17 - Rogativa Singular
Enquanto Dimas se restaurava paulatinamente, Fábio cobrava
forças de modo notavelmente rápido. Os longos e difÃceis exercÃcios de espiritualidade superior, levados a efeito na Crosta, frutificavam, agora, em bênçãos de serenidade e compreensão. Ambos repousavam, na Casa Transitória, amparados pela simpatia geral da instituição que a irmã Zenóbia dirigia. Ao mesmo tempo, prosseguÃamos em constante cuidado, junto aos demais amigos, principalmente ao pé de Cavalcante, cuja situação orgânica piorava sempre, nas vizinhanças do fim.
Dimas, com o exemplo de Fábio, criara novo ânimo. Reagia, com mais calor, perante as exigências da famÃlia terrena e consolidava a serenidade própria, com a precisa eficiência. O extuberculoso, iluminado e feliz, notava que outros horizontes se lhe abriam ao espÃrito sensÃvel e bondoso. Podia levantar-se à vontade, transitar nas diversas secções em que se subdividiam os trabalhos do instituto e dava gosto vê-lo interessado nos estudos referentes aos planos elevados do Universo sem fim.
Experimentava tranqüilidade. Não era um gênio das alturas, não completara suas necessidades de sabedoria e amor; entretanto, era servo distinto, em posição invejável pelos débitos pagos e pela venturosa possibilidade de prosseguir a caminho de altos e gloriosos cumes do conhecimento. A irmã Zenóbia dava-se ao prazer de ouvi-lo, nos rápidos minutos de lazer, e, freqüentemente, manifestava a Jerônimo suas agradáveis impressões a respeito dele.
Tanta alegria provocou o discÃpulo fiel, com a disciplina emotiva de que dava testemunho, que o nosso Assistente tomou a iniciativa de trazer-lhe a esposa, em visita ligeira. Lembro-me da comoção de Mercedes ao penetrar o pórtico do instituto, pelo braço amigo de nosso orientador. Estava atônita, deslumbrada, extática.
Não possuÃa consciência perfeita da situação, mas demonstrava sublime agradecimento. Conduzida à câmara em que o companheiro a esperava, ajoelhou-se instintivamente.
Sensibilizamo-nos todos, ante o gesto de espontânea humildade.
Fábio, sorridente, disfarçando a forte emoção, dirigiu-lhe a palavra, exclamando:
– Levante-se, Mercedes! Comungamos agora na felicidade imortal!
A esposa, porém, inebriada de ventura, fechara-se em compreensÃvel silêncio. O amigo adiantou-se, ergueu-a e abraçou-a com infinito carinho.
– Não se amedronte com a viuvez, minha querida! – continuou – Estaremos sempre juntos. Lembra-se de nosso entendimento derradeiro?
Mercedes entreabriu os lábios e fez sinal afirmativo.
– Dê-me notÃcias dos filhinhos! – pediu o consorte desencarnado, a sorrir – nada disse ainda... Porquê? fale, Mercedes, fale!
Mostre-me sua alegria vitoriosa!
A esposa fixou nele, com mais atenção, os olhos meigos e brilhantes e disse, chorando de júbilo:
– Fábio, estou agradecendo a Jesus a graça que me concede... como sou feliz, tornando a vê-lo!...
Lágrimas copiosas corriam-lhe das faces.
Em seguida, após curto intervalo, informou:
– Nossos pequenos vão bem. Lembramo-nos de você, incessantemente...
Todas as noites, reunimo-nos em oração, implorando a Deus, nosso Pai, conceda a você alegria e paz na vida diferente que foi chamado a experimentar.
Outra pausa em que a nobre senhora tentou conter o pranto. – Quero avisá-lo – prosseguiu – de que já estou trabalhando.
O senhor Frederico, nosso velho amigo, deu-me serviço. Carlindo vela pelo irmão, enquanto me ausento, e creio que nada nos falta em sentido material. Temos apenas...
E a esposa dedicada interrompeu-se nas expressivas reticências, receosa talvez de ofendê-lo.
– Continue! – falou o companheiro sensibilizado.
– Não se zangará – disse Mercedes, reanimando-se – se eu reclamar contra as saudades imensas? Em nossas refeições e preces, há um lugar vazio, que é o seu. Creia, porém, que faço o possÃvel por não feri-lo. Coloquei mentalmente a presença de Jesus, o nosso Mestre invisÃvel, onde você sempre esteve. Desse modo, sua ausência em casa está cheia da confiança fervorosa nesse Amigo Certo que você me ensinou a encontrar...
Reparei que o esposo, não obstante a elevação que o caracterizava, desenvolveu visÃvel esforço para não chorar. Fazendo-se otimista, observou:
– Não apague a luz da esperança. Não me zango em sabê-los saudosos, pois também eu sinto falta de sua presença, de sua ternura, da carÃcia de nossos filhos, mas ficaria contrariado se soubesse que a tristeza absorveu nosso ninho alegre. Tenha coragem
e não desfaleça. Logo que for possÃvel, retomarei meu lugar, em espÃrito. Estarei com você no ganha-pão, assisti-la-ei nos exercÃcios da prece e respirarei a atmosfera de seu carinho.
Para isso, por enquanto, preciso escorar-me em sua fortaleza de ânimo e não dispenso o seu amoroso auxÃlio. Sinto-me cercado de bons amigos que não nos esquecem e, quem sabe, estaremos, lado a lado, de novo, em porvir não remoto? Avisaram-me de que a Divina Bondade me concedeu ingresso em colônia de trabalho santificador, a fim de prosseguir em meus serviços de elevação. Poderei talvez
tecer diferente e mais belo ninho para aguardá-la.
Ouço dizer, Mercedes, que o Sol é muito mais lindo nessa paisagem de encantadora luz e que, à noite, as árvores floridas assemelham-se a formosos lampadários, porque as flores maravilhosas retêm o luar Divino...
Nesse instante, determinada interrogação irrompeu-me no raciocÃnio.
Se Fábio havia feito tantos amigos em nosso núcleo de serviço, desde outro tempo, a ponto de merecer-lhes especial consideração, como se mostrava adventÃcio, a respeito do noticiário de nossa esfera?
Sintetizando compridas indagações em pequenina pergunta ao Assistente Jerônimo, respondeu-me o orientador em duas sentenças curtas:
– A morte não faz milagres. Retomar a lembrança é também serviço gradual, como qualquer outro que envolva atividades Divinas da Natureza.
Calei-me, atento.
Fitando a visitante, enternecido, o marido recém-liberto considerava:
– Acredita que não vale a pena sofrer, de algum modo, para conseguir tão sagrado patrimônio? Nossos filhos crescerão depressa, as lutas serão breves, as situações carnais transitórias.
Não desanime, portanto. A Providência jamais se empobrece e nos enriquecerá de bênçãos.
Mostrou a esposa formosa expressão de conforto no semblante feliz e, mobilizando as mais Ãntimas energias da alma humilde, manteve-se, por alguns instantes, de mãos postas, como a agradecer a Deus o imenso júbilo daquela hora.
Jerônimo fez significativo sinal, avisando em silêncio que findara o tempo da visita.
A irmã Zenóbia, que acompanhou a cena, comovida, junto de nós, tomou de uma flor semelhante a uma grande camélia dourada e deu-a a Fábio, para que presenteasse a companheira.
Mercedes recebeu a dádiva, conchegando-a ao coração.
Nosso dirigente aproximou-se de mim e notificou-me:
– André, acompanhe-nos à Crosta. Nossa amiga perdeu grande porção de forças com a emoção e ser-nos-á útil sua cooperação na volta.
Despediu-se a viúva e, em breve, era por nós reconduzida ao lar. E, ainda agora, ao relatar a experiência, recordo-me da estranha sensação de felicidade que Mercedes sentiu, ao despertar no leito com a perfeita impressão de guardar a delicada flor entre os
dedos.
Tudo, pois, corria bem no cÃrculo dos trabalhos que nos foram cometidos, quando nosso mentor foi chamado por autoridade superior de nossa colônia.
Esperei impaciente o regresso dele, porque Jerônimo, em obediência às determinações recebidas, deveria partir, imediatamente, para entendimento inadiável.
Recomendou-nos aguardá-lo, em serviço na Casa Transitória, acentuando que seria breve.
De fato, não se demorou mais de um dia. E, ao regressar, cientificou- nos da novidade. A irmã Albina fora autorizada a permanecer na Crosta Planetária por mais tempo, razão por que a
desencarnação fora adiada “sine die”. Certa rogativa influÃra decisivamente no assunto. Entrara em jogo imperiosa exigência que nossa colônia examinara com a devida consideração. Em vista disso, renovara-se o programa da missão que trazÃamos. Ao invés de auxÃlio para a liberação, a velha educadora receberia forças para se demorar na Crosta. DevÃamos procurar-lhe a residência, sem perda de oportunidade, propiciando-lhe ao organismo os possÃveis recursos magnéticos ao nosso alcance.
Quis perguntar alguma coisa, inteirar-me das particularidades.
Todavia, Jerônimo costumava dizer com proveito tudo o que necessitávamos saber e não me cabia constrangê-lo a qualquer informação antecipada.
Porque se modificara decisão de tamanho relevo?
Quem possuÃa, afinal, tanto poder na oração, para ter influência nas diretivas de nossa colônia espiritual? Seria justo o adiamento? Por que motivo determinada súplica impunha a renovação do roteiro a seguir?
O Assistente percebeu as indagações que se me entrechocavam no cérebro e adiantou:
– Não se torture, André. Saberá tudo no momento oportuno.
E, traçando sintética programação de serviço, acrescentou:
– Vamo-nos. Hipólito e Luciana velarão pelos convalescentes.
Em caminho, porém, não resisti. Pedi permissão para ouvi-lo, de maneira sumária, quanto à nova deliberação, e Jerônimo aquiesceu, esclarecendo:
– A medida não deve provocar admiração.
Ninguém, senão Deus, detém poderes absolutos.
Todos nós, no desenvolvimento das tarefas conferidas à s nossas responsabilidades, experimentaremos limitações nos atributos ou no acréscimo de deveres, segundo os desÃgnios superiores, O futuro pode ser calculado em linhas gerais, mas não podemos prejulgar quanto ao setor da interferência Divina, O Pai efetua a organização universal com independência ilimitada no campo da sabedoria infalÃvel. Nós cooperamos com relativa liberdade na obra do mundo, sujeitos a necessária e esclarecedora interdependência, em virtude da imperfeição da nossa individualidade. Deus sabe, enquanto nós nem sequer imaginamos saber.
E, com expressivo gesto de bom humor, prosseguiu:
– Não existe, portanto, novidade propriamente dita.
Aliás, é justo considerar que a desencarnação de Albina não é suscetÃvel de ser adiada por muito tempo – O organismo que a serve está gasto e a nova resolução destina-se apenas a remediar difÃcil situação, de modo a trazer benefÃcios para muita gente. A prece, em qualquer ocasião, melhora, corrige, eleva e santifica. Mas somente quando estabelece modificação de roteiro, igual à de hoje, é que paira, acima das circunstâncias comuns, o interesse coletivo. Ainda assim, a medida prevalecerá por reduzido tempo, isto é, apenas enquanto perdurar a causa que a motiva.
Recordei uma experiência anterior2, em que observara certo irmão recebendo alguns dias de acréscimo à existência no corpo, para poder solucionar problemas particulares, e compreendi a alteração havida. De qualquer modo, porém, minha surpresa não era desarrazoada, porque constituÃamos comissão de trabalho definido, com atividades traçadas por superiores hierárquicos. No caso a que me reportava, vira amigos de nossa esfera intercedendo junto de outros amigos, em benefÃcio de terceiro. Todavia, na questão em exame, tratava-se de pedido da Crosta, atuando diretamente em nosso núcleo distante.
Conservando, pois, minha curiosidade insatisfeita, acompanhei o Assistente até ao apartamento confortável em que residia a interessada.
Os prognósticos acerca do estado fÃsico da enferma eram desanimadores.
Seu espÃrito, no entanto, mantinha-se calmo e confiante, a despeito da profunda perturbação orgânica.
Não só o coração e as artérias apresentavam sintomas graves: também o fÃgado, os rins, o aparelho gastrintestinal.
A dispnéia castigava-a, intensamente.
Chegáramos no instante em que gracioso grupo de jovens, catorze ao todo, fazia em derredor da enferma o culto doméstico do Evangelho. Enquanto oravam, antes dos comentários construtivos, de alma voltada para a sublime fonte da fé viva, atiramo-nos ao trabalho, seguidos, de perto, por outros amigos de nosso plano, ligados à missão da nobre educadora.
O ambiente equilibrado pela prece e pelos pensamentos de elevação moral contribuÃam eficazmente na execução de nossos propósitos.
A zona perigosa do corpo abatido era justamente a que situava o aneurisma, provável portador da libertação. O tumor provocara a degenerescência do músculo cardÃaco e ameaçava ruptura imediata.
Jerônimo, entretanto, revelou-se, mais uma vez, o médico experimentado e competente de nosso plano de ação. Começou aplicando passes de restauração ao sistema de condução do estÃmulo, demorando-se, atencioso, sobre os nervos do tônus. Em seguida, forneceu certa quantidade de forças ao pericárdio, bem como à s estrias tendinosas, assegurando a resistência do órgão.
Logo após, meu orientador magnetizou, longamente, a zona em que se localizava o tumor bastante desenvolvido, isolando certos complexos celulares, e esclareceu:
– Poderemos confiar em grande melhora, que persistirá por alguns meses.
Com efeito, finda a complexa operação magnética, observei que o coração doente funcionava com diferente equilÃbrio. As válvulas cardÃacas passaram a denotar regularidade. Cessou a aflição, o que foi atribuÃdo, e de fato, com razões poderosas, ao efeito da prece.
Albina sentiu-se reconfortada, mais calma. Fitou, comovida, as discÃpulas que se achavam presentes em afetuosa homenagem a ela, e considerou, satisfeita:
– Como me sinto melhor! Motivos fortes possuÃa o apóstolo Tiago, recomendando a prece aos enfermos! As alunas e as filhas riram-se de contentamento e ergueram, em seguida, formosa oração gratulatória, emocionando-nos o coração.
Contrariando a expectativa geral, a enferma aceitou o oferecimento de um caldo confortante.
Em face da alegria que a todos empolgava, perguntei de súbito ao Assistente:
– Teria sido a súplica das discÃpulas o móvel da alteração?
Quem sabe? Talvez lhes fizesse falta a venerável professora...
– Não, não é bem isto – elucidou o mentor –; a intercessão das meninas trouxe-lhe a cota natural de benefÃcios comuns; no entanto, acresce notar que Albina já cumpriu tarefa junto delas.
Deu-lhes o que pôde, devotou-se quanto devia. Em virtude da abnegação da enferma, as aprendizes trazem o cérebro cheio de boas sementes...
Compete agora às interessadas organizar condições favoráveis ao desenvolvimento intensivo dos tesouros espirituais de que são portadoras.
Curioso, arrisquei:
– EstarÃamos, porventura, ante o resultado de requisição sentimental das filhas?
Jerônimo fitou ambas as senhoras que assistiam a doente com desvelada ternura, abanou a cabeça com gesto negativo e retrucou:
– Também não. Não se trata de resposta a semelhante rogativa.
No desempenho dos sagrados deveres de mãe, Albina fez tudo pelo bem-estar das filhas. Desvelou-se, quanto lhe era possÃvel.
Por elas perdeu compridas noites de vigÃlia e encheu laboriosos dias de preocupação absorvente e redentora. Educou-as carinhosamente, encaminhou-as na estrada da santificação e, sobretudo, ao prepará-las para a vida, entregou-as ao Pai Eterno, sem egoÃsmo destruidor. O trabalho materno foi completamente satisfeito.
Doravante, cumpre às filhas seguir-lhe o exemplo, imitando-lhe a conduta cristã. Os bons pensamentos de Loide e Eunice envolvem-na toda em repousante atmosfera de amor.
Entretanto, não seriam os rogos filiais, em circunstâncias como esta, que modificariam o roteiro das autoridades superiores no cumprimento das leis divinas. As súplicas de ambas partem de esferas de serviço
perfeitamente atendidas pela missionária em processo de liberação e de modo algum as filhas poderiam retê-la.
Nesse instante, sentindo-se a enferma confortada pela inopinada melhora, dirigiu-se à filha mais velha, indagando:
– Loide, acredita você na possibilidade de trazerem o Joãozinho até aqui?
A interrogação enternecida, seguiu-se plena aprovação da filha e o telefone tilintou chamando alguém.
Ao passo que a senhora se entendia com o esposo, a distância, meu orientador anunciou, bem humorado:
– Em breves momentos, receberá você a chave do problema.
Continuamos socorrendo a organização fisiológica da enferma, observando a alegria sincera das discÃpulas, que se retiravam, contentes. Mãe e filhas voltaram a permanecer a sós conosco, junto de outros amigos espirituais que se dedicavam, no compartimento, à tarefa de auxÃlio, inclusive a simpática irmã que nos acolhera na visita inicial, falando-nos, aliás, da probabilidade de prorrogação.
Processavam-se com extremado carinho os serviços de assistência, quando cavalheiro bem-posto deu entrada, conduzindo um menino miúdo, de oito anos presumÃveis.
Varando a porta do quarto, o pequeno mostrou-se cônscio do lugar em que se achava, cumprimentou as senhoras, respeitoso, e voltou-se, de olhos ansiosos, para a enferma, beijando-lhe a destra com indescritÃvel ternura. Albina rogou a Deus o abençoasse e o menino perguntou:
– Vovó, como vai?
Designando-o, o Assistente esclareceu:
– A súplica dessa criança alcançou-nos a colônia espiritual e modificou-nos o roteiro.
– Quê?... – interroguei, sumamente surpreendido.
Jerônimo, todavia, continuou:
– Não é neto consangüÃneo da doente, embora se considere tal. É órfão que lhe abandonaram à porta, após o nascimento, e que Loide mantém no lar, desde que nossa irmã se recolheu à cama.
Não obstante a prova, Joãozinho é grande e abnegado servo de Jesus, reencarnado em missão do Evangelho. Tem largos créditos na retaguarda.
Ligado à famÃlia de Albina, há alguns séculos, torna ao seio de criaturas muito amadas, a caminho do serviço apostólico do porvir.
Ia formular perguntas novas, mas meu orientador, indicando a enferma que se abraçara à criança, aconselhou-me, solÃcito:
– Observe por si mesmo...
O diálogo entre ela e o pequenino adquirira encantadora suavidade.
– Tenho passado mal, meu filho – exclamava a respeitável senhora em desabafo.
– Oh! vovó! – tornou o rapazinho, olhos radiantes de fé – tenho rezado sempre para que a senhora fique boa, depressa.
– Tem fé?
– Confio em Jesus. Na última vez em que estive na igreja, pedi a todos me ajudarem a rogar ao Céu pela sua saúde.
– E se Deus me chamar?
Os olhos se lhe umedeceram, mas acentuou em voz firme: –
Precisamos da senhora neste mundo.
Albina abraçou-o e beijou-o com meiguice maternal e prosseguiu:
– João, tenho sentido muita saudade de seus hinos na escola.
Tem louvado o Senhor, pontualmente?
– Tenho.
– Cante para mim, meu filho.
O pequeno sorriu, jubiloso, por haver encontrado motivo de alegrar a doente querida e indagou, com naturalidade:
– Qual?
A enferma pensou, pensou, e disse:
– “Jesus, sendo meu”.
O menino modificou a expressão fisionômica, entristeceu-se instantaneamente, mas, colocando-se junto ao leito e na postura do crente submisso, ergueu os olhos ao alto e começou a cantar antigo e delicado hino das igrejas evangélicas:
“Jesus, sendo meu, Sou muito feliz, Eu vou para o Céu, Meu lindo paÃs....“
Expressava-se em voz tão dorida que o hino parecia amarguroso lamento. Finda a primeira quadra, esforçou-se para continuar, mas não conseguiu.
Profunda emoção sufocou-lhe a garganta, as lágrimas saltaram-lhe, espontâneas; tentou debalde fixar Loide para ganhar coragem e, reparando que sua comoção contagiara a famÃlia, precipitou-se nos braços da doente e gritou, com força:
– Não, vovó, não! A senhora não pode ir agora para o Céu!
não pode! Deus não deixará!... Albina recolheu-o, carinhosa, feliz.
– Que é isto, João? – perguntou, buscando sorrir.
Observei a mim mesmo e só então reconheci que eu também chorava...
Jerônimo, porém, mantinha-se firme e, rindo-se, bondoso, reafirmou:
– O menino tem razão. Albina não irá mesmo desta vez...
Atendendo-me à curiosidade, entrou em explicações finais, advertindo:
– Que nota você de particular em Loide?
Recorrendo a observações que já levara a efeito, respondi sem hesitar:
– Reparo que aguarda alguém; uma filhinha que já entrevimos...
Desde o primeiro encontro, verifiquei que está em perÃodo ativo de maternidade, em vésperas da delivrança.
– Isto mesmo – confirmou o mentor amigo –, a prece de João é importante porque se reveste de profunda significação para o futuro. A menina, em processo reencarnacionista, é-lhe abençoada companheira de muitos séculos.
Ambos possuem admirável passado de serviço à Crosta Planetária e escolheram nova tarefa com plena consciência do dever a cumprir. Foram associados de Albina em várias missões e, muito cedo, ser-lhe-ão continuadores na obra de educação evangélica. Não são EspÃritos purificados, redimidos, mas trabalhadores valiosos, com suficiente crédito moral para a obtenção de oportunidades mais altas.
Apesar da condição infantil, o servo reencarnado, pelas ricas percepções que o caracterizam fora da esfera fÃsica, recebeu conhecimento da morte próxima de nossa venerável irmã. Compreendeu, de antemão, que o fato repercutiria angustiosamente no organismo de Loide, compelindo- a talvez a claudicar no trabalho gestatório, em andamento. A carga de dor moral conduzi-la-ia efetivamente ao aborto, imprimindo profundas transformações no rumo do serviço de que João é feliz portador. Socorreu-se, então, de todos os valores intercessórios, nos instantes em que sua alma lúcida pode operar na ausência da instrumentalidade grosseira, que triunfou com as súplicas insistentes, obtendo reduzida dilatação de prazo para a desencarnação de Albina.
Sempre comedido nas informações, Jerônimo calou-se, preparando a retirada.
A singular ocorrência enchia-me de encantamento e surpresa.
E contemplando, sob forte enlevo, a pequena famÃlia em santificado júbilo doméstico, eu chegava à conclusão de que, ainda ali, numa câmara de moléstia grave, a oração, filha do trabalho com amor, vencia o vigoroso poder da morte.
2 Vide cap. 7º de “Missionários da Luz” — Nota do Autor espiritual.
terça-feira, 29 de agosto de 2017
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