite de amanhã. Aproveitá-la-ei para dirigir- me aos seus colaboradores, em apelo à compreensão geral.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Amigos nossos contribuirão para que se reúnam em assembléia, como se faz indispensável. A visitante agradeceu, penhorada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Prosseguimos na mesma vibração de cordialidade, mas Zenóbia modificou o rumo da palestra.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Abandonando os assuntos de morte e sofrimento, comentou os serviços edificantes que levava a efeito, junto de certa expedição socorrista, cujos membros realizavam admiráveis experiências no instituto, nos dias em que se desobrigavam dos trabalhos imediatos na Crosta. E discorreu tão brilhantemente sobre a tarefa, que Adelaide olvidou, por minutos, a situação que lhe era peculiar, interessando-se vivamente pelos lances descritivos. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A providência coroava-se de animadores resultados, porque a conversação diferente fizera-lhe enorme bem, propiciando-lhe provisório apaziguamento mental.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A desencarnante tornou ao corpo, bem disposta, reanimada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />No decurso do dia, Jerônimo e a diretora da Casa Transitória combinaram medidas relativas à reunião da noite. </span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">O Assistente empregaria todo o esforço para que a organização fisiológica da enferma estivesse nas melhores condições, enquanto dois ativos auxiliares de Zenóbia se incumbiriam de cooperar para a condução do pessoal de Adelaide à assembléia.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />O dia, desse modo, esteve cheio de tarefas referentes à articulação prevista.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Através de reiterados passes magnéticos sobre os órgãos da circulação – nos quais o meu concurso foi dispensado por desnecessário, em vista da extrema passividade da enferma –, Adelaide entrou em fase de inesperada calma, tranqüilizando o campo das afeições terrenas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Renovaram-se, de súbito, as esperanças. A reação orgânica surgira, dentro de novo impulso, melhorando o quadro dos prognósticos em geral. Multiplicaram-se as vibrações de paz e as preces de reconhecimento. Em vista disso, iniciou-se, com grande facilidade, após a meia-noite, o trabalho preparatório da grande reunião.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Auxiliadores de nosso plano trouxeram companheiros da instituição, localizados em regiões diversas, provisoriamente desenfaixados do corpo físico pela atuação do sono.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Integrando a turma de trabalhadores que organizavam o ambiente, reparei, curioso, que a maior percentagem de recémchegados se constituía de mulheres e cumpre-nos anotar que dava satisfação observar-lhes a reverência e o carinho. Todos traziam a mente polarizada na prece, em favor da benfeitora doente, para elas objeto de admiração e ternura. Fitavam-nos, respeitosas e tímidas, endereçando-nos pensamentos de súplica, sem lembranças inúteis ou nocivas. Os poucos homens que compareceram estavam contagiados pela veneração coletiva e mantinham-se na mesma posição sentimental.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A elevação ambiente espalhava fluidos harmoniosos, possibilitando agradáveis sensações de confiança e tranqüilidade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Por sugestão de Jerônimo, a reunião seria realizada no extenso salão de estudos e preces públicas, devidamente preparado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Para esse fim, não poupáramos esforços. Acionando peças de eficaz cooperação, submetemos a enorme dependência a rigoroso serviço de limpeza. Os componentes da assembléia podiam descansar tranqüilos, sem o assédio de correntes mentais inferiores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Luzes e flores de nossa esfera espargiam notas de singular encantamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Por isso mesmo, era belo apreciar o contínuo ingresso das senhoras que, em oração, a distância do organismo grosseiro, irradiavam de si próprias admiráveis expressões de luz nitidamente diferençadas entre si.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Conservávamo-nos junto de todos, em atitude vigilante, para manter o imprescindível padrão vibratório, quando, em seguida à primeira hora, a irmã Zenóbia, acompanhada de beneméritos amigos da casa, deu entrada no recinto, conduzindo Adelaide, extremamente abatida.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A diretora da organização transitória de Fabiano tomou o lugar de orientação e, antes de interferir no assunto principal que a trazia até ali, ergueu a destra, rogando a bênção divina para a comunidade que se reunia, atenciosa e reverente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tive, então, oportunidade de verificar, mais uma vez, o prodigioso poder daquela mulher santificada. Sua mão despedia raios de claridade safirina, com tanta prodigalidade, que nos proporcionava a idéia de estar em comunicação com extenso e oculto reservatório<br />de luz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Finda a saudação, pronunciada com formosa inflexão de ternura, mudou o tom de voz e dirigiu-se aos ouvintes, com visível energia:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Minhas irmãs, meus amigos, serei breve. Venho até aqui somente fazer-vos pequeno apelo. Não ignorais que nossa Adelaide necessita passagem livre a caminho da espiritualidade superior.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Enferma desde muito, cooperou conosco, anos consecutivos, dando- nos o melhor de suas forças. Dócil às influências do bem, foi valioso instrumento na organização desta casa de amor evangélico.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Administrou a obra com cuidado e, muita vez, em nosso instituto de socorro, fora dos círculos carnais, recebemos preciosa colaboração de seu esforço, de sua boa vontade.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Endereçou o olhar firme à assistência e obtemperou:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Porque a detendes? Há dias, o quarto de repouso físico da doente que nos é tão amada permanece enlaçado com pensamentos angustiosos. São forças que partem de vós, sem dúvida, companheiros ciosos do trabalho em ação, mas esquecidos do “faça-se a vossa vontade” que devemos dirigir ao Supremo Senhor, em todos os dias da vida. Lastimo as circunstâncias que me compelem a falar-vos com tamanha franqueza. Entretanto, não nos resta alternativa diferente.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Acreditais na vitória da morte, em oposição à gloriosa eternidade da vida? Adelaide apenas restituirá maquinaria gasta ao laboratório da Natureza. Continuará, porém, contribuindo nos serviços da verdade e do amor, com ânimo inextinguível.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Quanto a vós, não olvideis a necessidade de ação individual, no campo do bem. Que dizer do viticultor que estima o valor da vinha somente através dos serviços de alheias mãos? Como apreciar o amante das flores que nunca desceu a cultivar o próprio jardim?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não façais a consagração da ociosidade, mantendo-vos a distância do desenvolvimento de vossas possibilidades infinitas. Indubitavelmente, cooperação e carinho são estimulantes sublimes na execução do bem, mas, há que evitar a intromissão do fantasma do egoísmo a expressar-se em tirania sentimental. Não podemos asseverar que impedis propositadamente a liberação da companheira de cárcere. A existência carnal constitui aprendizado demasiadamente sublime para que possamos reduzi-la à classe de mera enxovia comum. Não, meus amigos, não nos abalançaríamos a semelhante declaração. Referimo-nos tão só ao violento impulso de idolatria a que vos entregais impensadamente, pelos desvarios da ternura mal compreendida. A aflição com que intentais reter a missionária do bem, é filha do egoísmo e do medo. Alegais, em favor do vosso indesejável estado d'alma, a confiança de que Adelaide se tornou depositária fiel, como se não devêsseis desenvolver as faculdades espirituais que vos são próprias, criando a confiança positiva em Deus e em vós mesmos, no trabalho improrrogável de auto-realização, e pretextais orfandade espiritual simplesmente pelo receio de enfrentar, por vós mesmos, as dores e os riscos, as adversidades e os testemunhos inerentes à iluminação do caminho para a vida eterna. Valei-vos da bendita oportunidade para repetir velha experiência de incompreensível idolatria. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Convertem companheiros de boa vontade, mas tão necessitados de renovação e luz quanto vós mesmos, em oráculos erguidos em pedestais de barro frágil. Criais semideuses e gastais o incenso de infindáveis referências pessoais, estabelecendo problemas complexos que lhes reduzem a capacidade de serviço, olvidando as<br />sementes divinas de que sois portadores.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Corporificais o ídolo no altar da mente, infundindo-lhe vida fugaz e, indiferentes à gloriosa destinação que o Universo vos assinala, estimais o menor esforço que vos encarcera em automatismos e recapitulações. Se o ídolo não vos corresponde à expectativa, alimentais a discórdia, a irritação, a exigência; se falha,<br />após o início da excursão para o conhecimento superior, senti-vos desarvorados; se rola do pedestal de cera, experimentais o frio pavor do desconhecido pelo auto-relaxamento na renovação própria.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Porque erigir semelhantes estátuas para a contemplação, se as quebrar eis, inelutavelmente, na jornada de ascensão? Não vos fartastes, ainda, das peregrinações sobre relíquias estraçalhadas?</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Compreendendo-nos as deficiências mentais na conquista da vida eterna, a vontade do Supremo Senhor colocou nos pórticos da legislação antiga o “não terás outros deuses diante de mim”. O Pai conhece-nos a viciação milenária em matéria de inclinações afetivas e prevenia-nos o espírito contra as falsas divindades. Recorremos a semelhantes figuras, na reduzida esfera de nossas cogitações do momento, com o propósito de levar a vossa compreensão a círculos mais altos, para assim vos desprenderdes da irmã devotada e digna servidora, que vos precederá na grande jornada liberativa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A palavra de Zenóbia causava extraordinária impressão nos ouvintes. As muitas senhoras e os poucos cavalheiros presentes, tocados pela intensa luz da orientação e desarmados pela sua palavra sábia e sublime, revelavam indisfarçável emoção no aspecto fisionômico. A oradora fez delicado gesto de benevolência e prosseguiu:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não somos infensos às manifestações de carinho.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">A saudade e o reconhecimento caminham juntos. Todavia, no âmbito das relações amistosas, toda imprudência resulta em desastre. Que seria de nós, se Jesus permanecesse em continuado convívio com as nossas organizações e necessidades? Não passaríamos, talvez, de maravilhosas flores da estufa, sem vida essencial.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Por excesso de consulta e abuso de confiança, não desenvolveríamos a capacidade de administrar ou de obedecer. Baldos de valor próprio, erraríamos de região em região, em compactos rebanhos de incapazes, à procura do Oráculo Divino. Talvez, em vista disso, o Mestre Sábio tenha limitado ao mínimo de tempo o apostolado pessoal e direto, traçando-nos serviços dignificantes para muitos séculos, em poucos dias. Deu-nos a entender, desse modo, que o homem é coluna sagrada do Reino de Deus, que o coração de cada criatura deve iluminar-se, como Santuário da Divindade, para refletir-lhe a grandeza augusta e compassiva. Não vos esqueçais, meus amigos, de que todos nós, individualmente considerados, somos herdeiros ditosos da sabedoria e da luz.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Zenóbia interrompeu-se e, nesse instante, como se lhe atendessem, de muito alto, os apelos silenciosos, começaram a cair sobre nós raios de luz balsamizante, acentuando-nos a sensação de felicidade e contentamento.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Decorrido longo silêncio, durante o qual a diretora do instituto de Fabiano pareceu consultar as disposições mais íntimas da assembléia, voltou a dizer, em tom significativo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Afirmam mentalmente que Adelaide é a viga mestra deste pouso de amor, que surgirão dificuldades talvez invencíveis para que seja substituída no leme da orientação geral; entretanto, sabeis que vossa irmã, não obstante os valores incontestáveis que lhe exornam a personalidade, foi apenas instrumento digno e fiel desta criação de benemerência, sem ter sido, porém, sua fundadora.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Afeiçoou-se ao espírito cristão, ao qual nos adaptaremos por nossa vez, e foi utilizada pelo Doador das Bênçãos nos trabalhos de extensão do Evangelho Purificador. Não lhe deponhais na fronte amiga a coroa da responsabilidade total, cujo “peso de glórias” deve repartir-se com todos os servos sinceros das boas obras, como se dividem, inevitavelmente, os valores da cooperação. Adelaide conhece a sua condição de colaboradora leal e não deseja lauréis que de modo algum lhe pertencem. Aguarda, apenas, que os companheiros de luta transfiram ao Cristo o patrimônio do reconhecimento, rogando simplesmente as afeições, a simpatia e a<br />compreensão para as suas necessidades na vida nova. Libertemo-la, pois, oferecendo-lhe pensamentos de paz e júbilo, partilhando-lhe a esperança na esfera mais elevada.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Logo após, a orientadora terminou, orando sentidamente e suplicando para todos nós a bênção divina do Pai Poderoso e Bom.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Diversos ouvintes não se demoraram no recinto, regressando ao ambiente comum sob a custódia de amigos vigilantes. Algumas senhoras, contudo, aproximaram-se da oradora, endereçando-lhe palavras de alegria e gratidão.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Mais alguns minutos e a assembléia dispersava-se, tranqüila.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Por fim, despediram-se igualmente a irmã Zenóbia e os outros companheiros.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Adelaide, ao retornar à matéria, respira, radiante.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Entretanto, pelo soberano júbilo daquela hora, ganhou tamanha energia no corpo perispiritual que o regresso às células de carne foi complicado e doloroso. Súbito mal-estar invadiu-a, ao entrar em contacto com os depauperados centros físicos.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tomava-os e abandonava-os, sucessivamente, como pássaro a sentir a exigüidade do ninho.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Indagando de Jerônimo quanto à surpresa, dele recebeu a explicação necessária.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Depois da palavra esclarecida de Zenóbia – disse afavelmente o mentor –, extinguiram-se as correntes mentais de retenção que se mantinham pelo entendimento fraterno da comunidade reconhecida.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;">Privou-se o corpo carnal do permanente socorro magnético, ao qual o afluxo dessas torrentes alimentava, atenuando- lhe a resistência e precipitando a queda do tono vital. </span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Além disso, o contentamento desta hora robusteceu-lhe, sobremaneira, os centros perispirituais. Impossível, dessa forma, evitar a sensação angustiosa no contacto com os órgãos doentios.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, com benévola expressão, afagou carinhosamente a enferma, falando-lhe, em seguida a breve intervalo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– Não se incomode, minha amiga! O casulo reduziu-se, mas suas asas cresceram... Pense, agora, no vôo que virá.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Adelaide esforçou-se para mostrar satisfação no semblante novamente abatido e rogou, tímida, lhe fosse concedido o obséquio de tentar, ela própria, a sós, a desencarnação dos laços mais fortes, em esforço pessoal, espontâneo.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Jerônimo aquiesceu, satisfeito.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />E, mantendo-nos de vigilância em câmara próxima, deixamo-la entregue a si mesma, durante as longas horas que consumiu no trabalho complexo e persistente.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Não sabia que alguém pudesse efetuar semelhante tarefa, sem concurso alheio, mas o orientador veio em socorro de minha perplexidade, esclarecendo:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A cooperação de nosso plano é indispensável no ato conclusivo da liberação; todavia, o serviço preliminar do desenlace, no plexo solar e mesmo no coração, pode, em vários casos, ser levado a efeito pelo próprio interessado, quando este haja adquirido, durante a experiência terrestre, o preciso treinamento com a vida espiritual mais elevada. Não há, portanto, motivo para surpresa.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Tudo depende de preparo adequado no campo da realização. Meu dirigente explicara-se com muita razão. Efetivamente, só no derradeiro minuto interveio Jerônimo para desatar o apêndice<br />prateado.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A agonizante estava livre, enfim !...</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Abriu-se a casa à visitação geral.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Evangelizados pelo verbo construtivo de Zenóbia, os cooperadores encarnados, embora não guardassem minudentes recordações, sustentaram discreta atitude de respeito, serenidade e conformação.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />A denodada batalhadora, agora liberta, esquivou-se gentilmente ao convite para a partida imediata. Esperou a inumação dos despojos, consolando amigos e recebendo consolações.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Depois de orar, fervorosamente, no último pouso das células exaustas, agradecendo-lhes o precioso concurso nos abençoados anos de permanência na Crosta, Adelaide, serena e confiante, cercada de numerosos amigos, partiu, em nossa companhia, a caminho da Casa Transitória, ponto de referência sentimental da grande caravana afetiva...</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1163240254585745056.post-75844178252814772572017-08-28T15:35:00.003-07:002017-09-02T17:08:16.738-07:00<span style="color: #660000;"><span style="font-size: x-large;"> 20 - Ação De Graças</span></span><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDZOMlN2ooF4CVnmAFO19Mvo-5Up-YX7LLiHQnt34Ns8-yNIyydek0d7pnRG1gqWAI1YHprWPVVgEjfRUKzPB2WSwEweF3zVF1IUT0ybkE49CB0nU4HoDQEC-zK7QUz7nXMq4nyX3LTU4/s1600/hqdefaultjyk.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="323" data-original-width="323" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDZOMlN2ooF4CVnmAFO19Mvo-5Up-YX7LLiHQnt34Ns8-yNIyydek0d7pnRG1gqWAI1YHprWPVVgEjfRUKzPB2WSwEweF3zVF1IUT0ybkE49CB0nU4HoDQEC-zK7QUz7nXMq4nyX3LTU4/s200/hqdefaultjyk.jpg" width="200" /></a></div>
<span style="font-size: x-large;">Congregados, agora, no instituto socorrista de Fabiano, preparamo-nos para a ditosa viagem de regresso.<br /><br />Efetivamente, as saudades de nossa vida harmoniosa e bela,nos planos mais altos, dominavam-nos os corações.</span><br />
<br />
<span style="font-size: x-large;"> O serviço nas regiões inferiores proporcionava-nos, é bem verdade, experiência e sabedoria, acentuava-nos o equilíbrio, enriquecia-nos o quadro<br /><br />de aquisições eternas; entretanto, o reconhecimento de semelhantes valores não impedia a sede daquela paz que nos aguardava, a<br /><br />distância, no lar tépido e suave das afinidades mais puras.<br /><br />Em todos nós preponderava o júbilo decorrente da tarefa exemplarmente realizada, mas o próprio Jerônimo não disfarçava o<br /><br />contentamento de regressar, na impressão de calma e bom ânimo que lhe fulgurava o semblante feliz.<br /><br />Ao esforço sincero, seguia-se a tranqüilidade do dever cumprido.<br /><br />Marcada a reunião derradeira na Casa Transitória, rodeavam- se os recém-libertos de vários amigos que lhes traziam alegres<br /><br />notícias e boas-vindas confortadoras. Dimas e Cavalcante, renovados em espírito, ignoravam como exprimir o reconhecimento<br /><br />que lhes vibrava n'alma, enquanto Adelaide e Fábio, mais evolvidos na senda de luz divina, comentavam problemas transcendentes do destino e do ser, através de observações formosas e surpreendentes, recolhidas na vasta esfera de experiências individuais.<br /><br />Notas de alegria e otimismo transpareciam de todas as palestras, projetos e recordações.<br /><br />A irmã Zenóbia solicitou que a esperássemos na câmara consagrada à prece, onde nos abraçaria, dando-nos as despedidas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-size: x-large;">Reunidos em alegria franca, aguardávamos a diretora nas melhores expansões de entendimento fraternal.<br /><br />Zenóbia, poucos momentos depois, dava entrada no salão, seguida de grande número de auxiliares, e, como sempre, veio até<br /><br />nós, bondosa e acolhedora. Estimava, sobremaneira, a expedição e devotara-se carinhosamente aos recém-libertos. Em vista disso,<br /><br />cercava-nos de atenção pessoal e direta, naquele momento de maravilhoso adeus.<br /><br />Assumindo a posição de orientadora dos trabalhos, exortou- nos, de modo comovente, à fiel execução da Vontade Divina, comentando a beleza das obrigações de fraternidade que se entrela-<br /><br />çam, no Universo, fortalecendo a grandeza da vida. Por fim, saudando individualmente os recém-desencarnados, recomendou a<br /><br />Adelaide pronunciasse, ali, a oração de graças, que faria acompanhar do hino de reconhecimento que ela, Zenóbia, nos ofereceria, em sinal de afetuoso apreço.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Adelaide levantou-se, em meio de profundo silêncio, e orou, fervorosa, comovida:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />– A ti, Senhor, nossos agradecimentos por esta hora de paz<br /><br />intraduzível e de infinita luz. Agora, que cessou a nossa oportunidade de trabalho nos círculos da carne, nós te agradecemos os<br /><br />benefícios recolhidos, as aquisições realizadas, os serviços levados a efeito... Mais que nunca, reconhecemos hoje a tua magnanimidade indefinível que nos utilizou o deficiente instrumento na<br /><br />concretização de sublimes desígnios! Vacilantes e frágeis, como<br /><br />as aves que mal ensaiam o primeiro vôo longe do ninho, encontramo-nos aqui, venturosos e confiantes, ao pé de teus desvelados<br /><br />emissários que nos ampararam até ao fim!... Como agradecer-te o tesouro inapreciável de bênçãos celestes? Teu carinho santificante seguiu-nos, passo a passo, em todos os minutos de permanência no vale das sombras e, não satisfeito, teu inesgotável amor acom-panha-nos, ainda, nesta retirada da velha Babilônia de nossas paixões amargurosas e milenárias.<br /><br />Quase sufocada de emoção, a missionária fez reduzido silêncio para conter as lágrimas, e continuou:<br /><br />– Nada fizemos por merecer-te a assistência bendita. Nenhum mérito possuímos, além de boa vontade construtiva. Claudicamos, vezes sem número, dando pasto aos caprichos envenenados que nos obscureciam a consciência; falimos freqüentemente, cedendo<br /><br />a sugestões menos dignas. Entretanto, Jesus Amado, converteste-nos o trabalho humilde em manancial de ventura que nos alimenta<br /><br />o coração, soerguido para as esferas mais altas. Desculpa-nos, Mestre, a imperfeição de aprendizes, traço predominante de nossa<br /><br />personalidade libertada. Não possuímos nada de belo para oferecer-te, ó Benfeitor Divino! senão o coração sincero e humilde,<br /><br />vazio agora das abençoadas preocupações que o nutriam na Crosta da Terra... Recebe-o, Mestre, como demonstração da confiança de<br /><br />teus discípulos pequeninos, e enche-o, de novo, com as tuas sacrossantas determinações! Reconhecidos à tua inesgotável misericórdia, agradecemos a ternura de tuas bênçãos, mas, se nos deste<br /><br />proteção e consolo, não nos retires o trabalho e o ensejo de servir.<br /><br />Conduze-nos aos teus “outros apriscos” e renova-nos, por compaixão, a bênção de sermos úteis em tua causa. Cheios de alegria,<br /><br />abençoamos o valioso suor que nos proporcionaste na esfera da<br /><br />carne purificadora, onde, ao influxo de tua benignidade, retificamos velhos erros do coração... Bendizemos o caminho áspero que<br /><br />nos ensinou a descobrir tuas dádivas ocultas, beijamos a cruz do sofrimento, do testemunho e da morte, de cujos braços nos foi<br /><br />possível contemplar a grandeza e a extensão de tuas bênçãos eternas!..<br /><br />Adelaide fez nova pausa, enxugando o pranto de emoção, enquanto a seguíamos sensibilizados, e prosseguiu: – Agora, Senhor, assinalando nossos agradecimentos aos teus<br /><br />emissários que nos estenderam mãos amigas, nas últimas dificuldades da moléstia depuradora, deixa que te roguemos amoroso<br /><br />auxílio para todos aqueles, menos felizes que nós, que ainda gemem e padecem nas sendas estreitas da incompreensão. Inspira os<br /><br />teus discípulos iluminados para que te representem o espírito sublime, ao lado dos ignorantes, dos criminosos, dos desviados, dos<br /><br />perversos. Toca o sentimento de caridade fraternal dos teus continuadores fiéis para que continuem revelando o benefício e a luz<br /><br />de tua lei. E, ao encerrar este ato de sincera gratidão, enviamos nosso pensamento de alegria e louvor a todos os companheiros de<br /><br />luta, nos mais diversos departamentos da vida planetária, convidando-os, em espírito, a glorificarem teu nome, teus desígnios e<br /><br />tuas obras, para sempre. Assim seja!<br /><br />Finda a prece comovedora, a irmã Zenóbia veio abraçar Adelaide, extremamente sensibilizada, e, logo após, reassumindo o<br /><br />lugar, recomendou aos auxiliares ajudassem-na no formoso cântico de agradecimento ao círculo terreno que os irmãos libertos<br /><br />acabavam de deixar. Imergindo-nos num dilúvio de vibrações cariciosas que nos arrancavam lágrimas de suave emoção, iniciou, ela própria, o hino de indefinível beleza:</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Ó Terra – mãe devotada,<br />A ti, nosso eterno preito<br />De gratidão, de respeito<br />Na vida espiritual!<br />Que o Pai de graça infinita<br />Te santifique a grandeza<br />E abençoe a natureza<br />Do teu seio maternal!<br />Quando errávamos aflitos,<br />No abismo de sombra densa, Reformaste-nos a crença<br />No dia renovador.<br />Envolveste-nos, bondosa,<br />Nos teus fluidos de agasalho,<br />Reservaste-nos trabalho<br />Na divina lei do amor.<br />Suportaste-nos sem queixa<br />O menosprezo impensado,<br />No sublime apostolado<br />De terno e infinito bem.<br />Em resposta aos nossos crimes,<br />Abriste nosso futuro,<br />Desde as trevas do chão duro<br />Aos templos de luz do Além.<br />Em teus campos de trabalho,<br />No transcurso de mil vidas,<br />Saramos negras feridas,<br />Tivemos lições de escol.<br />Nas tuas correntes santas<br />De amor e renascimento,<br />Nosso escuro pensamento<br />Vestiu-se de claro sol.<br />Agradecemos-te a bênção<br />Da vida que nos emprestas;<br />Teus rios, tuas florestas,<br />Teus horizontes de anil,<br />Tuas árvores augustas,<br />Tuas cidades frementes,<br />Tuas flores inocentes<br />Do campo primaveril!... Agradecemos-te as dores<br />Que, generosa, nos deste,<br />Para a jornada celeste<br />Na montanha de ascensão.<br />Pelas lágrimas pungentes,<br />Pelos pungentes espinhos,<br />Pelas pedras dos caminhos:<br />Nosso amor e gratidão!<br />Em troca dos sofrimentos,<br />Das ânsias, dos pesadelos,<br />Recebemos-te os desvelos<br />De mãe de crentes e incréus.<br />Sê bendita para sempre<br />Com tuas chagas e cruzes!<br />As aflições que produzes!<br />São alegrias nos céus.<br />Ó Terra – mãe devotada,<br />A ti, nosso eterno preito<br />De gratidão, de respeito,<br />Na vida espiritual!<br />Que o Pai de graça infinita<br />Te santifique a grandeza<br />E abençoe a natureza<br />Do teu seio maternal!<br /><br />Quando soou a derradeira nota do hino repassado de misterioso encanto, olhos nevoados de lágrimas, trocamos com Zenóbia<br /><br />carinhoso abraço de adeus. Nós outros, os da expedição socorrista, tomávamos os recém-<br />libertos pelas mãos, imprimindo-lhes energia para a subida prodigiosa, cercados de amigos que nos seguiam, alegres e venturosos,<br /><br />a caminho das zonas mais elevadas.</span><br />
<span style="font-size: x-large;"><br />Estranho e indefinível júbilo nos vibrava no peito, empolgado de vigorosa esperança, e, depois de atravessar os círculos de baixo padrão vibratório, em que se localizava o instituto de Fabiano, ganhamos região brilhante e formosa, coberta pelo céu faiscante<br /><br />de estrelas!... Saudando-nos de muito longe, o astro da noite apareceu em maravilhoso plenilúnio, emitindo raios de doce e evanescente claridade que, depois de nos iluminar o caminho numa<br /><br />pulcritude de sonho, desciam, céleres, para a Crosta da Terra, espalhando entre os homens o convite silencioso à meditação na<br /><br />gloriosa obra do Deus.<br /><br />--- Fim ---</span>Unknownnoreply@blogger.com0